domingo, 2 de agosto de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Vozes da Cidade



Contexto é importante, então é o que lhes darei neste momento, antes de qualquer elocubração. Quando eu era criança, meu pai trabalhava para o BANESPA, o falecido banco. Por causa disso, ele vinha com uma certa frequência para São Paulo, ou pelo menos assim me parecia: é possível que ele tenha vindo só uma vez e a viagem ficou em minha mente, mas enfim. No fim, fatos importam menos do que a impressão que eles causam em você, pelo menos no âmbito da memória.

Para mim, naqueles dias, São Paulo era uma metrópole distante, cheia de prédios e mistério. Por causa disso, por muito tempo a cidade teve essa aura para mim. E isso durou muito tempo, de fato, acho que até eu realmente visitar a cidade pela primeira vez, em 2008, eu ainda tinha essa visão de uma coisa do futuro, uma megalópole incompreensível para mim, pobre caboquinho de óculos da Amazônia.

Todo mistério precisa de trilha sonora, e minha trilha para A Sampa da minha cabeça era, curiosamente, Marina Lima. Talvez não tão curiosamente assim: Como eu diss,e eu associava meu pai com São Paulo, e em seu escritório havia um cd da cantora que eu ouvi e, por algum motivo, associei com a cidade. Que importa se ela é do Rio de Janeiro, e se na verdade não há nenhuma música dela, até onde eu saiba, que fale da Paulicéia Desvairada? A mente quer o que a mente quer, e minha mente só conseguia olhar para fotos, e notícias de São Paulo, e imaginar as canções de Marina Lima como pano de fundo.

Demorei muito tempo para entender o porquê exatamente, eu pus a voz dessa cantora especificamente nesta cidade. Não é como se meu pai tivesse somente cds de Marina Lima em seu escritório: na verdade, ele tinha (e tem ainda!) muito mais álbuns do Legião Urbana que de qualquer outra banda ou cantor/cantora. Se fosse por exemplares musicais, então, eu certamente deveria ter associado a voz de Renato Russo com a cidade. Mas não o fiz, e isso foi porque eu não percebi em Renato Russo, a grande dor da solidão urbana que Marina Lima tem em suas músicas.

Ouça qualquer canção de Marina, principalmente ali na décade de 80, e você ouvirá o pop rpock urbano mais doído que poderia escutar. A versão dela de "Me Chama" é, ao meu ver, a única versão com sentimento verdadeiro que a letra pede. "Nightie Night" embala minhas madrugadas escrevendo: mesmo quando não a ouço, sei que ela está em minha mente, em algum lugar. E lógico, todos os sucessos que já pensamos quando ouvimos o nome de Marina Lima: "Fullgás", "À francesa", "Uma noite e meia".... Todas essas canções, verdadeiras vozes de cidade. Mais que músicas, pinturas (que a cantora provavelmente nunca quis evocar) de uma capital urbana, e buscando desesperadamente seus sentimentos, suas emoções.

Então, venho com tudo isso dizer: obrigado Marina Lima, por me preparar para morar em São Paulo. De um fã criador de sentidos próprios, obrigado de coração.

Um comentário:

  1. É interessante as associações que fazemos de algumas músicas e/ou cantores/compositores com passagens de nossas vidas,quem vê de fora jamais entenderá o porquê,na verdade nem nós temos a explicação, apenas sentimos e sentimentos não têm explicação.

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