quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Cold, Cold Heart


O primeiro frio de verdade que eu peguei, não foi em São Paulo. Foi na Europa, e foi um valor negativo, -14. Lembro até hoje, porque como menino vindo do coração da Amazônia, eu nunca tinha sequer passado por nada que fosse abaixo de 17 graus, e isso vindo de um ar-condicionado alucinadamente forte, de uma sala de aula. A sensação que me veio em estar no meio daquele frio cobriu algumas emoções ruins que tive estando naquela viagem em específico, e nuna me esqeuci da sensação. Foi a primeira vez que eu vi neve também, falando nisso. 

O segundo frio de verdade foi menos forte, mas de certa forma bem mais impactante. Era 2015; eu tinha acabado de me mudar para São Paulo, contando então com 27 anos, para estudar mestrado na gloriosa USP. Eu não sabia que aqui havia inverno, ou pelo menos não sabia exatamente o que esperar. Como eu já tinha vivido um frio negativo (a minha experiência na Europa foi bem antes de vir para Pauliceia desvairada), achei que ia conseguir encarar bem os 15, 16 graus que aqui fizessem. 

Eu estava errado. 

É até engraçado lembrar disso agora, que adquiri uma resistência ao frio (ao ponto de minha esposa me apelidar de "forno ambulante"), mas eu realmente sofri com o frio de Sampa. Tentei resistir, num esforço de bazófia que servia para nada, e continuei fingindo que estava tudo bem, mas a verdade se mostrou em uma noite, quando do nada acordei com as narinas doloridas, e com a respiração soltando fumacinha, dentro do kitnet onde morava. Foi quando decidi comprar um mini-aquecedor, que uso até hoje. 

Mas muito além do frio físico, em São Paulo eu sofri o frio interno, espiritual por assim dizer, e por isso creio que ele foi mais marcante para mim. Eu estava sozinho pela primeira vez, numa cidade distante de pessoas que se importassem se eu vivia ou morria. A tristeza de estar sozinho é uma coisa real, e eu acredito que nunca me senti tão só quanto nesses dias. O hedonismo ajudava, mas eu sempre teria que ir para casa, e deitar, e sentir o frio dentro do coração. 

Hoje, eu sou casado com uma mulher que me chama de sol, mas que é ela em si, o sol que aquece minha vida. Mas ainda assim, em dias frio como os que teremos nesta semana (aparentemente uma "onda histórica de frio", nas palavras da BBC Brasil), eu olho para fora e penso, humildemente penso, naqueles dias e nas marcas que eles me deixaram; penso nas pessoas que moram nas ruas, e sofrem mais do que nunca em dias frios como esses, mas que também sofrem em dias quentes, porque São Paulo muita vezes parece se orgulhar de ser uma cidade que não se importa; e penso também em todas as pessoas que agora, em meio a uma pandemia e crise, ainda tem que carregar dentro de si seu próprio frio no coração, seja de uma forma ou de outra. Este frio tão forte, tão dolorido, que chamamos Solidão.

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