segunda-feira, 22 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Neon Demon

Fonte: PS Store

A obsessão atual com os anos 80, e talvez o começo dos 90, não é de hoje, na verdade. Se bem me lembro, ela começou como uma semente ali pelo começo de 2001, 2002. Certamente não estava presente nos anos 90, pelo menos até aonde me lembro: talvez estivéssemos perto demais para sentir saudade, próximos temporalmente, ansiosos pelo que o futuro traria.

E eu posso entender bem isso. Os anos 80 foram uma período bem terrível no Brasil e no mundo, algo como que uma cereja no bolo de cocô que foram os anos 70 e 60, particularmente no âmbito social. É claro que havia um afã econômico em muitos lugares, mas os direitos sociais eram engolidos a passos largos, ditaduras eram impostas sem cessar, gerações e gerações eram sufocadas pela  vigilância paranóica e violência. Quando vieram os anos 80, com sua grave crise econômica e a eminente guerra nuclear, acho que não veio ser realmente uma surpresa para ninguém.

E quando eles acabaram, tivemos os anos 90. E que respiro deve ter sido, sair de um período sombrio com novas possibilidades. A Guerra Fria estava terminada, a Ditadura Militar no brasil devidamente encerrada, com eleições diretas e tudo.  Em todo o mundo, países se reconstituíam, ditaduras caíam. Podia-se finalmente buscar a cura para o espírito sofrido, superar os fantasmas do passado e construir um mundo novo, um mundo forte.

Mas não foi isso que aconteceu, não é mesmo? As sociedades ocidentais falharam em lidar com seus demônios. Como um indivíduo traumatizado que não consegue superar devidamente seus demônios, o mundo ocidental tratou de buscar desesperadamente um demònio novo, qualquer coisa. Drogas, Saddam Hussein, guerras na África e Oriente Médio. No Brasil, boa parte de nosso tempo foi tomado tentando resolver uma grave crise econômica (algo que é meio que um esporte nacional mais representativo que futebol), mas nunca sequer paramos para curarmos as feridas, chorarmos os mortos, consolarmos os inconsoláveis, prendermos os responsáveis. Isso nunca aconteceu, nem mesmo em um nível simbólico.

E hoje, ouvimos as músicas assombradas pelos anos 80, e a moda da época retorna; os filmes, frases, jogos e ações aparecem por todo lado, numa imitação perversa, de certa forma. Sim, porque o que estamos fazendo é muito simples: queremos voltar àquela época, onde o futuro ainda existia, onde havia a esperança de um algo melhor. Não queremos os anos 90: estes são muitos reais, muito demonstradores da nossa falha em alcançar o Eldorado da paz. Queremos os anos 80, porque ali há o doce bálsamo da enganação, da falsa esperança eterna.

Não queremos crescer, nós que nascemos naquela época, porque crescer implicaria em mudar o mundo pelas nossas forças, então preferimos emprestar nossas  forças para ícones do passado, tnato em cultura como em política. Não queremos que nossos jovens cresçam também, não por si sós: queremos que engulam a mesma coisa que engolimos, sejam como que uma versão mais nova de nós mesmos, porque a mudança nos assusta.

Mas ela está vindo. Devagar, e sempre. E quando ela vier, ou ajudamos, ou saímos do caminho.

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