domingo, 28 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Meu amigo, o café


Certa vez eu disse que o café é um dos vícios que eu tenho comigo nesta vida. Sim, um deles. Não me julgue, você possivelmente tem vícios tão ou mais pesados que os meus. 

Minha história com o café vem de longe, embora eu tenha tido uma aproximação cuidadosa no começo. Toda manhã, aquela boa xícara de Nescafé com leite era o que me esquentava as tripas e me punha para seguir à escola e estudar. Os sabores da infância sempre ficam com você: até hoje, quando me ocorre de beber um pouco de café solúvel, sinto-me quase como que naqueles dias cada vez mais distantes. quando minhas preocupações eram grandes, sim, mas eram do tamanho da minha esperança no futuro. 

Com o tempo, tanto as desilusões quanto a quantidade de cafeína matinal aumentaram, o que talvez tenha uma ligação direta, vai saber. O fato é que eu comecei a tomar cada vez mais café à medida que fui envelhecendo, e quando estava no auge da faculdade cheguei a tomar 4, 5 canecas de café por dia. Como é de se esperar, o estômago não gostou muito dessa decisão: foram meus primeiros momentos com uma azia constante e dores estomacais condizentes com um princípio de gastrite. 

Também foram meus primeiros momentos retornando ao café solúvel; afinal de contas, como o leitor deve imaginar, parar só por parar não era mais possível, eu estava realmente viciado. Só o que eu podia fazer era diminuir o ritmo - o que eu faço ainda hoje, quando a azia ataca "do nada" (sendo que eu a provoquei). Bem verdade que nem sempre eu sigo pela cafeína: curiosamente, chá de camomila tem um efeito de abraço interno que o café me trás, apesar de não poder ter um gosto mais diferente. 

E no fim das contas, é isso que eu busco, creio eu, no café: esse abraço quentinho que me leva para um outro lugar. Eu digo aos outros que beber café me relaxa, para surpresa de muitos. Não acho que é algo tão surpreendente assim: o gosto amargo na boca me lembra dos momentos mais felizes que tive, pensando sobre pesquisas, lendo coisas assombrosas altas horas da noite, jogando videogame com meu irmão Frederick nestas mesas horas altas. O café sempre esteve comigo; e se tudo der certo, ele sempre estará ali, mesmo que quase descafeinado, abraçando meu coração com frio. 



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Hinos Nacionais


O povo brasileiro, como eu já disse antes, é um povo triste. Eu sei, eu sei, não parece. Com tanto carnaval, funk, sacanagem generalizada e tudo mais, como acreditar isso? A imagem do brasileiro alegre e cordial está sempre presente nas mentes de todos que pensam esta nação, até mesmo dela própria. Como toda certeza absoluta, porém, está é apenas uma falácia. 

O brasileiro é sim um triste, ou antes, um desesperançado. As festas e músicas alegres com as quais ele se rodeia são a clássica fuga de enfrentamento, tentativa de esconder o que lhe queima o coração. Pode-se argumentar que até mesmo a raiva intensa que ele sente, que se manifesta tantas vezes em linchamentos e afins, não passa de uma forma de tentar expressar essa grande tristeza de seu coração. Sensações ruins, afinal, tem de sair de alguma forma - nem que seja da maneira errada. 

Eu também já falei aqui antes sobre minha crença no poder representativo da música: acredito mesmo, que ela seja uma das formas mais puras de arte justamente por não terem firulas, por tocarem o coração de alguém ou não. Quem nunca ouviu uma canção que o deixasse comovido/a, e quando perguntando o porquê disso, não soube explicar? Às vezes é uma lembrança do passado distante, às vezes um plano para o futuro... o que quer que seja, a música leva você para este lugar, te faz por breves momentos viver o que está em sua mente e coração. 

Com isso em mente, e considerando era de esperar uma produção grande de música mais "pra baixo" no Brasil. Afinal, dirão os leitores mais atentos, você ão disse que o país era no fundo um triste? Sim, eu disse, e reafirmo minhas palavras. De fato, basta olhar para os maiores sucesso clássicos da música brasileira: ou você vai dizer que "Naquela mesa", com Nelson Gonçalves, é uma canção alegre? Ou talvez você pense em ninar suas crianças com "As rosas não falam"? Sim, estou sendo bastante criterioso em escolher meus exemplos: mas até mesmo músicas clássicas mais alegres tem em si uma melancolia aguda, fina. Existem diversas canções do nosso chamado "rei" Roberto Carlos, que seguem bastante por esse caminho. 

Temos também as músicas de revolta, tão presente dos anos 60 aos 80, hoje tão sumidas do geral das produções (embora firmes e fortes no rap). Eis aí a receita de um clássico musical brasileiro: tristeza e revolta. A alegria, quando vem, é depois de muita luta, muito sofrimento. Somos antes de tudo fãs de via crucis, com toda a carga simbólica que isso oferece. Quanto às canções alegres de hoje em dia: aí estão, mas creio que em breve sumirão. O que mais cala no coração deste que é o maior país da América do Sul (ao menos em tamanho), é realmente a dor e raiva nossa de cada dia. 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Nexus City




Desde que eu me entendi por gente, eu sempre quis sair de Belém do Pará. Talvez pareça uma frase forte, mas eu não acredito que esteja exagerando. De fato, consigo lembrar-me claramente do porquê de meu primeiro pensamento em querer sair de Belém: eu vi uma propaganda do parque da Mônica numa revista e queria muito ir lá, mas ela só ficava em São Paulo, justamente. Criança que eu era, pensei: O pessoal de lá tem tudo de bom, eu quero é morar lá! Quero ir para São Paulo! 

Anos depois, mais maduro, percebi que sim, eu tinha razão. As coisas por aqui são bem melhores. E por isso me mudei pra cá. 

Não que sejam perfeitas. Nossa, realmente não são. Falta muita humanidade nas ruas de Sampa; os  prefeitos veem a cidade como mera plataforma de começo de campanha para governador; os preços das coisas podem ser absurdamente altas; o aluguel então, nem se fala. E a poluição, é claro: mas acho que isso tende a ser mais hors concours que outra coisa. 

O que tem aqui então? Possibilidades, eu diria. Mais que em Belém, com certeza absoluta: e no entanto, mais que em muitas outras cidades que as pessoas considerariam morar no brasil. Contemplem Brasília por exemplo: O que há lá, além de uma cidade em formato de avião querendo decolar de si mesma? Ou o clássico Rio de Janeiro, símbolo do país tropical que nos fala Jorge Ben Jor, e além disso uma cidade apaixonada demais por si mesma para querer sequer cogitar consertar seus defeitos? 



São Paulo é uma cidade que, muitos dizem, não tem amor; mas tem compaixão. É um lugar onde dois lados lutam, no mesmo espaço que tem um prefeito que põe pedras debaixo de um viaduto para os sem-teto não terem onde dormir, tem um padre que lança mão de uma marreta para tirar as pedras na marra. É a cidade dos opostos, e aqui tem tanto a pior quanto a melhor das pessoas. E o encontro de culturas! Apesar de não ter, realmente, uma cultura que possa chamar de só sua, a Pauliceia desvairada tem de tudo em si, do Japão  à Itália. 

E acho que esses extremos me fascinam. Creio que viver nesta cidade dilema é, de certa forma, estimulante para minha mente. Aqui me encontrei, aqui encontrei a minha parceira de vida. E por isso vivo aqui a mais de 6 anos. 


Além de, é claro, poder comer sushis a um preço extremamente razoável. 

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Comida é comida mesmo, nada de pasto.


Comida é uma das melhores coisas que existe, com a vantagem de ser algo que a gente realmente pode ir lá na cozinha e fazer -  desde que você tenha os ingredientes necessários para isso. Quantas vezes a gente não vai lá, olha a receita direitinho no youtube ou instagram da vida, só pra perceber que de cinco ingredientes, você só tem dois e olhe lá? Confesso que eu já passei muito por isso, e a saída é simples: você improvisa com o que tem. Assim, o que era pra utilizar uma cenoura vira um tomate, uma azeitona preta vira azeitona verde mesmo, e assim por diante. 

Sim, assim como tantos outros quarententers (me odeio por ter usado esse termo), também eu mergulhei de cabeça no mundo da cozinha freestyle. A bem da verdade, eu já era adepto a muito tempo: quando você casa com uma mulher que é vegetariana e quer fazê-la feliz na barriguinha, tem que ter um certo esforço no que concerne aprender receitas (já que você n~çao pode simplesmente correr e fazer um bifinho de almoço), e eu sempre fui um ávido explorador de coisas que eu não conheço direito. Assim, a mais de 5 anos que aprendo bastante sobre temperos, sabores, e sensações diferentes que a comida pode causar em nosso paladar. 

Contudo, confesso que eu me permiti explorar bastante receitas diferentes nestes quase 365 dias de quarentena: seja porque eu queria ter uma comida mais chique em minha casa feita por mim mesmo, seja por puro tédio, essa foi sim uma atividade que eu me dediquei bem. houveram, é claro, tropeços ao longo destas experiências: um macarrão mole demais, um huevos rancheros particularmente sem graça... E a pimenta, oh Deus. Como é fácil errar com pimenta! Basta uns toques a mais, e o que era para ser um toque leve de picância torna-se um vulcão em forma de almoço - e com consequências desastrosas mais tarde no vaso sanitário. 



Mas um dia, fatalmente, você acerta no ponto, e como ficam boas as comidas (ou pelo menos boas o suficiente para você)! O principal problema, se é que podemos chamá-lo assim, é que nosso paladar fica extremamente exigente, e as comidas que se pede pelo Ifood e derivados são julgadas por parâmetros muito mais rigorosos. Afinal de contas, para que pedir uma pizza salgada, se eu mesmo posso salgar a minha em casa, tranquilamente? Ou pedir um strogonoff, quando é muito mais prático você fazer o seu próprio, possivelmente com muito mais gosto que o de fora, porque é o seu tempero? 

A cozinha é liberdade, povo meu. Se você ainda não foi lá buscar a si mesmo, tente! Aposto que você vai se surpreender - para o bem ou para o mal!


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Computadores (Falhos) de Tênis


Os dias modernos estão cada vez mais rápidos, e eu acredito que com eles, tenha surgido pessoas ainda mais rápidas para acompanhar tudo. Estas pessoas são ágeis, e observam as novidades rapidamente para captá-las e usar em seu dia-a-dia. Conseguem fazer isso direito? Não, em geral essa captura rápida de informações, tal qual a maioria das pessoas fazem, é um retumbante fracasso; mas ninguém pode negar que são rápidas, e parece que isso que importa em dias de whatsapp news. 

É claro que estou sendo cínico: existem sim, uma miríade de pessoas que consegue acompanhar as notícias em seu ritmo frenético. Em geral são pessoas da minha geração em diante, que conseguiram crescer em um ambiente futurista e nocivo de tecnologia em excesso. Os mais novos nem chegaram a ver um mundo sem computadores, já nasce quase que com um smartphone em mãos; é inevitável que a cabeça tenha que ir seguindo e acompanhando essa velocidade toda, ou que pelo menos tente fazê-lo. 

Contudo, os efeitos colaterais são muitos, e estranhamente variados. Por exemplo, outro dia, eu estava comendo um sanduíche sentado no sofá com as lâmpadas apagadas, e pouco antes da minha esposa sair do quarto e dizer "Meu Deus amor, que susto! O que você tá fazendo aí?", eu estava pensando sobre a vida, e o rumo das coisas, as verdades ocultas no universo, etc. Pode parecer besteira, mas essa cena é uma coisa muito corriqueira na minha vida (pode perguntar à Aline!): Eu pensando á toa, viajando na maionese bonitamente. 

Parece o oposto do que eu falei, mas é um dos efeitos sim: você não consegue ver um momento em que não precise processar algo na cabeça, mesmo que seja no escuro com um sanduíche noturno; o que parece um momento quieto é apenas uma máscara. E isso não acontece só em momentos de estar quieto não; meus amigos dizem que é um flashback de guerra que ocorre, como se eu de repente estivesse que nem aqueles veteranos do Vietnã, relembrando os traumas e tudo mais. Não é (em geral) nada disso: simplesmente estou pensando  em 3, 4, 5 coisas ao mesmo tempo: trabalho, casamento, lazer, filmes, contas.... Frenéticos, os nossos tempos! 

Agora então, com o Covid enfiando na nossa vida o senso diário de urgência, eu creio que teremos mais e mais pessoas que não terão paz mental, o que é um pouco preocupante, afinal, ninguém quer que um piloto de avião esteja pensando mil coisas ao mesmo tempo, não é mesmo? E isso é o principal problema, me parece: a completa falta de momentos tranquilos internos na nossa própria cabeça. Eis algo que você tem que lutar, pela paz de cabeça. Assista besteiras aos Domingos! Beba e ria! Estourar a cabeça não vai ajudar em nada a melhorar, então, pelo amor de si mesmo/a, sente, relaxe, e pelo menos por uns minutos, não pense em nada. 


Ok, o tempo acabou, AO TRABALHO! 


terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Cegos Dançando Na Escuridão

Fonte: From The Heath readers by grades, D.C. Heath and Company (Boston)


O ser humano gosta de achar que tudo sabe e tudo vê, mas existem uma série de coisas menores que simplesmente não temos a menor ideia de como funciona. Por exemplo: bocejar. Algo que fazemos toda vez que estamos cansados, sonolentos... e no entanto ninguém tem a menor ideia de por que fazemos isso. É claro, existem uma série de teorias a respeito, mas não há quem possa afirmar realmente pra que serve bocejar. 

Esse é só um mistério menor, mas existem muitas outras coisas ao redor, que simplesmente não sabemos. Tropeçamos ao redor e vamos seguindo, vida à frente, sem pensar nos porquês. Até que um dia, eles vem bater à nossa porte, e buscar uma explicação, ou ao menos uma coisa que possa guiar nossas percepções. 

O maior mistério, é claro, está dentro das nossas cabeças. Como aprendemos? Porque algumas pessoas gostam mais de chocolate que de, digamos, bolinhos de chuva? Serão as nossas decisões, realmente, nossas, ou tudo não passa de uma série de elementos químicos jogados na nossa cabeça, nos fazendo quicar por aí como bolas de pinball humanas que somos?

Eu acredito que esse momento seja o que devemos ter humildade. Por incrível que pareça, isso é mais fácil falar que fazer. Por anos e anos, fomos ensinados mentiras em cima de mentiras. Ou você acha realmente ainda que o esforço é sempre recompensado? Que o karma existe? Que no fim, automaticamente, tudo vai ficar bem? Essas são só algumas mentiras confortáveis que somos ensinados, e a maior delas é: o Ser Humano é o mais importante neste planeta. 

E porque acreditamos nisso, acreditamos que domamos completamente nossa mente. E eis que surgem sentimentos, sensações que você simplesmente não tinha parâmetros para lidar; e então sua própria cabeça fica confusa, justo ali, que deveria ser a parte que você mais conhece deste mundo. Como os cegos tentando entender o elefante à sua frente, apenas conseguimos entender partes do que realmente acontece conosco e com o mundo ao nosso redor, e confusos seguimos, apalpando tudo e esperando pelo melhor. O que é, sendo bem justo, talvez a coisa mais idiota a se fazer. 

Em dias como os que estamos, existe sempre a questão de como chegamos até aqui - ou pelo menos deveria existir, entre o pessoal com um pouco mais de auto consciência. Autoconhecimento sempre deveria ser uma bandeira importante para a sociedade, porque me parece que os maiores excessos acontecem quando a ignorância vence. Quando preferimos jogar a culpa dos medos que temos dentro de nós, num grupo de pessoas aleatório. 

Conhecimento não é só poder. É força também. Será que um dia poderemos acessar por completo toda essa força interna ao nosso dispor, e mudar o mundo à nossa volta? 


domingo, 14 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: De Monstros e Humanos


É interessante para mim, observar como os monstros que assombram uma determinada era da sociedade, tem relação direta com os horrores que esta determinada época entende como seus. Vampiros, zumbis, bestas-feras radioativas.... O inconsciente coletivo está sempre buscando estes seres para expressar seus medos. 

E com o tempo, eles vão por certo se ressignificando; vampiros podem tanto ser bestiais quanto aristocratas que literalmente sugam o sangue de seus vassalos. Lobisomens podem tanto ser doenças que afetam e atormentam o mundo interno do indivíduo, quanto clãs naturalistas que tomam a civilização como sua principal inimiga, sua nemesis. 

Qual seria o Monstro de tempos atuais? Honestamente, acho que  figura do fantasma e do demônio são as principais, tanto pela ideia do passado sinistro de nossas sociedades ter voltado com tudo para as mentes contemporâneas, quanto pela imensa facilidade que a população tem de ceder a seus impulsos mais selvagens quando instigados por uma figura que é carismática aos seus lados sombrios. 



É difícil de dizer, até porque não sei se sou a pessoa mais indicada para fazer esta análise. Porém, acredito que em se tratando de disso, temos todos os nossos próprios monstros pessoais, que precisamos lidar para poder seguir em frente. Estes raramente são tão organizados quanto os arquétipos da ficção; de fato, acho que nem podemos realmente classificá-los em nenhuma categoria de Horror/Terror que exista. Alguns chamam a isso de demônios internos: eu reluto em fazê-lo, porque isso implica em talvez falta de redenção, e eu creio firmemente que nosso monstros internos tenham sim, uma chance de escaparem, de verem a luz. É difícil, mas é possível. 

O que eu queria mesmo, era que todas as pessoas conseguissem isso, conversar com seus horrores pessoais, abraçá-los, entender suas origens. Isso porque, com ou sem categorização, eles sempre vão estar lá, nossos monstros particulares, e cabe nós entender como conviver com eles. E, com sorte, criar o menor monstro possível nas gerações que virão. 


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Qual o seu prazer, senhor?


Li em algum lugar que a venda de chicletes de nicotina cresceram em número recorde durante 2020. Há alguma coisa a se dizer sobre as pessoas quererem manter seus pulmões de uma forma razoável em meio a uma pandemia que, justamente, afeta a região pulmonar entre outras coisas. e isso é bastante louvável. Contudo, e isso talvez seja preocupante, o consumo de bebida alcoólica aumentou bastante. Parece que o delivery não impediu as pessoas de dar aquela afogada nas mágoas - e quantas mágoas 2020 deu pra gente afogar, não é mesmo? 

O álcool, é claro, é um tipo de vício, mas eu não vou vir aqui julgar ninguém por ter arrumado uma forma de lidar com os horrores deste período - desde que não tenha machucado mais ninguém. Meu objetivo, na verdade, é pensar um pouco sobre isso, as muletas que estamos arrumando para escapar da dura realidade. Sim, porque VOCÊ com certeza tem uma, apenas não percebeu isso ainda. Duvida? Vamos em frente que já te mostro.

Se falo isso, é porque eu mesmo já vi em mim este comportamento, embora com um vício considerado muito mais aceito que até mesmo álcool, e seu nome é café. Eu disse que era um vício aceito, mas é fato que muitos nem consideram ser assim tanto; essas pessoas estão, é claro, erradas. Ou ficar com dor de cabeça se você não tomar café é algo totalmente normal, que não acontece porque seu corpo está viciado na substância? Enquanto bebedor de café, eu lhes digo: paremos de nos enganar. É um vício, sim. 


Mas estou falando de substâncias, e creio que isso é muito limitador, simplesmente porque não se tem vícios apenas em líquidos, pós, ou fumos; existe uma variedade de prazeres efêmeros que um indivíduo pode tranquilamente afogar-se e fugir do mundo cruel. Sexo costuma ser uma destas formas, embora eu suponha que a pandemia diminuiu muito a capacidade geral das pessoas de  praticar essa atividade. Ligado a isso, pornografia é um outro meio; ou talvez algo mais light? Um BBB da vida, por exemplo, ou quiçá um mergulho intenso nos facebooks e outras redes sociais. 

O pior de tudo, me parece, não são os métodos de fugir do mundo: estes são apenas isso, ferramentas de escape. A mente que fica dependente deles, porém, é a maior preocupação, e é tão fácil, não é, se perder nestes hábitos perigosos. Ainda mais agora, que 2021 tem se mostrado um pouco mais duro que esperávamos, em nossas vãs ( e exageradas, é preciso dizer) esperanças . Espero que possamos entender qual foi a armadilha mental que pusemos em nós mesmos, e escapar dela antes que as coisas fiquem ainda mais difíceis.


terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Força Verde


Talvez eu tenha falado nesse blog antes, mas eu sou um grande fã de quadrinhos. Explico: cresci lendo os mesmos, e por isso até hoje ler quadrinhos me traz uma sensação boa, de conforto, de lar. Quando criança, tive uma assinatura de revistas diversas, entre elas um pacote de revistas da Marvel, cheia de super-heróis variados. Vingadores, X-men, Homem-Aranha....

E o Incrível Hulk. 

Em um texto anterior, eu falei de como os X-men foram uma leitura que me atraiu de cara, por tratarem da perseguição aos diferentes, aos incomuns. Naqueles tempos, ser uma pessoa com gostos diferentes era motivo de perseguição; então eu realmente me vi representado ai, entre os mutantes. Mas havia algo na revista do Hulk que... bem, que desfiava minha mente, mas me atraia igualmente. 

E naqueles dias, eu não sabia dizer bem o que era. Como todo jovem, eu  achei que era pelas lutas , por toda ação. Você faz isso quando é mais jovem: tenta entender quais são as coisas que mexem contigo, e reduzi-las a algo que possa entender, e talvez até mesmo repetir quando necessário. Ação, lutas; eis o que eu tirava de Hulk. 

Fonte: Hdqwalls

Mas quanto mais eu lia, mais eu via coisas interessantes ali. E hoje, que ainda leio e revejo as revistas antigas, percebo o quanto os escritores destes quadrinhos conseguiram pôr em um pacote de monstros e ficção pulp. Pois o Hulk é um mar de fúria, pelo que o mundo faz a ele, porque o mundo não o deixa em paz. Cada lado que ele vai, ele é caçado impiedosamente, considerado uma ameaça. E sempre ele repete que quer ficar em paz, ficar só. 

Percebi então que o Incrível Hulk, como tantos outros títulos que li quando criança e que revejo esses dias, é algo muito maior do que só ação barata (embora tenha MUITO disso, não me entenda mal). Ali, naquelas histórias, eu estava conseguindo entender algo de mim que talvez nem mesmo conseguisse compreender bem que estivesse precisando ser decifrado direito. Para isso servem os símbolos e a histórias que fazemos com eles: para explicar melhor algo dentro de nós. E naqueles momentos, a criatura verde de radiação gama me ensinou que a raiva contida vira a dor de quem está perto dos que soltam essa fúria. 

Ainda leio Hulk hoje em dia, assim como tantos quadrinhos. Eles ainda me trazem a paz daqueles dias. E agora que entendo o que eles simbolizam, eles me dão a possibilidade de entender o mundo de hoje, com as lanternas coloridas de minha infância. 



domingo, 7 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: O Clube do Sorriso Triste



Ter depressão é como estar  morando no próprio Hotel Califórnia dos Eagles: você pode fazer o check-out a qualquer hora, mas nunca consegue realmente sair. Existem dias que está tudo bem, e você segue a vida sorrindo... mas basta um pequeno empurrão em uma direção norte ou Sul, que tudo desanda, como se a sua sanidade estivesse esse tempo todo equilibrada por um palito de dente que acabou de se partir. 

Com o passar do tempo, você começa a perceber as pessoas na Tv que tem também, ou que pelo menos estão a caminho de. Nunca falha: os olhos caídos, a expressão específica de quem está com chuva na alma. Não é , veja bem, uma tristeza; é antes um vazio que nada se planta, uma terra infértil que se estende por quilômetros e quilômetros. A tristeza vem sim, pelo menos no meu caso; mas aí é só ela que você sente, só ela que preenche a lacuna que se sentia anteriormente. E aí, você meio que deseja não estar sentindo nada de novo. 


Então você vê essas pessoas, e talvez elas sejam artistas. E quando você ouve as músicas, ou vê os quadros, ou lê os livros, é como se estivesse ali finalmente tudo o que você queria representar e não conseguia. Como se tivessem lido os seus diários todos, e transformado em algo para todo mundo ver. E sabe? Pelo menos para mim, não é vergonhoso. É meio que libertador na verdade: lembro quando eu quis demonstrar para as pessoas como é a minha visão (eu uso óculos para 3 mil coisas ao mesmo tempo), eu pedia que elas abrissem os olhos debaixo de uma piscina e tentassem enxergar. Essa arte existir  é mais ou menos isso em uma escala muito maior. Eu posso finalmente mostrar para alguém que eu queira e dizer: aqui estou eu, este é meu coração. 

E aí você tem a certeza, aquela pessoa é dos seus, membro do grupo mais doído do mundo, e que está aceitando membros diariamente. Pode ser que 2020 tenha afetado mais do que pensamos, mas eu não posso pôr a culpa dessa situação toda em um ano só: estamos com cada vez mais participantes aqui na nossa agremiação desde muito tempo. Não sei dizer porque, acredito que hajam profissionais de saúde mental que possam explicar isso muito melhor do que eu. 

Só sei dizer que, estes dias, parece que o mundo quer mais e mais gente nesse melancólico agrupamento.  

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Como se diz adeus em japonês?


Quem não me conhece direito, pensa que minha saga em São Paulo começou em 2015, quando me mudei para arriscar tudo e começar meu mestrado. Isso é um erro. Ela na verdade começou em 2014, ano em que vim aqui para esta cidade concorrer a uma vaga de mestrado em Língua, Literatura e Cultura Japonesa, pela Casa de Cultura Japonesa da USP. 

Naqueles dias, eu era novo, tímido, e francamente bastante desconfiado da minha própria capacidade em seguir os projetos que queria fazer. Era minha ideia estudar a imigração japonesa na Amazônia durante a década de 50, ou melhor, sobre o impacto dos imigrantes japoneses e seus descendentes no estado do Pará, durante a década de 50. Parece um tema complexo, e é; daí a minha falta de confiança para comigo mesmo nessa questão. 

Uma pessoa, porém, leu meu projeto e disse que não só ele tinha valor, mas que eu era sim, a pessoa certa para administrá-lo, desenvolvê-lo. Essa pessoa foi o Professor Shozo Motoyama, que naquela dia, naquela defesa de projeto, viu naquele paraense assustado, um entusiasta dos estudos nipo-brasileiros. E gosto de pensar que viu, talvez, uma alma semelhante à sua, amante do conhecimento. 

Ele foi a peça fundamental em que meu projeto fosse aprovado, e me deu apoio e suporte em muitas coisas depois. Minhas reuniões com Motoyama sensei sempre foram épicas; eu ia lá sabendo que elas demorariam entre uma a duas horas, e que nesse entreato ele me contaria histórias de seu passado, me daria dicas para pesquisar, apontaria quais passo eu deveria dar no labirinto de papeladas que eu precisava vencer como estudante da USP. Cada reunião era uma aula, e as aulas que tive com ele, sobre o passado do Japão, foram cansativas(pela longa duração que tinham) e recompensantes, porque eu me sentia cada vez mais certo da escolha que tinha feito, de entender essa cultua tão fascinante.

Ele também foi responsável por, provavelmente, meu momento profissional mais feliz até agora, que foi o de ser bolsista do Jinmonken por dois anos. Ali naquele espaço eu tive a oportunidade de crescer como pesquisador, entre documentos e livros antigos dos estudos nipo brasileiros; novamente o professor Motoyama confiou em mim e na minha capacidade, e mesmo com o cargo sendo normalmente atribuído a um falante de japonês, ele acreditou que eu conseguiria fazer a pesquisa. E eu consegui.

Hoje, fiquei sabendo que Motoyama sensei não está mais entre nós. Partiu para longe, conhecendo outros lugares, certamente já explorando o que há de novo neste Bravo e Novo Mundo que se encontra. Foi um choque. Apesar de ter seus 81 anos, ele não aparentava; possuía uma energia calma, mas constante, que o fazia assumir uma miríade de compromissos e projetos. Um obituário que eu li disse que ele partiu serenamente e descansando, e eu acredito piamente nisso. Acredito que era o estilo do Sensei, que fazia tudo calmamente, partir deste plano também com toda essa tranquilidade.

Fico aqui eu, seu humilde discípulo, órfão de seus ensinamentos e direcionamentos. O que devo dizer? Como se diz adeus em Japonês? 

As pessoas pensam que a resposta para isso seria Sayonara, e elas estão quase certas; mas o que elas não sabem é que esse termo significa um adeus real, aquele de se garantir que nunca mais as duas partes vão se encontrar. Não posso acreditar nisso; afora qualquer crença religiosa, estou cercado dos ensinamentos do Sensei, em seus livros, seus emails, e as lembranças que tenho dele, de como ele me ensinou a ser um historiador melhor. Como posso dizer que ele não está aqui então?

Não, Sensei. Não direi Sayonara para o senhor; Não vou me despedir, porque nunca é um adeus. è sempre um até logo. E é isso que eu direi para o senhor. 

Mata ne, Motoyama sensei.








terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Um Kaiju de Amor

Fonte: Godzilla - The Hal Century War, nº 3



Kaiju: uma palavra japonesa que significa "besta estranha", "animal incomum", mas que costuma ser traduzida como "monstro". (Fonte: Wikipédia)

Aconteceu na Quarta-Feira passada, o estranho ocorrido que vou contar logo abaixo. Confesso que mesmo agora, quase uma semana depois, o fato me surpreende e me agita no próprio cerne de minh'alma - uma agitação, diga-se, positiva, pois vem da admiração e do amor. 

O leitor talvez não saiba, mas em breve vai estrear um filme nos cinemas (possivelmente, mais nas televisões que nos cinemas, dada a pandemia ocorrendo), um épico de completo nonsense e brutalidade monstruosa. Trata-se de Kong vs Godzilla, onde o gorila gigante King Kong vai se enfrentar, exatamente, contra Godzilla, o Rei dos Monstros, lagarto gigante atômico, como queiram. Em um mundo onde os filmes de super-heróis estão meio parados, esse é provavelmente o único filme de ação blockbuster acontecendo no momento.

Qual a intenção de eu contar isso? Pois saiba que, em um momento de conversa e descontração, eu estava almoçando com minha esposa Aline e citei sobre esse filme e como o pessoal do meu grupo de conhecidos da internet (todos nerds e malucos como eu) estavan empolgados para assistí-lo. A reação dela foi imediata: 

- Vamos assistir o do Godzilla mais recente então! Tem no Netflix?

Fonte: Site Nerdist

Não era a reação que eu esperava. Mas depois de 5 anos juntos (completamos ontem, dia 01), eu deveria saber que ela ia agir pelo inesperado. Minha esposa, que me acompanhou nos filmes dos Vingadores e ficou uma fã do Homem de Ferro (até chorou em determinada parte no último filme...); que joga videogame ao meu lado e fica comentando as cenas que mais a empolgam; que abraçou comigo tantas experiências novas, e me mostrou tantas outras , como um carinho maior pela cultura latino americana... É lógico que ela ia querer experimentar isso também. Porque seus olhos veem as coisas ao redor não com um olhar preconceituoso, mas sempre, com uma vontade de ir lá e ver se é bom ou não. 

Eu sempre digo isso pra ela, mas aqui deixo registrado: Eu quero ser assim quando crescer. Aberto á experiências, a querer saber mais. E é por isso que a amo tanto. Feliz aniversário de relacionamento, Aline Aparecida da Silva Hesse Garcia! Que possamos estar sempre no sofá, comentando filmes terríveis, se emocionando com filmes bons, e sempre fazendo nosso jogo de palavra cruzada, que você também incutiu em mim o gosto...

Ah, o filme? Ela adorou, e agora estamos assistindo tudo que tem de Godzilla nos Netflix da vida. Suponho que a moral dessa história é: a vida tem suas surpresas, e às vezes ela é um Monstro Gigante Radioativo.