quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: Canção do Não-Retorno

Fonte: Aldeia News

Já falei aqui, mais de uma vez, sobre a minha saída de Belém do Pará para São Paulo; em resumo, eu vim aqui fazer um mestrado e acabei ficando, me casando, e cá estou. Acredito que seja uma narrativa relativamente comum por aqui: migrantes de todo o Brasil saindo, buscando um futuro, e por aqui mesmo ficando. Pelo menos é uma história recorrente com as pessoas que conheço que vieram de fora. 

Sobre a minha vinda é isso, mas eu não sei se falei muito sobre o porquê de eu ainda ficar aqui, e não ter voltado para minha cidade natal. Seria muito fácil,. suponho, dizer que fiquei aqui porque conheci minha esposa e me casei. Também seria errado: Mesmo antes de Aline, eu já havia me decidido a não retornar. De fato, no exato momento que eu pisei em São Paulo, minha cabeça já estava feita sobre não voltar. 

Uma outra explicação muito óbvia, seria que eu "me apaixonei" pela cidade. Posso garantir que não é verdade. São Paulo é uma grande metrópole, com muito acontecendo, e a maior quantidade de eventos e outras coisas legais. Nunca me senti tão ao centro de tantas ações, cercado pelas coisas que o frete no brasil inteiro menos Norte e Nordeste me privava. Mas não, essas coisas todas não foram o motivo que me fizeram permanecer aqui. 

Talvez o conceito que mais explique eu não ter voltado para Belém é simples: tenho medo de fantasmas. E a cidade (talvez o estado inteiro) tem demasiadas assombrações para mim, de minha vida anterior, das coisas que não fiz, das coisas que poderia ter feito. Cada rua na cidade é uma lembrança boa, contra mil ruins de angústia por um amanhã que não chegava nunca, e da decepção de estar limitado em minhas escolhas pelo ambiente que eu estava. 

Obviamente, boa parte da minha limitação estava em mim mesmo: frequentemente as amarras que nos prendem vem de nós mesmos. Uma corrente de dentro pra fora, por assim dizer. Mas é fato que existiram fatos diversos, pessoais e sociais, que me aconteceram e me fazem olhar para minha cidade natal com um misto de tristeza e alívio, por ter saído dali, por ter conseguido seguir no rumo que eu queria. 

Suspeito que todos nós temos isso, esses lugares assombrados que juramos nunca mais voltar. Às vezes é uma escola, às vezes a casa de algum parente, às vezes mesmo a própria casa onde nasceu e cresceu. Eu por mim, tive a façanha de assombrar uma cidade inteira em meu desfavor - e agora, escondo-me aqui, na selva de concreto, na esperança de que estas aparições não venham atormentar-me nas madrugadas frias que tem acontecido. 

Mas, às vezes, ainda que de longe, elas me assombram mesmo assim. 

Um comentário:

  1. Nossos fantasmas nos acompanham pra onde quer que fujamos e com o passar do tempo já não nos assustam tanto mas certamente há lugares nos quais eles,nossos fantasmas, são mais fortes e por isso nos atormentam com mais intensidade até porque muitos são de carne e osso,os piores!

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