domingo, 27 de fevereiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Tempos Interessantes


Quando eu era garoto, durante os anos 90, houveram muitos momentos difíceis no Brasil e no mundo, e é claro que minha família passou pelos efeitos disso; num mundo globalizado, é o que acontece. Inflações galopantes, violência em larga escala, o avanço desenfreado das drogas.... tudo isso era parte do nosso dia-a-dia, o que talvez não seja novidade para nós que aqui estamos, basicamente com tudo isso. Mas lembre-se que eu era novo ainda na terra, então para mim era algo assustador.

O que era também novo para mim e, surpreendentemente, para os adultos que eu via ao meu redor, era uma certa... esperança, eu diria. Veja, os anos 90 vieram logo começando com o fim da Guerra Fria, que tomou tantas décadas e gerações. Você pode até dizer que isso não tem nada a ver com você nem com o Brasil, mas só estaria sendo um tolo se o fizesse: a Ditadura Militar que tivemos, por exemplo, foi um grande efeito do que foi a Guerra Fria. 

Ela acabar, portanto, deve ter sido um grande alívio mundial, porque mesmo criança eu conseguia sentir isso. Podemos sentir na verdade até hoje: se você ouvir músicas da época, ver séries, etc, vai ver que existe mesmo essa ideia de que podemos superar as coisas (as drogas, a violência, a pobreza), porque o pior já havia passado. Os problemas existiam, mas se o mundo havia superado a pior coisa que era esse conflito de influência das potências, eles conseguiriam tudo. 

É claro, 2001 veio, as torres gêmeas caíram, e todo esse sonho veio a abaixo com quase tanta violência quanto as próprias torres. Mas em algum momento ali nos anos 90, eu creio que as pessoas acreditaram... em algo. Talvez na possibilidade de serem melhores. Talvez na possibilidade do mundo ser melhor. 

Agora, com essa guerra da Ucrânia, ameaça de um conflito global batendo às portas, e tudo mais que tem nos acontecido antes disso (a lembrar: pandemia, governos corruptos fascistas, inflações recordes... e todos os outros problemas que já citei antes), fico  pensando cada vez menos nos meus anos 90, e na esperança do mundo naqueles dias, e penso cada vez mais nos que cresceram durante um período mais sombrio, anterior. Como eles faziam para ter esperança que as coisas melhorariam? 

Me pergunto isso todos os dias. 


domingo, 13 de fevereiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: A Paz Verde



Eles existem, estão espalhados por aí: os pequenos bolsões de paz na selva urbana. Ou médios, pelo menos: Alguns nem tendem a ser tão pequenos assim , mas certamente não tem nada de grandes - talvez porque isso acabe diminuindo o impacto das coisas, de certa forma. 

Podem ser parques, praças, ou até mesmo uma rua em especial: mas é ali que se sente algo especial, um descanso do correr frenético e cansativo. Quando cheguei aqui em São Paulo, por incrível que pareça, esse lugar de paz era uma rua sem saída, onde ao fim há uma árvore gigante. Fica em frente a um condomínio, e perto de uma avenida, mas ainda assim nunca vi um silêncio se aproximar tão rápido, como se a árvore fosse ela mesma um ímã do silêncio. Sempre vou lá quando posso, com minha esposa, buscar um pouco dessa tranquilidade.

(Madrinha, é como chamo a árvore. Sou bicho-grilo mesmo, dou nome para as coisas)

Com o tempo, fui encontrando outros lugares, alguns óbvios ( a biblioteca da CCSP e sua gibiteca, é claro), outros nem tanto (por algum motivo, a rua ao lado do hospital Santa Catarina, na Avenida Paulista, me dão uma paz tremenda!)... mas em todo lugar de São Paulo, eu fui montando estes pequenos santuários pessoais, estes lugares de reenergização. Tudo isso para minha grande surpresa: não esperava isso de uma cidade tão grande como aqui. Talvez eu tivesse uma visão errada quando vim para cá. 

Em Belém do Pará, por 27 anos meu lugar de paz era uma avenida toda: a Gentil, lugar onde ficam tanto minha biblioteca favorita quanto muitas memórias de jovem. Quantas vezes não voltei no ônibus, o calor intenso no coletivo de janelas fechadas para a chuva não entrar, mas ansioso para chegar em casa e ler os livros emprestados do Centur? Estas são, talvez, uma das mais fortes memórias que carrego em meu coração de minha cidade natal. 

E ontem, no sábado, quase pude reviver estas mesmas memórias de descoberta de paz, quando fui com minha esposa no parque Severo Gomes, um lugar tristemente cercado por um bairro rico (e portanto distante da realidade do bravo povo à margem aqui do meu bairro, por exemplo), mas tão poético que chega me dói o coração de lembrar. Crianças brincam e comem em picnics ali, e há trilhas: ao longe o som do riacho restaurado pela ação do Estado. O calor do dia completamente reduzido pelas árvores.... é um paraíso, amigos. Gostaria que todos que moram aqui em São Paulo pudessem ir lá e desfrutar, garanto que pelo menos relaxados vocês saem. 

Mas nem todos tem o mesmo caminho de paz - e portanto nem todos tem o mesmo jeito de montar estes santuários. Então, a pergunta que fica é: 

Quais são seus lugares de paz na sua cidade? 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: É preciso sonhar.





Eu, tal qual muitos outros, aprendi a ler basicamente com quadrinhos. Turma da Mônica, como todo brasileiro, mas também um pouco de quadrinhos Disney, que nem sei se são publicados hoje em dia ainda. Li muito Mickey Detetive, Superpateta, Zé Carioca.... Depois vieram os quadrinhos de super-heróis, um hábito que tenho até hoje em dia: Homem-Aranha, Batman, X-men, Demolidor, Novos Titãs.... tudo isso, misturado com uma boa selete de quadrinhos italianos, como Tex, Zagor, e outros. 

Digo tudo isso, porque queria deixar claro que meu ponto de vista é bastante enviesado: antes de ser moda, eu era já um fã de coisas nerds, e até hoje em minha mente é possível encontrar pormenores de histórias que a maioria das pessoas nem se lembram. Essas histórias ficaram em minha mente, porque elas ressoaram dentro de mim, tal qual acontece com toda história que encontra seu público-alvo. É assim que a gente descobre o que gosta, não? Lemos/vemos algo que nos interessa, e aos poucos vemos que a história é menos sobre alienígenas, ou seres fantásticos, e mais sobre nós mesmos. Sobre quem somos na Luz e nas Trevas.

E me parece que é hora, de tentar buscar alguma coisa de esperança, para nós e para quem virá. é certo que o mundo é sombrio: tenho 34 anos e não consigo em lembrar nenhum ano que as coisas foram 100% tranquilas, sem preocupações ou perigos nas redondezas. A terra em que cresci, Belém do Pará, não é famosa por sua segurança ou justiça social: ao contrário, muitas coisas ruins aconteceram ali, como acontecem em todo mundo, de fato. Mas eu cresci, e não sou somente desesperança: também sou sonhos, amor, vontade de ver um futuro bacana. E grande parte dessas esperanças vieram da leitura - e como eu lia (e leio) muitos quadrinhos, veio dali também.

Mas não nos limitemos a esse meio: que venham livros, filmes, músicas, que nos ajudem a sonhar um pouco mais. É certo que o mundo está acabando: pelo menos o nosso mundo está. Mas, se houverem humanos neste próximo que chegará em 50, 100 anos, que deixemos algum legado além da dor e das sombras: que escrevamos histórias onde vemos as estrelas além do nosso céu, onde vencemos o inimigo invencível, onde a vitória traz o fim do sofrimento. Não podemos legar só horror para nossos filhos, porque não foi só isso que nos foi passado: há que passar também a esperança para eles cirarem dias melhores para si, quando sua hora chegar.