domingo, 31 de outubro de 2021

Crônicas do Novo Mundo: Ode aos meus outros vizinhos, as árvores


Morei em uma casa por aproximadamente 27 anos. Na minha terra Natal, Belém, a vida é bem plana (em mais de um aspecto); não temos tantas subidas e descidas quanto aqui pela terra paulista, a não ser que você conte as ladeiras pro estacionamento. Assim, foi com um grande prazer que me vi morando em apartamentos aqui em São Paulo, a vista distante no horizonte, acima das casas à frente, com uma visão do céu boa para ficar refletindo.

Um extra nesse prazer foi a convivência ainda maior com árvores. Parece contraditório - convivência maior com árvores em São Paulo?!- mas lhes garanto que meu contato com estas amigas vindas da flora foi muito maior aqui em Sampa que jamais foi em Belém do Pará, quando elas me pareciam, embora presentes, distante, em seu próprio mundo. Talvez  haja algo de triste nisso, um cidadão vindo de um lugar que é literalmente apelidado de "Cidade das Mangueiras", só vir a ter um apreço maior pela vegetação quando se mudou para uma cidade conhecida pelo seu cinza, mas assim é a vida, cheia de ironias. Antes, eu via as árvores com uma certa reverência; hoje, as entendo como quase amigas, ou pelo menos, companheiras de momentos de silêncio. 

Explicando porque eu comecei a prestar mais atenção nas árvores agora, eu antes vivia em uma casa, ou seja, diretamente na linha do chão. Era difícil para mim, portanto, perceber a grande dança de uma árvore, a forma como as folhas se mexem ao sabor do vento, como cabelos de um estilo diferente. O próprio som das folhas, que eu certamente já tinha ouvido antes, me pareceu mais próximo (porque estava, duh), agora que eu , de um apartamento, conseguia ouvir de perto, e quase tocar nas mesmas... Sim, porque até agora, tive a sorte tremenda de morar em apartamentos que são frente a frente com árvores de Ipê, altas, e belíssimas ao longo do ano, mas em especial nesta primavera que adentramos, maluca que seja. 

Na Pandemia, comecei a prestar ainda mais atenção nestas árvores minhas vizinhas, e quase se pode dizer que estabeleci um "diálogo" com elas: observo suas folhas e sei se o dia será quente e sem vento, ou se ao contrário, haverá uma tempestade em breve, e portanto talvez fosse melhor fechar as janelas antes que tudo voe. 

Muito mais que isso, são estas árvores companheiras da noite adentro, quando está tudo quieto em casa, e eu abro a janela e me permito apenas observá-las dançando com o vento, e em minha mente sou eu mesmo parte daquelas folhas, que talvez saiam voando livres pelo céu, rumo ao horizonte. 


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