quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: No jejum do coração, quem emagrece é a alma


A frase do título desta crônica veio de um conto de Mia Couto, "A Outra", presente em seu livro Na Berma de nenhuma estrada. Às vezes as coisas acontecem assim: você lê uma parte de algo, e o significado inicial da frase (ou palavra) muda radicalmente para o que você tem na cabeça no momento. Ou talvez muito pelo contrário: ao invés de se perde, a frase encontre na sua cabeça o verdadeiro significado - pelo menos, no que quer dizer para si. 

No meu caso, o que estava na minha mente quando li esta frase, foi uma conversa que tive com meus pais esses dias. Pois, como se sabe, o Covid trouxe muitos horrores a nossa porta, mas uma das coisas boas que aconteceram este ano foi o fato de eu me comunicar com muito mais frequência que antes com meus pais - seja por preocupação, seja por simplesmente sentir a falta deles. O fato é que conversamos quase todos os fins de semana, e eles me contam como tem sido as coisas em Belém, minha cidade natal, enquanto esta loucura ocorre pelo mundo inteiro. 

Essa conversa é um luxo, não tanto por eu e eles podermos realizá-la (a internet é um artigo de luxo em nosso país, e uma internet boa o suficiente para isso, mais rara ainda), e sim porque podemos falar um com o outro. Pois bem sabemos que a pandemia veio do nada, como um ladrão na noite, e talvez não estivéssemos preparados o suficiente, como de fato não estávamos. Tão despreparados fisicamente quanto mentalmente, espiritualmente, para a longe jornada de solidão que seguiríamos. 

Neste momento, quantas pessoas sem poder dar um abraço carinhoso em quem amam, seja pela distância imposta, seja pelo impedimento triste de saúde, o Covid funcionando como uma barreira dos sentimentos nos dois casos? Quantas pessoas vagam pelas ruas, correndo perigo, só porque sentem falta de contato humano, ainda que impessoal? A solidão, amigos, era um mal que nos afligia desde sempre, mas que foi agravado com a pandemia. Que em 2021, possamos recuperar nossas almas enlutadas e quebradas, que possamos nos curar uns aos outros por dentro e por fora. A batalha será grande. 


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