terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Crônicas do Novo Normal: 2022 e o quebra-cabeça musical.


Eu tenho ouvido muita música nos últimos dias. George Harrison, Paulo Diniz, Rita Lee, Modest Mouse...A lista é grande é entremeada de um monte de cantores e bandas bem ecléticos. Acho que isso vem do meu entendimento de música: ela serve menos como identidade, e mais como uma espécie de gabinete de emoções: o que você quer sentir hpje? O que você precisa sentir hoje?  Não é a toa que quem sofre, tende a pôr uma playlist de seu cantor favorito para chorar: Música é exorcismo também, acima de tudo. 

Talvez por isso eu esteja ouvindo tanta música esses tempos, pois a verdade é que eu tenho tentando pensar em que espécie de pessoa eu quero ser neste ano que virá. Tenho certeza que muitos dos leitores também pensam da mesma forma, naquele tipo de resenha crítica de como foi seu ano. Se assim for, espero que vocês tenham tido compaixão consigo mesmos, e percebido que muita coisa não poderia ser feita: estamos ainda no meio de uma pandemia (que inclusive, parece que vai voltar com alguma força em 2022), há que se fazer o que se tem forças físicas e mentais para conseguir. 

Mas no meu caso, tenho pensando muito nisso porque existem grandes mudanças vindo em 2022, pessoalmente. E eu sempre me sinto a deriva um pouco nesses momentos, e por isso ouço tantas canções , antigas e novas. Suponho que busco nelas algum pedaço de mim cnatado por outra pessoa, para poder me remontar de uma forma mais colorida. 

O resultado é tão híbrido quanto confuso: um pedaço meu está naquela canção do Nirvana, mas também tem um pouco ali em Beatles. Outro talvez eu encontre naquela canção do Roberto, outro pode estar nas canções da Gal mesmo; tudo é uma busca. Os ouvidos ficam zunindo depois de tantas sessões(pois não sou nada além de fanático nessas buscas), mas há mesmo uma paz grande em meu peito quando consigo encontrar esses pedaços, algo como a sensação de uma peregrinação cumprida, que foi satisfatória. 

Ainda estou buscando muitos pedaços. Mas quem sabe até o fim de Janeiro eu já não tenha uma boa ideia? Por hora, sigo o conselho do velho filósofo: vou conhecendo a  mim mesmo, com a trilha sonora que eu achar que encaixa melhor. 


quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Viciados em Frutas Anônimos


No Domingo houve uma feirinha aqui no condomínio, onde tentei vender meus livros e consegui muito mais amizades que vendas. Na sala onde eu estava, conheci uma confeiteira de mão cheia vendendo pães de mel (comprei), uma artesã com uma bolsa manufaturada muito bonita e prática (comprei também), e este que vos fala (ninguém comprou de mim porém). 

É claro que não havia só nós na feirinha, e uma das pessoas que ali estava era uma moça muito simpática, que chamarei aqui de Flora. Pois vejam, o comércio de Flora eram não livros, bolsas ou doces: seguindo um caminho muito mais natural, ela estava vendendo frutas. Não frutas quaisquer, veja: ali haviam ameixas (daquele tipo gigante e docinho que só vi aqui por São Paulo), pêssegos, morangos... A venda aqui era de alta qualidade, e por preços honestos. 

Sou um fraco por ameixas: comprei de Flora uma boa bandejinha, e um punhado de pêssegos de lambuja, afinal, estava me sentindo rico com todo o dinheiro que não arrecadara naquele fim de semana. Terminada a feira, levamos as frutas para casa, lavamos, e começamos a comê-las. 

Foi nosso erro: as ameixas não eram só doces; eram fora do comum. Comemos ameixas e pagamos o preço sanitário de comer tanto, mas não conseguimos parar. O pêssego, também,  se demonstrou uma fruta excepcional, doce e ácida na medida certa. Para mim, um indivíduo que só conhecia pêssegos em calda nas latas da vida, aquela fruta foi uma descoberta, e um manjar. 

E porque as frutas erma tão boas, estamos agora com o contato de Flora, nossa fornecedora oficial; Sabemos dos horários que ela recebe as melhores frutas (pela manhã, às 10), e qual o procedimento para pegar as bandejas. Entramos em contato com ela pela noite, e perguntamos qual a melhor fruta para se comprar naquele dia (amanhã, por exemplo, é dia de cereja). 

E cá estamos, eu e minha esposa, conversando um com o outro como se fossemos viciados em drogas esperando o carregamento:

- Falei com a Flora... amanha ela não tem morango. 

- Droga! A gente perdeu a oportunidade de hoje...

- Mas ó, ela disse que amanhã consegue pra gente 200 gramas daquela ameixa docinha...

- Reserva, reserva! 


Eis o Mistério da fruta. 


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Crônicas do Novo Mundo: Um Lançamento

Fonte: Blog Adrielson Furtado

É estranho voltar de onde se saiu, com a cabeça de não mais retornar. Mesmo que seja uma visita, fica aquela sensação: Por que estou Aqui, se meu futuro é Ali? Qual o motivo desse retorno?

Esses eram meus pensamentos quando cheguei em Belém, alguns dias atrás, para lançar meu livro O Catálogo das Coisas Específicas (ainda a venda, entre em contato comigo para saber como adquirir seu exemplar). A viagem foi horrível, com o aeroporto bagunçado, e três horas e meia de turbulências que me impediram tanto de dormir como de ler sem sentir enjoo. Quando saí finalmente do avião, o bafo quente da cidade me acolheu às quase 3 da manhã, e eu soube, finalmente, que tinha retornado à minha cidade natal. 

Tenho uma relação conflituosa com Belém do Pará. Por um lado, é onde nasci, e me criei. A maior parte da minha família está lá, com destaque, é claro, para meus pais, ainda vivendo na casa que nos mudamos quando eu ainda contava com cinco anos de idade, e meu irmão mais novo praticamente tinha acabado de nascer. 

Tudo isso deveria causar um efeito de nostalgia em mim, e realmente assim acontece; apesar disso, não consigo deixar de me sentir um pouco mal quando vou para lá, porque quando passamos muito tempo em um lugar determinado, é inevitável ver ali seus triunfos e seus fracassos. Como bom católico relapso que sou, a maior parte do que vejo ali são minhas falhas, andando pelas ruas como fantasmas a demandar atenção para si, ou talvez redenção. 

O leitor pode imaginar, portanto, que a maioria das minhas viagens são temperadas por essa tristeza, e é verdade. Contudo, dessa vez, as coisas foram bem diferente; talvez porque era um momento especial (meu primeiro livro solo, a primeira vez que veria meus pais depois dessa pandemia tão cruel, a primeira ve que veria minha sobrinha Maria Estela...), talvez porque os livros que tenho lido tem deixado minha mente mais aberta (James Lee Burke é um poeta da literatura policial), ou talvez simplesmente seja meu terapeuta Dr Pedro conseguindo me fazer alcançar um avanço mental maior que antes: o fato é que dessa vez, a sensação foi muito diversa de vezes anteriores. 

Como posso explicar? É difícil. Existem sentimentos que nem o melhor dos escritores conseguiria pôr no papel, e eu estou longe de ser um destes. O que posso dizer é que, enquanto andava pelas ruas da cidade, acompanhado de meus pais buscando uma calça para mim (este, um tema para a próxima crônica), olhei para o céus, senti o calor, e não pude deixar de sentir uma ternura imensa pela cidade, como quando sentimos quando se vê um animal ferido andando pela calçada, machucado mas ainda belo em seu porte e aparência. 

O sentimento se espalhou durante toda a viagem, e cada pessoa que eu vi, e interagi, só me fazia sentir ainda mais este carinho imenso, esta ternura profunda. Então percebi porque me sentia mal indo para Belém: a cidade não falhou comigo, mas eu sim, que pus nela a minha imagem de pecador, de culpado. Não era a cidade que era feia, e sim a minha visão de mim mesmo, que assim era.  

E quando consegui ver a cidade com outros olhos, consegui me ver com esse mesmo olhar novo; e finalmente o véu do julgamento caiu de meus olhos.

Desta forma, no dia 04 de dezembro, lancei muito mais que só um livro: também lancei uma nova imagem de mim mesmo. 

E você leitor, quando foi seu último lançamento?



quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Crônicas do novo normal: Duas histórias de Luto


Tenho pensando muito, nesses dias, sobre a perda. Aquele momento inevitável que ocorrerá na vida de todos, em algum momento, seja de um familiar, de um amigo, ou mesmo de uma pessoa que você admirava e simpatizava mesmo, por que não? Perda é perda, e os simbolismos que ocorrem são os mesmos, creio eu, embora talvez em uma intensidade menor. 

A cabeça que uma pessoa tem, quando está sentindo a perda, é algo inescrutável, posto que cada um age de uma maneira específica. É por isso que é tão cruel julgar como reagem parentes e amigos num funeral, não sabemos como está a cabeça deles, não realmente. Existem formas e formas de se lidar com a dor. 

Um exemplo: Lembro quando houve o funeral da minha avó paterna, tantos anos atrás. Enterramos ela por baixo de uma chuva forte, um clichê que ajuda muito a entender o momento grave da situação, acredite. Voltamos correndo para nos abrigar sob uma espécie de pergolado que ficava ali no cemitério. Quase que como um código, chegamos ali, e os parentes começaram a contar piadas e histórias engraçadas sobre a minha avó, sobre a vida dela. Eu lembro disso tão claramente, porque me pareceu uma espécie de desrespeito à memória dela. 

Seis meses depois, meu tio, irmão de meu pai, falecia também. Como que por rima (mais que por razão), também chovia muito naquele dia; ajudei a carregar o  caixão nas duas ocasiões, então lembro bem da sensação de andar com o pé enterrando na lama tenebrosa do cemitério, o mesmo para os dois entes queridos. Também naquele dia corremos para o pergolado, também naquele dia começaram as piadas e histórias engraçadas sobre ele, meu tio. Só seis meses tinham se passado, mas eu entendia melhor naquele dia: Era a forma deles celebrarem a memória, não um desrespeito. Aquelas pessoas não conseguiam enfrentar a dor, sem o escudo do humor. 

Agora, que estamos cercados de morte por todos os lados (mais que o normal, diga-se, em um país que a morte surge pela manhã em nossa TV, como se fosse parte de um desjejum macabro), é bem claro para mim que o Brasil está em Luto. E talvez estejamos buscando, também, uma forma de lidar com ele, pelo riso ou pela dor. 

Sei bem que passamos por fases de tentar esconder e seguir em frente (um clássico do Brasil), mas agora, perto do fim do ano, talvez seja a hora de buscarmos entender essa dor, essas perdas, e decidir o que fazer com elas na cabeça. 

Talvez escrever uma crônica?

domingo, 21 de novembro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Amores e Cegos



Esses dias eu vi mais uma série bosta de Netflix, esta chamada "Casamento às Cegas". Tornou-se, penso eu, um tipo de esporte entre as pessoas que saem pouco de casa e enfrentam essa pandemia interminável, buscar séries lixo que você possa apenas assistir e não refletir tanto, não pensar nos milhões de mortos, na inflação galopante, no desemprego batendo às portas. 

Apesar disso, não consigo realmente ficar sem pensar em alguma coisa, deve ser mal de estudante de Humanas. Então eu via a série e me assustava, porque ali em plena netflix, eu via uma série de pessoas entregues a um experimento completamente insano, pondo em jogo sua própria saúde emocional, Só por um pouco de companhia. Uma aposta alta, baseada em falsidades, para uma conquista vã. 

É fácil pensar nessas pessoas como estúpidas (deus sabe que eu fiz isso), mas se a gente pensar bem, quanto de nós mesmos não está ali? Esse desespero, essa fome por afeto, carinho, companhia? Eu fico pensando muito nisso. Quando mudei para São Paulo, eu passei muito por isso, e suspeito que muitas pessoas que vagam por essas terras passaram e ainda passam por isso. Não é a toa que Roberto Pompeu de Toledo chamou São Paulo da "Capital da Solidão", e que Criolo cantou destas terras: "Não Existe Amor em SP". É uma cidade cruel às vezes, esmagadora sempre, ainda mais com quem acabou de chegar e não conhece ninguém. 

Mas será que é só Sampa mesmo que é assim? Vendo esse programa, e pensando na vida, fico imaginando que o mundo em si é assim agora, lugares cheios de almas tão vazias, citando novamente Criolo. Que menos que amor, o que a maioria tem em seu peito é angústia, e quando duas pessoas se juntam em suas angústias e terrores, acham companhia, e confundem isso com amor. 

Ou será que isso foi o amor mesmo, desde sempre, e eu que não sabia identificar? 

Fica a dúvida. 


quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Crônicas do novo normal: Buscas


Quando eu era criança, eu queria ser detetive particular. Não sei dizer se é um sonho comum entre os pequenos; no meu caso, eu comecei com isso porque tinha lido muito Sherlock Holmes e Miss Marple (minha personagem favorita de Agatha Christie), e achei que era algo que eu gostaria de fazer da vida, resolver mistérios, ajudar pessoas. 

Cresci um pouco mais, e então decidi tornar-me historiador, após um flerte rápido em talvez jornalismo (que meu pai, ele próprio um jornalista aposentado, rapidamente terminou com umas boas doses de realismo sobre a carreira). Já naquela época, antes de até mesmo considerar fazer os processos seletivos da faculdade, eu não tinha ilusões: sabia que meu futuro seria ser professor. Mas achei que em história, eu saberia entender um pouco mais do que estava querendo entender. Eu ia conseguir encontrar a chave do que quer que eu estivesse tanto querendo saber. 

Me formei, fiz especialização em arqueologia, vim para São Paulo para o mestrado em imigração japonesa... e ainda nada do resultado da busca. Para sobreviver, comecei a dar aulas de inglês - algo que, de fato, eu sempre quis fazer. E veja a surpresa, comecei a conhecer muito das pessoas. Um professor de línguas deve mais ouvir que falar, e nesse meio, ele acaba ouvindo confissões, desabafos, rotinas de seus alunos. O professor acaba virando essa figura mista, confessor/terapeuta/mestre. 

Mais que isso, ao dar a aula de inglês, e conversar com as pessoas, eu comecei e entender o sentido da minha busca. Não a resposta para ela, veja bem: porque, por vezes, é mais fácil sentir a resposta para sua pergunta que efetivamente tê-la em palavras. Mas posso dizer que meus alunos, que eu ensinei e ensino todos os dias, me ajudaram a entender melhor parte de mim, e com isso, me ajudaram a chegar mais perto do que eu buscava, a verdade que eu queria, e quero, saber.

E no fim, as pesquisas, os estudos, as aulas que dou e recebo, me deixaram mais perto desta verdade. E eu nem ao menos sei dizer qual é ela, mesmo depois de tantos anos. Acho que possivelmente será uma busca eterna, uma cenoura que impulsiona este cavalo cansado a caminhar e caminhar. 

E enquanto não chego ao meu destino final, vou buscando verdades, e conhecendo pessoas. 



 

domingo, 31 de outubro de 2021

Crônicas do Novo Mundo: Ode aos meus outros vizinhos, as árvores


Morei em uma casa por aproximadamente 27 anos. Na minha terra Natal, Belém, a vida é bem plana (em mais de um aspecto); não temos tantas subidas e descidas quanto aqui pela terra paulista, a não ser que você conte as ladeiras pro estacionamento. Assim, foi com um grande prazer que me vi morando em apartamentos aqui em São Paulo, a vista distante no horizonte, acima das casas à frente, com uma visão do céu boa para ficar refletindo.

Um extra nesse prazer foi a convivência ainda maior com árvores. Parece contraditório - convivência maior com árvores em São Paulo?!- mas lhes garanto que meu contato com estas amigas vindas da flora foi muito maior aqui em Sampa que jamais foi em Belém do Pará, quando elas me pareciam, embora presentes, distante, em seu próprio mundo. Talvez  haja algo de triste nisso, um cidadão vindo de um lugar que é literalmente apelidado de "Cidade das Mangueiras", só vir a ter um apreço maior pela vegetação quando se mudou para uma cidade conhecida pelo seu cinza, mas assim é a vida, cheia de ironias. Antes, eu via as árvores com uma certa reverência; hoje, as entendo como quase amigas, ou pelo menos, companheiras de momentos de silêncio. 

Explicando porque eu comecei a prestar mais atenção nas árvores agora, eu antes vivia em uma casa, ou seja, diretamente na linha do chão. Era difícil para mim, portanto, perceber a grande dança de uma árvore, a forma como as folhas se mexem ao sabor do vento, como cabelos de um estilo diferente. O próprio som das folhas, que eu certamente já tinha ouvido antes, me pareceu mais próximo (porque estava, duh), agora que eu , de um apartamento, conseguia ouvir de perto, e quase tocar nas mesmas... Sim, porque até agora, tive a sorte tremenda de morar em apartamentos que são frente a frente com árvores de Ipê, altas, e belíssimas ao longo do ano, mas em especial nesta primavera que adentramos, maluca que seja. 

Na Pandemia, comecei a prestar ainda mais atenção nestas árvores minhas vizinhas, e quase se pode dizer que estabeleci um "diálogo" com elas: observo suas folhas e sei se o dia será quente e sem vento, ou se ao contrário, haverá uma tempestade em breve, e portanto talvez fosse melhor fechar as janelas antes que tudo voe. 

Muito mais que isso, são estas árvores companheiras da noite adentro, quando está tudo quieto em casa, e eu abro a janela e me permito apenas observá-las dançando com o vento, e em minha mente sou eu mesmo parte daquelas folhas, que talvez saiam voando livres pelo céu, rumo ao horizonte. 


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Carta ao meu vizinho de cima, martelador de pisos


Prezado:

3 anos seguidos que você faz reformas. Eu sei disso, porque cheguei aqui a 3 anos, e você já tinha acabado de se mudar também (junto comigo - será o karma de algo que fiz?), e então começaram as reformas, os arrastares de móveis, o caos. Não tente negar: todos nós , desgraçados que somos em ser seus vizinhos, ouvimos com total detalhes seus barulhos, as marteladas incessantes, os pisos sendo colocados (ou tirados, sabe Deus). 

No começo foi apenas um arrastar aqui e ali de móveis. Eu entendi como algo habitual, afinal, não era meu primeiro rodeio vivendo em prédios, ademais, você tinha acabado de se mudar; é evidente que alguns móveis teriam de ser arrastados, e quanto a isso não havia remédio. De sorte que fiquei aguardando passar esse tempo de barulhos. 

Só que não passou, não é mesmo? Depois disso vieram as furadeiras nas paredes, as galopadas pela sala de estar (presumi que fosse seu filho e aí descobri que você só tem um bebezinho que ainda não anda, então fica o mistério). Sem Contar  meu favorito: quando a noite, você insiste em dar uma marteladinha assim, como quem não quer nada, na esperança que nenhum de seus vizinho ouça e se incomode. Pois saiba que ouvimos sim.

Esse texto foi escrito com base no ódio de você, meu caro vizinho, ter martelado e furado uma parede hoje, ao mesmo tempo (!), feito que me seria notável se não fosse basicamente algo que me atazanou a cabeça e quase me impediu de dar aulas. Sim, porque trabalho com aulas online, meu caro, e também sei que seu vizinho do lado trabalha com telemarketing. Esse deve realmente ter uma raiva de você, aconselho não pegarem o mesmo elevador se puder evitar. 

Eu dizia que o texto veio na base do ódio, mas confesso que tenho piedade por você, meu caro. Uma pessoa que faz reformas incessantemente por 3 anos seguidos, deve ter algo que está tentando resolver em si mas que não consegue identificar, então externaliza isso em mais um novo piso, uma nova parede, uma tinta nova para o quarto. Como será que sua esposa e bebezinho olham essa bagunça incessante, vizinho? Será que um dia você vai preencher esse vazio que lhe atormenta no coração, e que você pensa que vai ser preenchido pelos ladrilhos novos?

Desejo-vos paz na caminhada, vizinho de cima. E aceitação ao seu apartamento, algo que fará nós dois felizes, te garanto. 

Um abraço do

                                Vizinho de baixo. 



segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Crônicas do Novo Mundo: Des-Integração


Acontece com todo mundo, é claro. Quando você confunde sensações com profundidade, quero dizer; um prato cheio para mentes de todos os tempos se perderem, consciente ou inconscientemente. O indivíduo não consegue suportar a claridade de sua solidão quando está parado, então resolve sufocá-la com sensações, quaisquer que sejam. Porque tendemos a pensar que os vícios são só com coisas "positivas", prazerosas, mas a verdade é que a miséria em si pode ser tão viciante quanto: quanto mais não seja, pelo menos é um caminho conhecido, familiar. 

Quando me mudei para São Paulo, pude ter essa experiência de primeira mão. Isso foi em 2015, e eu morava em um kitnet ali pela zona oeste, próximo da entrada da USP pela Vila Indiana, para quem conhece. Esse espaço, como se pode imaginar, era simplesmente um lugar pra se deitar e se acordar. 12 metros quadrados, malmente uma cozinha um banheiro surpreendentemente grande: eis o meu reino. Com um lugar assim, é claro que a maior parte da minha vida era passada fora dali, mesmo os estudos para o mestrado que eu estava cursando;  assim, comecei a explorar bem a cidade de São Paulo, para o bem e para o mal. 

Assim, frequentei bares, fui em casas de pessoas questionáveis na zona leste, andei semi-bêbado pelas ruas do Butantã de madrugada. Também conheci pessoas, e junto com elas tentei apagar algo na minha cabeça que eu não conseguia descrever o que era. Enganei algumas dessas pessoas também, fingindo ser alguém que eu não era; tudo para não parar pra pensar, no que era aquilo, no que estava piscando em flashes na minha mente. 

E no fim da noite/dia, eu voltava para o kitnet, deitava na cama, e lá estava ela, me esperando fiel: a depressão. 

Longe estão esses dias: hoje eu me sinto muito mais feliz e com uma parceira que me ajuda a superar meus piores vícios, e que me dá forças para cuidar da minha saúde mental. Contudo, eu estaria mentindo se não dissesse que, esquecendo a lição da vida e das sessões de terapia, eu ás vezes tento evitar confrontar minha tristeza, mascarando-a com algo: jogos, música, filmes, comida. São deslizes momentâneos, e com certeza bem diferentes dos dias de 2015, mas o que importa é menos o que eles são e mais por que eles são. Como eu disse ali em cima, a miséria pode ser viciante, e ninguém melhor que um deprimido sabe dizer o quanto é fácil se deixar levar, se deixar esvair. 

Escrevi isso pensando nas muitas pessoas desse nosso país-mundo, que correm afoitas a idolatrar a lascívia, a agressividade, o devorar o mundo com uma só bocada, o ódio aos que lhes parecem diferentes - e portanto inimigos. Me pergunto quais são as verdades das quais essas pessoas estão fugindo, e por que. Me pergunto se em algum momento elas sequer perceberam que poderia sim, haver um problema em um posicionamento tão exagerado. 

Me pergunto quem vai ser o terapeuta desse país inteiro. 

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Cosa Nostra, Coisa Nossa



Porque o filme prequel de Sopranos  estreou esses dias, eu me dediquei a uma leve maratona da série. Sendo bem honesto, eu nunca reamente terminei  a série; ao longo desses anos, vi pedaços aqui e ali, e sempre parei em algum ponto da vida. Desde o fim da série, tenho tentado conseguir terminar tudo; agora que tenho acesso via HBO MAX, talvez eu tenha mais sucesso que anteriormente. 

Sopranos faz parte da minha vida, assim como uma série de outros filmes de crime organizado, bandidos, e filmes sobre assassinatos em geral. Não sei dizer exatamente desde quando eu comecei a assistir filmes assim, ou a ler livros assim; o que posso dizer é que provavelmente foi bem mais cedo do que eu deveria ter visto tais coisas, pelo menos uns 5 ou 6 anos mais cedo. Mas o estrago estava feito, e desde então tenho um fraco por estas narrativas. 

De fato, estes filmes/séries/jogos/o que seja, são tão próximos de minha experiência de vida, que às vezes me pergunto o que isso significa. Eu falei anteriormente sobre a sociedade vendo freneticamente programas como Datena e companhia, mas e quanto a assistir pessoas horríveis cometendo atos horríveis?  As respostas podem ser mais surpreendentes que pensamos; alguns especialistas dizem que os criminosos nos filmes são retratos tortuosos de nossa sociedade, de nossa psiquê coletiva mesmo. Afinal, cada época tem um tipo específico de criminoso, não é? 

Não sei dizer, e com certeza pessoas mais inteligentes que eu devem saber discutir isso com muito mais detalhes. O fato é que essas obras me deixam... tranquilo, digamos. E penso que é, talvez, porque ali as coisas (por mais violentas e agressivas que sejam), fazem sentido. Ações e reações, extremas que sejam, tem uma ligação direta uma com a outra. O tiro na cabeça é consequência de alguma paga por falhar na Omertá ou algo assim. 

Ou talvez eu só queria mesmo arrumar desculpa por amar filmes com criminosos. 

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Crônicas do Novo Normal: You can't put your arms around a memory


Todos nós temos aquele momento, de vontade de rever seu passado, as cenas das quais fomos atores principais tempos atrás. Não é necessariamente reviver as memórias (até porque, o fato de você querer rever as coisas, não quer dizer que estas lembranças foram boas). é mais buscar rever para entender. Como se o passado fosse um filme que você assistiu uma vez, mas era novo demais para entender. 

Falo de todos nós, mas talvez eu esteja falando mais de mim mesmo que outra coisa. Pois veja, eu entrei recentemente neste review de mim mesmo, dos momentos que passei, e me vi numa situação inusitada, por precisar de um reforço para esta ação. Normalmente, quando se faz um flashback desses, você consegue conversar com uma ou outra pessoa que conviveu junto com você, naqueles dias do passado. Quanto mais não seja, é uma estratégia útil para relembrar partes que você esqueceu dessa vida pregressa.

No meu caso, esta é uma opção muito difícil: a maioria das pessoas com quem tive amizade anos atrás (estou dizendo aqui, da minha adolescência e afins), eu não converso muito ou perdi completamente o contato. Quer dizer, eu ainda tenho um grande amigo daqueles dias, mas a verdade é que uma pessoa só não é suficiente para reativar a velha memória. O que fazer então? 

Nesses momentos, eu percebo que os meus melhores amigos são as músicas, os livros, uma série/filme que eu assistisse naqueles dias. Esses são os meus amigos, e com eles eu converso dia sim, dia não. Acho que o mais diferente disso tudo é que eu não necessariamente preciso de uma música sobre um momento especial, como se ela fosse uma trilha sonora de algo. Hoje mesmo, por exemplo, eu estava ouyvindo uma banda (The Thrills), que eu ouvi certa vez, andando nas ruas de Belém e entrando em uma loja alternative de lá, chamada Na Figueiredo. Outra vez, eu resolvi assistir um filme que eu tinha visto só algumas cenas em um boteco qualquer, certa vez em 2015, quando eu tinha acabado de chegar em São Paulo e estava vagando sozinho pelas ruas. 

Ou seja, é menos as histórias das obras, que o fato delas terem estado comigo ali, naquele momento, e portanto acabarem sendo uma espécie de testemunhas do que eu vivi, do que eu passei naquele dia em específico. Mesmo coisas ruins, como eu disse a antes; faz-se necessário ás vezes um exorcismo básico de antigos demônios. 

E assim eu fico, algumas madrugadas, olhando para o teto e tentando lembrar de algumas coisas, ou esquecer de vez outras. 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Elegia ao padeiro itinerante


 

Dias de Segunda e Sexta, graças a um acordo da síndica aqui do condomínio onde moramos, vem aqui uma padaria vender seus salgados, doces e, é claro, pães. Eles também vendem manteiga. frios e sucos, mas confesso que o preço é tão grande que nem me passa pela cabeça comprar deles - e por conseguinte, acabo sempre considerando eles bens de consumo "extras", e não necessariamente como parte integrante dos produtos da padaria. 

Sempre que a padaria vem, ela é representada por um senhor em específico, que devido a comprarmos muito de lá, acabou por lembrar de nosso nome, e o mais curioso, de nossos gostos "padeirísticos"; de fato, ele até mesmo já chega no condomínio falando que trouxe nosso produto favorito, caso nos veja passeando ali pela entrada do portão.

- Ô Alfredo, hoje tem pão integral hein? 

- Aline, não se esqueça de pegar seu bolinho de chocolate hoje hein? 

- Vocês não acham que sexta feira combina com aquela quiche de alho poró que vocês gostam tanto? 

Pois o padeiro, veja vocês, lembra até mesmo que a nossa alimentação não leva carne, e que a maior parte do que compramos envolve mais queijos e coisas assim (exceto os sanduíches "delicinha" que eu compro por vezes. Minha perdição sempre serão os embutidos). 

Talvez seja praxe isso, lembrar bem dos clientes mais assíduos e de seus gostos, mas confesso que fiquei tocado pelo esforço deste homem, em realizar tamanha tarefa. Pois veja, aqui não é o único lugar que a padaria fez acordo para vender seus pães e delicinhas; certa vez, ele me confidenciou que eles ainda passam por mais 2 ou 3 condomínios ao longo da semana, aonde ele também tem (presumo) clientes assíduos, e por conseguinte, também deve se lembrar das preferências deles. 

Até mesmo nossa falta ele sentiu, pois, devido à uma certa reeducação alimentar que estamos empreendendo aqui em casa , não tenho comprado tanto pão quando normalmente, nem mesmo os sanduíches "delicinha". Pois o bom mestre padeiro percebeu nossa falta; e qual não foi nossa surpresa quando eu, finalmente, fui comprar algumas coisas neste entreposto moderno, e fui recebido com: 

- Bom ver você, Alfredo! Hoje não tem muito pão integral, mas ainda tem pelo menos três aqui pro café de vocês!

Serei eu um emocionado? Talvez. Mas confesso que, nesses tempos tão tristes, um pouco de calor humano (mesmo que devidamente calculado), me fez sorrir um pouco mais.



quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Crônicas do Novo Normal: A solidão dos canais vazios


 

 TV aberta, hoje em dia, é raríssimo aqui em casa, para não dizer inexistente. O motivo disso é tanto por não termos amor nenhum à programação que está passando nos canais, como também pela absoluta preguiça que tenho de ajeitar os cabos atrás da Tv e organizar tudo. Se fosse só um dos fatores, possivelmente ainda estaríamos entediados com uma Globo ou Bandeirantes da vida; como os dois fatores se unificaram, aconteceu de fazerem quase dois anos que nem sequer sabemos o que se passa pelos canais. 

Não que tenhamos parado de ver coisas na TV: apenas, o foco agora passou a ser mais em conteúdo virtual do que em canais de tv aberta ou fechada. Em especial, temos dado uma boa olhada nos youtubes da ida, buscando documentários, coisas divertidas, e é claro, informações sobre lugares para viajarmos tão logo minha esposa esteja com sua segunda dose da sonhada vacina. Creio que isso também deva ser o costume de muitos casais pelo Brasil afora, ter aquela listinha com prós e contras em diversas cidades para visitar - e se for dentro do estado, tanto melhor, que o medo de covid via avião ainda vai demorar a passar. 

Foi olhando esses canais que vimos eles, os produtores de conteúdo solitários. Você já deve ter visto esses canais: são as pessoas que fazem vlogs, ou ensinam recietas ou coisa assim, mas que só tem aqueles views bem míseros, de no máximo 100 e pouco. Existem uma variedade deles: tenho visto muito, por exemplo, o canal de um ator argentino chamado Renzo Ruiz, aonde ele fala sobre sua cidade natal, Córdoba, que planejamos visitar; também tenho assistido a vlogs sobre Jundiaí (uma cidade que particularemente tem entrado em meu coração), com destaque para os vlogs de Dani Moreira, uma mulher simpática que divide sua família conosco. 

Junto desses canais a muitos outros, falando de cinema, música, livros... e quase sempre, sem alcançar o milhares de views que canais outros conseguem. E eu me vejo cada vez mais interessado nesses youtubers, em ver o conteúdo que eles tem publicado. 

Seria um pouco da síndrome do cachorro vira-lata, onde torcemos pelo lado "mais fraco"? Possivelmente. Mas é indisfarçável que as pessoas que produzem conteúdo assim, sem muita audiência, também tendem a ser mais honestas em seus feitos - se não estiverem tentando alcançar algo grande como modelo. Isso se vê em várias questões: bandas underground, diretores batalhando para fazer seus filmes, dançarinos de rua.... o que os impele é menos o sucesso e mais... sei lá, uma fome interna, um ímpeto de se expressar. E eu admiro isso.

Este blog mesmo, talvez, seja algo assim. Mas uma coisa eu lhes digo:Não hesitarei em nenhum momento em me vender para algum jornal que cometa a loucura de me publicar. Porque, no fim das contas - assim como suponho que seja para os produtores de conteúdo que eu assisto - o que importa, mesmo, é ter o diálogo com quem nos lê/vê/ouve/sente.


terça-feira, 7 de setembro de 2021

Crônicas do Novo Mundo: 07/09/21

 

Entre 2000 e 2003, eu estudei numa escola militar, chamada Rego Barros. Trocadilhos à parte, era uma escola muito boa (embora eu, como bom indivíduo voltado às ciências humanas,  tenha tido problemas graves com a matemática e seus amigos). Além disso, tudo ali seguia num certo aspecto de liberdade, exceto em uma coisa: toda sexta-feira nós tínhamos que cantar o hino do Brasil. Éramos organizados militarmente em filas (com direito até à  palavras de ordem específicas), em frente à bandeira, e enquanto um de nós subia a mesma lentamente, cantávamos o hino com a mão no peito. Depois, seguíamos para a sala de aula, em fila, como formiguinhas obedientes. 

Já naquela época, eu me perguntava o porquê de cantar o hino. Porque veja, essa canção é uma coisa importante no sentido de sentir orgulho do país, isto é, como uma forma de exaltação da pátria. Eu não sentia absolutamente nenhuma razão de me orgulhar do Brasil, tal qual fosse um filho adorando o pai ou mãe. Não conseguia discernir nada que o país tivesse feito particularmente, que implicasse eu sentier orgulho dele. Claro, ele tinha (e tem) lugares lindos, mágicos mesmo; e a quantidade de pessoas boas e talentosas que temos é muito alta, em vários aspectos; apesar disso, aquilo não me parecia exatamente obra e graça de serem brasileiros, e sim de alguma outra coisa...que eu não sabia dizer o que era. 

Anos depois, quando eu já estava na faculdade estudando História, percebi o que era a peça que faltava em minha compreensão: todas aquelas coisas boas que eu via em algumas viagens e em fotos, todas aquelas pessoas talentosas que ali estavam, não existiam por sere brasileiras: elas existiam apesar de serem brasileiras.A história destes lugares, atletas, artistas, era sempre algo de superação contra um país que se recusava a deixar que algo assim existisse no país.

(É claro que aqui, eu pelo desculpas pela minha mente jovem: eu ignorei completamente o fato da cultura ajudar em muitos aspectos, e da questão de lugar no mundo, etc...)

E assim, chegamos no dia de hoje, 7 de Setembro, um dia de independência.... de que? nem nossa independência foi conquistada, e sim dada pelos colonizadores, e o novo país governado pelo príncipe herdeiro. Hoje, temos um presidente que se compraz do sofrimento de outros, e que zomba da morte de milhares. O desespero está tanto que estamos vendo pessoas implorarem nos açougues por ossos para sopa - coisa que os bolsonaristas diziam que só acontecia na Venezuela. E na TV, lá vai ele e seus seguidores, comclamando um golpe por sentirem sua liberdade ameaçada. E passam ao lado de pessoas dormindo nas ruas, miseráveis destruídos pela política assassina de pessoas que não se importam. Nunca se importarão. 

E tudo que eu posso fazer a respeito neste momento é lamentar nestes escritos. E me sentir feliz de sobreviver, aos trancos e barrancos. De não estar também na fila, pedindo pelo amor de Deus por um osso para melhorar minha sopa.

Mas comemorar? Me orgulhar?

Não se comemoram vitórias sombrias.

domingo, 5 de setembro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Comer comer, é o melhor para poder crescer

 


  Todo professor de idiomas vai lhe dizer o mesmo: o melhor assunto para puxar conversa com um aluno (e, com isso, fazer ele falar mais na língua que estamos ensinando ), é comida. Mais de uma vez, eu já consegui tornar uma aula com alunos exaustos de um dia de trabalho, em algo até mesmo divertido e muito produtivo, simplesmente porque o tema da aula era algo em relação à cozinha regional, ou pratos favoritos, ou mesmo o que o indivíduo teria almoçado naquele dia. 

Sim, a comida é um quebra-gelo muito eficiente... e como não seria, não é mesmo? Posso ser suspeito para falar , pois amo fortemente cozinhar e comer, mas me parece ter algo de mágico nos pratos que devoramos com prazer ao longo de nossas vidas, não acham? E nem precisa ser algo chique não: muitas vezes, um bom ovo frito feita na manteiga já é um manjar digno dos deuses. Essa semana mesmo, não negarei, foi a promessa para mim mesmo de uma farofa de ovo como café da manhã foi o que me deu forças para pular fora da cama e começar um novo dia de trabalho...

De fato, a comida é tão importante para mim, que quando chego nos lugares que estou visitando, a minha segunda preocupação (já que a primeira é relativa aos museus que eu quero visitar), é "qual a comida típica daqui". Quando cheguei em São Paulo, aliás, percebi o quanto eu era feliz com relação a isso: a comida típica daqui são todas, desde culinária árabe, passando pela grande influência italiana, culminando na beleza rara que é a comida japonesa desta cidade. E em algum lugar tem espaço para os pastéis e Sanduíches de mortadela também, é claro, mas Por hora, fiquemos apenas em comidas de almoço.

Durante a pandemia, creio que nossa relação com a comida ficou muito mais profunda - para o bem e para o mal. Alguns aprenderam a cozinhar coisas que nem seuqer sonhavam antes, outros comeram desesperadamente como se não houvesse amanhça - e talvez estivessem certos, não é mesmo? De qualquer forma, aos que não partiram desse mundo, resta enfrentar a dura realidade da balança, e ao mesmo tempo se comprazer da chance que se tem de experimentar novos sabores e preparos de comidas fantásticas pelos dias melhores que, quero crer, virão em breve.

Mas chega de filosofar. O que você vai almoçar/jantar/lanchar hoje, amigo leitor?




sábado, 28 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Mundo: As canções, as memórias


Numa revelação que pode causar a muitos me chamarem de hipócrita - já que escrevi mais de um texto sobre o perigo de se deixar levar  pela ideia do "antes era tudo melhor" -  eu tenho uma indisfarçável ternura por obras e coisas de antigamente. Hoje mesmo, após o almoço, eu e minha esposa sentamos no sofá, ligamos aquele youtube esperto, e ficamos ouvindo canções românticas famosas dos anos 80. Depois, quando estávamos ajeitando as coisas para trabalhar (a vida de um professor nunca pára), ela comentou "Como é gostoso ouvir essas músicas! Me traz uma paz tão grande!"

Fiquei pensando muito nisso, na calma que as músicas trouxeram à nossa tarde. O leitor pode pensar: mas provavelmente eram canções calmas, que acalentaram vocês. Lhes digo que não necessariamente, a não ser que você considere o tema de Vamp calmo. Qual o mistério então? De onde veio essa calma toda?  da nostalgia apenas de um tempo que nem vivemos? Ou de algo a mais?

Eu creio que a resposta seja mais complexa: acho que as músicas são representantes emocionais, de pessoas, lugares, fatos. Por exemplo: recentemente eu ouvi a banda Dire Straits (acho que pouquíssimos vão reconhecer esse nome), e imediatamente, tal qual aquela cena famosa do filme Ratatouille, me veio á mente a lembrança de meu pai, extremamente empolgado, ouvindo a música Sultans of Swing e me contando do guitarrista, de como ele era o melhor.... em outro momento, minha esposa chorou ao ouvir Benito di Paula, com a música Meu amigo Charlie, e quando perguntei por que, ela me disse que essa canção lembrava muito o avô dela, já partido desse mundo. 

Existe toda uma miríade de exemplos, e acho que fica mais divertido se o prezado leitor pensar nos seus próprios exemplos, e me mandar algo sobre o que pensou. Por hora, eu creio que existem fatos a serem observados, em relação à música:

1) o mundo anda terrível, esmagador, e não há escapatória...

2) ... exceto na arte, exceto no que nos faz criar mundos que nos nutrem, nos dão força interna. 

Então, bota esse disco pra tocar, e sacuda (ou não) o esqueleto: não se salva o mundo com canções, mas com certeza, salvar a alma das pessoas é completamente possível sim. Então salvemos nossas almas, ouçamos nossas playlists (ou cds antigos, por que não?), e tentemos pensar um pouco que seja, nas pessoas que nos fazem querer acreditar num mundo com menos sofrimento. 


domingo, 22 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: Extreme Ways


É um tempo de excessos, o nosso, e não é de hoje. Diferente do que eu mesmo pensava anteriormente, a pandemia não criou um novo mundo, um novo normal, onde as coisas se alteraram de tal forma que não se reconhece mais o mundo anterior: na verdade, a crise simplesmente aumentou alguns padrões que tínhamos antes, talvez guardados, talvez simplesmente disfarçados. 

Mas eu falava dos excessos, e não acho que haja maior exemplo que as coisas que nos cercam neste momento. Recentemente em Goiás, um homem matou um casal e feriu um jovem por suspeitar que eles passarm o Covid que ceifou a vida de seu pai e irmão. Ao longo do Brasil, casos e mais casos de excessos se repetem: Maridos ceifando a vida de esposas por ciúme, infanticídios, agressões em geral.... Como eu disse, nada que não acontecesse antes, mas me parece que as coisas deram uma boa explodida nesses últimos tempos - ou, pelo menos, começaram a aparecer mais nas notícias, o que não deixa de ser uma situação igualmente aterradora.

De qualquer forma, eu tenho pensando muito nisso, nos extremos que alcançamos em nossas vidas, e que nos alcança também. Penso na origem dessas violências: Pais traumatizados quando crianças, passando a dor adiante como se fosse uma herança maldita; formas de viver antiquadas que se mantém em voga usando o velho véu da "tradição" para poder causar dor e sofrimento a outrem; vinganças estabelecidas contra quem tirou a vida de um membro da família, ou um amigo, ou quem quer que fosse o ser amado.

E chegamos talvez à uma conclusão aqui, por imparcial que seja: talvez os excessos venham da nossa dor. Pois veja, vivemos em um mundo brutal, quanto a isso não creio haver nenhuma dúvida. E quando o mundo nos bate com toda a força, é natural ficarmos tristes. Mas não foi essa a maneira que fomos criados: quem chora, morre, é fraco. Então reagimos com toda força, a ira impotente de uma pessoa que nunca poderá alcançar seu algoz. E acabamos por descontar esta ira nos que estão ao nosso redor, sejam eles conhecidos ou desconhecidos. 

O ciclo perdura por muito tempo, até alguém decidir ser o último nessa roda da dor. Tenho olhado ao redor e torcido para que muitos de nós, nessa geração, consigamos parar de passar essa batata quente para frente.... mas acho que talvez seja pedir demais, em um mundo onde sofrimento acaba acontecendo tanto, que muitos até normalizam a dor. E talvez, sendo animais, consigamos por algum momento sufocar a grande dor, o grande vazio que temos dentro de nós. 

Este com certeza é o pensamento mor de muitos. Dentro de mim, eu quero crer que vou conseguir escapar disso. Mas será que é o que os meus semelhantes ao meu redor também desejam? 


segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: São Paulo, cidade desamada.


Esses dias, eu estava vendo com minha esposa esses vídeos que surgem do youtube, e apareceu um falando sobre "por que as pessoas estão abandonado São Paulo", de um canal chamado Elementar.  Não era o único do tipo: na verdade, haviam mais dois muito parecidos, sobre o Rio de Janeiro e Nova York. Agora, longe de mim dizer que São Paulo é a Nova York do Brasil (algo que, ademais, nem faz muito sentido: São Paulo é a São Paulo do Brasil e ponto), nem que ela é igual ao Rio de Janeiro (falta, para isso, a cidade ter um aplicativo que mostre onde está rolando tiroteios, que é algo que realmente existe). Contudo, acho que um dos pontos principais que ele fala se ressalta nessas três: a ideia de querer sair o quanto antes do lugar, de preferência para alguma cidade do interior do estado. 

Isso me chamou muito a atenção, porque casa bastante com minha experiência nesta cidade. Não posso falar de Nova Iorque ou Rio de Janeiro, é claro, mas aqui em São Paulo me parece que quase todas as pessoas , em algum momento, decidiram que seu objetivo de futuro sempre envolve sair daqui, de uma maneira ou de outra. Você conversava com uma pessoa, ela falava de seus projetos de vida... pams, do nada, ela soltava o já conhecido "Pois é, e um dia eu saio daqui de sampa, assim que der..."

Isso me deixou bastante pensativo, essa posição extrema de querer sair daqui, o quanto antes. O que havia em São Paulo que expulsava seus habitantes?  Seria fácil pensar em poluição, segurança, falta de natureza; outras cidades sofrem da mesma coisa, e não parecem ter essa mesma tradição de impulsionar os seus cidadãos para fora. Aqui na Pauliceia Desvairada, menos que um desgosto com a cidade, parece haver uma ideia genuína que as coisas nunca foram boas, que aquele passado glorioso nunca existiu, e que o futuro que chegou não serviu para convencer ninguém a ficar. 

Hoje, eu me vejo como a pessoa pensando em sair daqui. Não por nada, sou muito feliz aqui, e creio que as minhas maiores alegrias eu consegui morando aqui em sampa. Mas em breve, eu e minha esposa queremos ter filhos, e São Paulo para mim não parece um lugar extremamente amigável  para crianças. De fato, muitas vezes parece o equivalente à uma rede bandeirantes em forma de cidade: cinza, meio chato, e com coisas legais só em horários bem quebrados. 

E de repente , me surge uma hipótese, que eu deixo ao estimado leitor: talvez seja essa a questão. Menos que poluição, sujeira, violência, as pessoas saem de São Paulo( e de outras cidades), porque lhes falta aqui a coisa mais preciosa para um coração: esperança num futuro melhor.  Espero que isso mude em breve, mas por enquanto.... alguém sabe quanto tá o aluguel em Jundiaí? 


terça-feira, 10 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: Porque Domingo foi dia dos pais


No Brasil, a terra das gambiarras, seria fácil pensar que o dia dos pais, assim como o dia das mães, foi uma invenção aleatória para aquecer o mercado. E de fato até foi mesmo, mas com uma base em algo mais concreto pelo menos; trata-se do dia de São Joaquim, o patrono dos pais na Igreja Católica. Se você vai basear um feriado em alguma coisa, por que não seguir a tradição e usar um argumento de Igreja para isso, não é mesmo?

Mas começo falando assim, e parece que estou zombando do dia em questão. Não é verdade, em absoluto: Até mesmo do dia das mães, eu penso que trata-se tão somente de um dia para você lembrar de alguém especial em sua vida, comprar uma lembrancinha, ligar e dizer que ama. Não que não se deva fazer isso todos os dias, mas o fato de ter um dia específico para isso simboliza o peso, a importância de um pai na nossa vida. O meu pai, por exemplo, foi e é um exemplo para mim, até de ordem literária: trata-se simplesmente de um escritor com décadas de experiência, e dezenas de livros publicados. Quisera eu chegar no nível dele um dia: por hora, sou apenas um reles cronista de blogs.

É claro que nem todos tem lembranças boas nestes dias, pois há aqueles homens odiosos que não deveriam jamais ter tido esse privilégio, de ter um filho ou filha, de trazer uma vida ao mundo. Homens que dizem que preferiam que a criança não tivesse nascido; homens que machucam seus filhos. Casos extremos, é claro, mas há também o caso mais comum, mais tristemente cotidiano: o do pai que simplesmente some. Que pode estar morando na rua do lado, mas poderia estar vivendo na lua que não faria a menor diferença, tamanho o desprezo que sente pela sua (não) cria. E aí toca as mães se esfalfarem para cuidar da criança, e a sociedade a achar isso lindo e chamá-las de "guerreiras", "independentes", etc. O que elas são, mas não é esse o caso, e sim o fato dos pais serem covardes e fugirem de sua responsabilidade. 

Mas não quero falar de coisas tristes ao fim destes escritos, e sim de coisas bonitas, de legados. Quero falar dos pais, e avôs, que partiram cedo demais e não viram as pessoas lindas que criaram, as coisas boas que deixaram para trás. Homens que sem saber, criaram almas iluminadas, pessoas que mudam o mundo ao seu redor, com ações, palavras, ou puramente existência. Todo mundo conhece uma pessoa assim, e pensa, poxa, eu queria muito ter visto esse pai que ela fala tanto, que até hoje essa pessoa ama tão forte. Um amor tão forte, que é como se a gente já soubesse como era  pessoa, mesmo sem ter conhecido.

Assim, esta crônica é dedicada a todos os pais que partiram antes de verem os frutos das árvores que plantaram, em especial a meu avô paterno Alfredo Jorge Hesse Garcia , e meu sogro Givaldo Francisco da Silva.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: Canção do Não-Retorno

Fonte: Aldeia News

Já falei aqui, mais de uma vez, sobre a minha saída de Belém do Pará para São Paulo; em resumo, eu vim aqui fazer um mestrado e acabei ficando, me casando, e cá estou. Acredito que seja uma narrativa relativamente comum por aqui: migrantes de todo o Brasil saindo, buscando um futuro, e por aqui mesmo ficando. Pelo menos é uma história recorrente com as pessoas que conheço que vieram de fora. 

Sobre a minha vinda é isso, mas eu não sei se falei muito sobre o porquê de eu ainda ficar aqui, e não ter voltado para minha cidade natal. Seria muito fácil,. suponho, dizer que fiquei aqui porque conheci minha esposa e me casei. Também seria errado: Mesmo antes de Aline, eu já havia me decidido a não retornar. De fato, no exato momento que eu pisei em São Paulo, minha cabeça já estava feita sobre não voltar. 

Uma outra explicação muito óbvia, seria que eu "me apaixonei" pela cidade. Posso garantir que não é verdade. São Paulo é uma grande metrópole, com muito acontecendo, e a maior quantidade de eventos e outras coisas legais. Nunca me senti tão ao centro de tantas ações, cercado pelas coisas que o frete no brasil inteiro menos Norte e Nordeste me privava. Mas não, essas coisas todas não foram o motivo que me fizeram permanecer aqui. 

Talvez o conceito que mais explique eu não ter voltado para Belém é simples: tenho medo de fantasmas. E a cidade (talvez o estado inteiro) tem demasiadas assombrações para mim, de minha vida anterior, das coisas que não fiz, das coisas que poderia ter feito. Cada rua na cidade é uma lembrança boa, contra mil ruins de angústia por um amanhã que não chegava nunca, e da decepção de estar limitado em minhas escolhas pelo ambiente que eu estava. 

Obviamente, boa parte da minha limitação estava em mim mesmo: frequentemente as amarras que nos prendem vem de nós mesmos. Uma corrente de dentro pra fora, por assim dizer. Mas é fato que existiram fatos diversos, pessoais e sociais, que me aconteceram e me fazem olhar para minha cidade natal com um misto de tristeza e alívio, por ter saído dali, por ter conseguido seguir no rumo que eu queria. 

Suspeito que todos nós temos isso, esses lugares assombrados que juramos nunca mais voltar. Às vezes é uma escola, às vezes a casa de algum parente, às vezes mesmo a própria casa onde nasceu e cresceu. Eu por mim, tive a façanha de assombrar uma cidade inteira em meu desfavor - e agora, escondo-me aqui, na selva de concreto, na esperança de que estas aparições não venham atormentar-me nas madrugadas frias que tem acontecido. 

Mas, às vezes, ainda que de longe, elas me assombram mesmo assim. 

sábado, 31 de julho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Die Kälte


" Um dia frio/ um bom lugar pra ler um livro", diria Djavan, e no entanto quem consegue ler com a mão gelada de segurar o livro? É uma pergunta de retórica: É claro que muitos conseguem, mas que sofrimento nos dedos! 

É engraçado como nossas visões de mundo mudam tanto ao longo de nossa vida. Lembro dos meus tempos em Belém do Pará, e o sonho do verdadeiro frio. Ali, uma temperatura de 26 graus já é ra~zao suficiente para as pessoas tirarem dos armários os agasalhos que comparam em alguma viagem ou ganharam de presente de algum parente de alguma terra com um inverno apropriadamente gelado. Na Amazônia, inverno só quer dizer mais chuva que o normal.

Assim, quando me mudei para São Paulo, fiquei pensando que agora sim, finalmente iria ver.... neve. Parece tolice, mas eu realmente acreditava que a Pauliceia Desvairada tinha neve... coisas de menino do interior, suponho. Apesar disso, ainda me lembro muito bem do primeiro inverno que passei aqui: certa noite, acordei gelado na kitnet que morava, soprando a famosa "fumacinha" de frio. A experiência me marcou tanto que comprei um fiel aquecedorzinho, que serve à minha casa até hoje.

De lá pra cá, já enfrentei muitos invernos por aqui, e cada um tem me parecido diferente do outro, mas sempre com características bem parecidas: o doer dos pulsos na intensidade do frio, os pés que ficam gelados sem cessar, o festival de descongestionantes... esses aliás, que tenho diminuído, mas que com certeza são presença marcante na vida de todo alérgico de Sampa - quanto mais não seja, porque a poluição no ar sem chuvas acaba afetando a nossas pobres narinas ainda mais nesses dias gelados. 

Apesar de tudo, é claro que minha "dor" não é nada perto da experiência das pessoas que estão em situação de rua. Hoje mesmo padre Júlio Lancelot contou de um senhor de idade que salvou do frio desta quinta feira, quando os termômetros marcaram agoniantes menos de cinco graus celsius. Nestes momentos, pensamos no sofrimento de todos nas ruas, tanto no calor quanto no frio...  chega-se à conclusão que a pior situação não é a estação de ano, e sim ser pobre numa cidade fria e grande como São Paulo. 


domingo, 25 de julho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Borba Gato e o Éden perdido

Fonte: Revista Fórum

Ultimamente eu tenho lido muito. Sempre fui um apreciador de livros, mas obviamente por causa da pandemia, o tempo livre para leitura tem aumentado bastante, e eu aproveito isso o melhor que posso. É fato que a maior parte dos textos que eu tenho lido são, basicamente, acadêmicos; tenho trabalhado um pouco em uns projetos de pesquisa que espero realizar nos meses vindouros. Mas também tenho lido muitos livros mais, digamos, ficcionais, e em um deles, chamado Dalva (do escritor Jim Harrisson), me deparei com uma frase que eu gostaria de dividir com você que me lê:

"A Infância é o Jardim do Éden da nossa memória."

Acho que não preciso explicar muito porque essa frase me impactou, dada a auto explicação disso pela qualidade da escrita ali.  Contudo, acho que tenho que discordar um pouco do que o autor falou; è menos a infância, talvez, e mais o passado que é esse Éden perdido, em algum lugar, após nosso pecados nos afastarem desse paraíso - imaginado, talvez, mas nem por isso menos real em nossos corações. 

É engraçado como isso se aplica tanto a pessoas quanto a lugares: por mais deturpado que pareça, a idolatria a um passado glorioso é algo que faz parte de muitos países, regiões, estados. Neste sábado atearam fogo no Borba Gato de Santo Amaro, um "gigantesco boneco a olhar indiferente para a cidade", nas palavras da Folha de São Paulo em 1963, data da inauguração do monumento.

Diga-se o que disser sobre a obra em si - eu particularmente acho a estátua horrorosa - mas é inegável que o motivo dela existir, junto com todas os outros monumentos aos bandeirantes ao redor da cidade e do estado, é essa ânsia de uma glória perdida. Os defensores destas obras, estou certo, sentem que a glória passada é algo que está bem ali, que talvez se nos "esforçarmos", possamos recuperar... e às favas todo o sofrimento humano que ocorreu pelas mãos desses homens, toda a morte e dor que eles causaram. O que vale é a vitória!

São pensamentos perigosos e que podemos argumentar que tem muito peso no caminho que traçamos até o atual desgoverno que temos; e não posso deixar de pensar o quanto isso ocorre em nível individual ao redor do estado, do país, do mundo. Quantas pessoas vivendo de um passado nostálgico, que na verdade foi algo terrível, doloroso? Quantas almas se enganam que as coisas "eram melhores antes", ignorando todo o sofrimento que tiveram? 

Chega do Éden perdido. Sigamos para nosso Êxodus. 

terça-feira, 20 de julho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Uma Viagem


Anos atrás, eu e meu avô viajamos de ônibus de Belém para o Rio de Janeiro, e depois de volta para Belém. Esta viagem duraria 3 dias, como creio que ainda seja o caso, se alguém se aventurar a fazer isso logo que a pandemia acalmar. Não viajamos de avião, creio, porque o preço da passagem era bem mais caro que o de ônibus, e meus pais não deveriam ter dinheiro para algo assim. Ademais, naqueles tempos pré governo Lula, era um luxo indescritível viajar de avião, não algo comum como ainda é hoje, apesar de tudo. Nós aqui de baixo da sociedade, cá nos mantínhamos, e seguíamos incólumes e apertados em ônibus pelas estradas destruídas do Brasil. 

A viagem era longa, por certo; e era preciso matar o tempo de alguma forma. Hoje em dia os ônibus tem tvs e coisas assim, mas naqueles dias não havia nada, a não ser a janela e a poeira da estrada para distrair. Meu avô levava um mp3 player (coisa de antigamente, o leitor mais novo provavelmente nem sabe o que é), ouvindo suas músicas. Levava também uma bíblia e algum livro desses que se compra em lojas católicas, ensinando um pouco de catecismo aos fieis. 

Eu também levava um livro, em cada uma das viagens: na ida, eu li "O Poderoso Chefão", de Mario Puzo. Na volta, li "Perdidos na Noite", livro no qual basearam o filme com Dustin Hoffman e Jon Voight. Eu acho que tinha 11 ou 12 anos naquela época, e portanto talvez os livros fossem impróprios para mim. Mas nunca esqueci da viagem por causa deles; até hoje, quando fecho os olhos , consigo lembrar da poeira da estrada, o calor  febril que vinha da janela fechada (pois o busão tinha ar-condicionado: pelo menos um luxo podíamos ter), e as histórias intensas que saíam daquelas páginas. Um dos livros, inclusive, foi comprado durante a viagem, de um homem que vendia vários livros usados em cima de uma toalha, na beira da estrada: mais associado com viagem, impossível!

Pensei nisso esses dias, e não sei dizer o porquê. Talvez seja pelo fato de estarmos isolados em casa, sem poder sair, e meu cérebro sempre associou a liberdade de viajar com esta experiência singular, portanto me fazendo lembrar disso para fugir um pouco da realidade. Talvez porque sinta falta de meu avô: vão contar agora mais de 3, 4 anos que eu não converso com ele, é um homem avesso aos whatsapps da vida, prefere conversar ao vivo e eu não posso ir em Belém do Pará agora, obviamente. Talvez, ainda, seja uma forma da minha mente simbolizar que o que mais quer é pegar a estrada assim que acabar tudo isso.

Não sei: Tudo que sei é que, ainda ontem, sonhei com esta viagem: no sonho, lá fora, não vinha mais um calor como antes, mas chovia muito e sem parar. "Chuva que Deus manda", eu pensei no sonho, e continuei a ler o livro  em minhas mãos com toda a paz que podia. 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Jamáis Vu


Há dores que não são do que se foi, mas do que ainda não veio. Ou às vezes, do que nem pôde vir. Quantos planos tiveram que ser mudados em nossas vidas por causa da pandemia? Ou, se formos ser realmente honestos, por causa da vida em si? Nem tudo que anda cambaleando de dor em nossas vidas é culpa, necessariamente, do covid; apenas, porque estamos forçosamente parados pela doença ao nosso redor, é que estamos prestando uma atenção elevada à isso. 

Dos planos interrompidos, nós todos sabemos, e acho que temos até uma certa tradição em pensar e considerar estes; afinal, no país onde uma grande parte da música é sobre amores que terminaram, não é de surpreender que sejamos um pouco especialistas nisso. E talvez, porque somos eternamente o país do futuro, tenhamos esta experiência em planos que param no meio. Como uma espécie de país que tem o desenvolvimento interrompido semelhante a alguns jovens de hoje em dia, estamos mudando planos de como vamos "crescer" e "ser respeitados lá fora" de maneira cíclica, ad eternum.

E no entanto, nem é disso que eu estou realmente falando hoje. Porque a dor do interrompimento é quase nada, perto da dor que simboliza o que jamais virá, o que jamais poderá vir, por algum motivo. Ultimamente, essa dor tem sido causada pelas mortes - e talvez ela seja sempre causada pela morte, embora não seja essa a sua causa única. 

Do que se trata esse sofrimento peculiar? Explico: é a ideia do que poderia ser. Quando perdemos uma pessoa, e nos pegamos com uma espécie de saudade não do que aconteceu, mas do que poderia ter acontecido. Uma conversa, um abraço, um momento especial... Uma visita a uma pessoa querida, ou uma ligação para saber como vão as coisas. Tudo isso, como se fossem planos para uma realidade que não tem como existir mais, porque o instante se foi, a pessoa também, e você talvez nem seja mais a pessoa que poderia fazer coisas assim. Talvez você mesmo, caro leitor, seja uma dessas "lembranças". 

E, às vezes, me parece que é isso que temos vivido nesses dias, todos nós no mundo: a saudade do que nunca foi e nunca será. 

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Filosofia Cotidiana


As menores coisas causam os maiores pensamentos. Por exemplo, quantas vezes você não se pegou andando, sei lá, pelo cruzamento da Ipiranga com a Avenida São João, e você do nada sentiu alguma coisa acontecendo em seu coração? Isso são momentos de poesia, de filosofia que seu cérebro causa, e que só precisa de pequenos elementos para poder fazer funcionar. 

Estes elementos podem ser qualquer coisa, e de fato, para a mente que está num ócio criativo quase forçado (já que , apesar das vacinas estarem andando, ainda não temos previsão do fim desta loucura que estamos), o momento pode surgir do nada. Pensamentos poderosos tomam sua mente quando você está à toa, almoçando, lavando a louça, arrumando a cama. Pelo menos comigo tem acontecido: certa vez, me vi considerando a questão da realidade em meio a uma aula de inglês que eu ministrava. É claro que tive que continuar, e não parar tudo para poder considerar o que pensava; não se paga contas com castelos no ar. 

É quase engraçado pensar nisso, porque , confesso, não é algo que seja inédito na minha vida, estas elocubrações-relãmpago: lembro-me muito de diversas viagens de ônibus que fiz, quando do nada, o observar janela afora torna-se uma consideração sobre quem você é de verdade, e quem deseja ser. Por que cargas d'água surgiu aquele pensamento naquele momento? Talvez uma árvore um pouco mais torta tenha me feito recordar do passado; talvez simplesmente o pensamento já estivesse ali e, quando eu parei por alguns momentos, tornei possível ao meu cérebro considerar tais coisas. Não sei: só sei, como diria o filosófo Chicó, que foi assim. 

Em um texto anterior, eu cheguei a considerar sobre isso, sobre a necessidade real que temos de um momento para pensar. Naquele momento, eu achei que era necessário um esforço nesse sentido, porque não seria algo que ocorreria naturalmente; mas agora, com o passar dos dias em isolamento, me pergunto se nossas mentes não estão se acostumando a isso, a pensarem em si mesmas, uma meta-reflexão sobre seus rumos. Me pergunto, verdadeiramente, se isso é algo que está acontecendo com outros, ou se eu (juntamente com algumas pessoas que dividem desta minha aflição) simplesmente desisti do mundo fora de mim, e migrei de vez para dentro da minha própria cabeça.

E você, como está?

domingo, 4 de julho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Fantasias Finais


Há algo de romântico, quase nostálgico, ao vermos shows antigos no youtube ou TV ou onde quer que você queria ver essas coisas. No palco, sempre tem uma banda,  em geral dando o máximo de si, e uma plateia cantando os sucessos que pagaram para ouvirem ao vivo. Mas não foi só por isso que elas pagaram: tem muito sentimento ali, muitas lembranças. quer você queira, quer não, as músicas tendem a ser trilhas sonoras pessoais, cada canção uma memória... então, ir a um show deve ser quase que um retorno àquele momento, quando você não era só uma pessoa, e sim um conceito, de felicidade, de tristeza, o que seja. 

Acho que talvez por isso muitas pessoas tenham aquela ligação mais forte com um determinado tipo de música, por mais envelhecida que ela possa ser. Digo isso do alto dos meus 33 anos e fã de rock/pop anos 80: mesmo não tendo nascido naquela época, porque as rádios de minha cidade natal tocavam sem cessar essas músicas (além de technobrega, é claro), elas acabaram se tornando algo como um amigo que me acompanhou desde criança até o momento que saí de Belém, 6 anos atrás. E como se pode abandonar um amigo? Impossível; por isso as playlists do youtube estão cheias de músicas que ouvi atrasadas, e que me fazem sentir algo que eu não saberia nem explicar direito. 

(E também tem technobregas. Possivelmente pelo mesmo motivo.)

Um pouco de nostalgia, me parece, não mata ninguém, e talvez seja até um elemento de força em uma época que cada manhã tem pelo menos 30 fatos que existem só para te deixar mais para baixo. Contudo, há que se tomar cuidado com a nostalgia venenosa, a velha ideia de que "antes tudo era melhor". Hoje em dia é o que mais temos acontecendo, de formas extremas até; recentemente li um artigo sobre pessoas que entraram numa onda de regression, isto é, uma espécie de , bem, regressão ao estado infantil para poder se reenergizar perante o mundo lá fora. Longe de mim julgar, contudo, essa é exatamente a forma extrema que eu falei, uma busca desesperada pela segurança dos tempos de criança, através de meios intensos. 

Acho que talvez isso fale menos das pessoas que escolheram esse caminho do que do mundo que as impulsionou para isso, mas não posso deixar de pensar que esse seja mais um caminho de confundir as coisas, querer encontrar uma sensação e para isso seguir uma prática antiga quejá não faça muito sentido no momento. Assim como as pessoas que vão nos shows ali em cima, essas pessoas podem estar querendo chegar o mais perto possível dos bons momentos do passado... mas será que isso é o melhor jeito? 

Talvez a saída fosse mais buscar esse sentimento de uma maneira mais atualizada; e no entanto, quantas pessoas se perdem até hoje, reencenando cenas de seu passado, buscando a glória e conforto do ontem! Quando você pára de ouvir as músicas antigas e começa a querer se comportar como o adolescente/criança que era quando ouvia aquilo, pode ser o exato momento de parar e repensar algumas coisas sérias. 


segunda-feira, 28 de junho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Vestígios do Dia


Acho que cada pessoa escolheu, sabendo ou não, algum tipo de hobby para passar um pouco esses dias meio parados da quarentena forçada; alguns escolheram videogames, outros livros, mais uns outros, sei lá crochê.... Agora, que o fim oficial do isolamento se avizinha em São Paulo (já que, de acordo com o calendário que nos foi mostrado, todos devem estar vacinados com a primeira dose até o dia 15 de setembro), tenho observado melhor o que eu mesmo fiz esses dias (além deste blog), e cheguei a conclusão que o que mais fiz foi pensar. 

Esse ato, muitas vezes confundido pelo mundo moderno como uma espécie de vadiagem, é algo um pouco deixado de lado pela maioria das pessoas, justamente por causa desse preconceito. "por que eu ficaria aqui matutando quando eu posso estar produzindo algo", dirão alguns, e talvez estejam certos: afinal de contas, eu não afirmo ser o dono da verdade, ao contrário, tudo que tenho são dúvidas. 

Contudo, em relação ao pensar ser uma vadiagem, creio que muitos avôs e bisavôs nossos serão um exemplo bem oposto a este pensamento. Por exemplo, minha bisavó materna, chamada pela família e, suponho, pelos conhecidos de "Dona Branca", possivelmente é a pessoa que eu mais tenho como emblema de trabalhadora e sobrevivente de uma situação difícil, sendo pobre e criando tanto seus filhos quanto alguns netos, em razão das voltas que este mundo cruel dá.  Ora, uma pessoa que tem que trabalhar tanto não poderia ser nunca chamada de "preguiçosa", e no entanto, quantos pensamentos iluminados ouvi de sua autoria, transmitidos pelos seus descendentes! 

Obviamente estes pensamentos não saíram do nada: foi preciso uma mente parar, organizar os vestígios do dia que lhe ocorreu, e chegar em conclusões a partir disso. Logo, o pensar aqui estava não ligado a uma pessoa parada fazendo nada, mas efetivamente vinda das atividades de seu dia-a-dia. Experiência mais pensamento levam à sabedoria. 

Digo tudo isso porque me parece que, pela pandemia ter feito a gente diminuir um pouco o ritmo das coisas (até porque muitas lojas e entretenimentos estão fechados ou limitado em funcionamento até agora),  talvez estejamos recuperando um pouco esse momento de parar e pensar, que os antigos tinham muito mais do que nós damos crédito a eles. Talvez as pessoas não estejam tendo isso como um hobby exatamente, que nem eu (confesso que eu tenho muito a tendência a me perder dentro de minha própria cabeça...), mas tenho percebido uma postura mais reflexiva das pessoas em relação ao mundo que os cerca.

Talvez essa seja a chave de um mundo novo. 

Ou não!

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Where is my mind


Há muito o que se dizer sobre o estado mental das pessoas nos tempos atuais, e nada do que se fale será realmente algo que mostre a situação por completo. E nem estou falando de como ficamos durante a pandemia; mesmo antes, eu sempre tive a impressão que temos uma percepção dolorida do mundo que vivemos, e que isso aos poucos vai comendo a nossa mente, distorcendo nossa visão do mundo. 

Ou talvez, eu que seja o pessimista. Sempre é uma possibilidade!

De qualquer forma, acho que é inegável que esta pandemia nos afetou mentalmente a todos de maneiras diversas, alguns mais diretamente (por perderem entes queridos), outros pela pura e simples sensação de isolamento, de vazio da vida. Tenho certeza que todos já vivemos pelo momento do vizinho barulhento em plena pandemia, fazendo aquelas festas altas que são talvez sua forma de gritar que está vivo, que nada teme. Uma estratégia tola, é verdade, mas que muitos seguiram e seguem ainda. 

Outra estratégia, que talvez tenha sido um pouco mais disseminada, foi a de se fechar em si mesmo. E quando digo fechar, não quero dizer  que ficamos sem contatos muito profundos com pessoas ao redor, sem TV ou notícias ou algo assim; apesar de haver realmente pessoas assim, não creio que elas são em maioria. Não, eu me refiro à anestesiar-se mentalmente, buscar dentro de sua própria mente o refúgio dos horrores e estresses que temos sofrido. 

Essa é uma ação um tanto fácil de se fazer: afinal, com a internet literalmente em nossas mãos (graças aos smartphones), não faltam formas de perdemos tempo com redes sociais,  conversas aleatórias em Whatsapp, ouvir música em apps... todas boas formas de se perder em si mesmo, testadas e aprovadas desde antes da pandemia. Alguns nem precisam disso: posso garantir que você conhece uma ou mais pessoas que simplesmente "desaparecem" dentro da sua própria cabeça no meio de uma conversa; são os profissionais de desligamento pessoal, conseguindo flutuar suas mentes quase sem nenhum esforço. 

Falo disso com tranquilidade, porque faço parte deste clube: mais de uma vez eu fugi para dentro de mim mesmo, em momentos que considerei tediosos, confusos ou "carregados" demais emocionalmente. Estes últimos são os mais perigosos: o indivíduo pode ver-se perigosamente viciado em fugir das emoções para dentro de sua cabeça, como se ela fosse uma espécie de bunker protetor contra o mundo. Em momentos drásticos como o que vivemos, pode ser tentadora demais essa fuga, independente de quem tenha ficado aqui fora, esperando o retorno do viajante psíquico. 

Como você foge do mundo ultimamente? 


sábado, 19 de junho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Contemplem o Homem Jacaré


Sextas Feiras são, de praxe, um dia feliz para mim. Como não seriam? É o fim de uma semana de trabalhos difíceis (ser professor é bem cansativo...), e o começo do fim de semana, onde posso passar um pouco mais de tempo com minha esposa, me preocupar tranquilamente com os trabalhos da semana seguinte, com quem pode ou não ficar doente desta doença maldita, e com sorte posso parar e escrever um pouquinho no meu caderno de ideias e contos que um dia serão publicados. Um fim de semana típico para mim. 

Esta sexta, porém, foi um dia bem incomum, para dizer o mínimo. Para começo de conversar, eu estava vindo do dia anterior de uma entrevista no canal  de Youtube 1001 Capítulosda queridíssima Sandra Souza; então eu já estava com o humor bem nas alturas. Mal sabia eu que esta sexta seria ainda melhor, pois foi o dia que consegui tomar minha primeira dose da almejada vacina anti-covid. Sim amigos, eis que entrei no clube do jacarezados deste país, ou melhor, entrei pela metade, ainda falta a segunda dose para completar minhas escamas. 

O processo, diga-se, não foi muito fácil: Foi necessário brigar com a burocracia brasileira, antes de mais nada, até conseguir pegar uma declaração da minha comorbidade (asma, para quem não sabe). Então foi uma questão de irmos até a tendinha da Drogaria São Paulo, chegar lá e .... não sermos atendidos, porque a vacina ali já tinha acabado. Sem problemas: andamos, eu e minha esposa, até o posto de saúde ao fim da Avenida Rio Pequeno, que contava com duas filas, uma para preencher o cadastro, e a outra para as vacinas. Não uma visão que se queira ver quando se está nervoso. 

Apesar de tudo, vencemos as filas, as senhas, o ter de falar mais alto que o normal porque a máscara cobre sua voz.... e lá fui eu ser vacinado. Minha esposa, infelizmente, ainda não pôde; a ela caberá a vacina em Agosto aqui no estado de São Paulo. Isso, contudo, não a impediu de chorar muito, e assim ela o fez por um bom caminho até nossa casa. É alívio e felicidade, ela disse. "Por esse tempo todo, eu estava preocupada com você, se você ia ficar doente com isso. Agora eu vejo uma luz".

O amor é engraçado: estou feliz que fui vacinado, mas não consigo me sentir satisfeito, porque minha esposa não foi ainda, nem meus pais e entes queridos, pelo menos não por completo. Assim, acho que minhas lágrimas só devem vir nesses momentos, quando eu ver que realmente o pesadelo acabou. A felicidade só é real quando acompanhada, creio eu.  

Além disso, enquanto eu e minha esposa subíamos a Avenida Rio Pequeno nesta tarde fria de São Paulo, não pude deixar de pensar nas pessoas que se foram sem ter a oportunidade de tomar a vacina também - e é claro que as primeiras que vem à mente são as que lhe são mais próximas. 

Então, em nome dos que se foram e dos que ficaram, tornei-me um Jacaré. Que todos nós possamos ser uma nação réptil em breve, e que esta época terrível comece a ficar um pouco pra trás, para podermos começar a curar uma parte tão devastada quanto nossos corpos: nossas mentes. 



segunda-feira, 14 de junho de 2021

Crônicas do Novo Normal: Meu dia dos namorados, por HG Neto


Chegou o mês de junho e com ele o dia que muitos anseiam, outros detestam, e mais alguns simplesmente não dão a mínima, que é o dia dos namorados. Diferente do resto do mundo, onde se comemora o Valentine's day no dia de, bem, São Valentim (a saber, é dia 14 de fevereiro no resto do mundo), aqui o Brasil comemoramos no dia 12 de Junho, porque João Dória (o pai, não o governador de São Paulo) assim resolveu um período de desaquecimento de vendas no comércio. Assim, como tantas coisas no Brasil, o dia dos namorados já começou inventado na marra e aos poucos foi virando tradição. 

Quem me lê assim pensa que eu tenho raiva da data, mas não é verdade. De fato, antes de ter uma companheira, eu simplesmente achava que era uma coisa que não me afetava, portanto eu nem ligava. Sim, houveram tempos que eu fiquei fazendo a irritante troça com posts românticos que aparecessem em meu facebook e afins, mas isso era menos por ser contra a data e mais porque eu tinha uma tendência a ser um jovem desagradável - como de resto, todo jovem tende a querer ser.  Mas isso mudou desde que conheci Aline, e nesses 5 anos tenho dado muito valor a uma série de coisas que eu jamais prestei atenção antes, entre elas, o ato de celebrar o amor que se tem em sua vida. 

Esse ano não foi diferente; e embora estejamos passando por um... não podemos nem dizer mais pandemia, mas sim uma espécie de trauma coletivo nacional, decidimos fazer uma pequena comemoração de amor aqui em casa. O menu foi algo chique: temos por aqui uma espécie de equipamento para fazer fondue (que é basicamente queijo derretido com vinho), então compramos um bom pão com casca grossa (italiano, por um bom preço), arriscamos a receita e deu tudo certo, graças. Comemos ao som de Maroon 5, que foi meu presente para ela, e usando anéis especiais (com símbolos de lua e sol), que foi o presente dela para mim. O tema, como se deve ter adivinhado, era "presentes que nos daríamos se tivéssemos 15 anos de idade" - acho que ficou claro, pelo menos, pelo cd do Maroon 5

Mas creio que o melhor presente mesmo, quem diria, foi anunciado por João Dória Jr, quando foi dito numa coletiva Domingo sobre o adiantamento das vacinas; nós, que nos vacinaríamos somente em setembro, agora ficamos para Julho. A alegria foi grande é claro, mas em um dado momento, olhando o calendário de datas, senti um peso no peito e pensei, olhando as idades, nos amigos que partiram e não puderam se salvar disso. Olhei para Aline e ela também lagrimava, e não foi preciso dizer mais nada. Nos abraçamos e choramos, choramos com a dor pelos que perdemos, pelo alívio de estarmos perto da salvação, e pelo amor intenso que sentíamos um pelo outro naquele dia, naquele fim de semana, nesta vida.

Lá fora, o dia estava claro e sem nuvens, embora frio. E me pareceu que tudo ia ficar bem mesmo.