quinta-feira, 6 de maio de 2021

Crônicas do Novo Normal: Pessoas, Coisas, Representações

Fonte: Site Jovem Pan

Morreu anteontem o comediante Paulo Gustavo , e as pessoas na internet ficaram profundamente sentidas. Isso tem causado alguma surpresa em alguns, como se já tivessem esquecido todas as vezes que alguém mais famosos morreu e as pessoas tiveram uma reação muito parecida. Me pergunto se essa surpresa toda vem de um lugar de desconhecimento mesmo, ou de pura e simples antipatia, já que parece ser crime ser afetado por mortes hoje em dia. Tentando ser otimista, considerarei ser a primeira opção o caso destes que dizem "ué, agora ele é um mestre?"

Mas eu confesso que essa morte me fez pensar muito também, sobre quando as pessoas não são mais as pessoas que vemos em si, e as coisas não são mais as coisas  que temos em mãos. Explico: às vezes temos um objeto favorito, certo? Uma caneca, um livro, algo assim. E quando nos perguntam por que aquele objeto em especial traz tanto conforto assim, não sabemos explicar. É quando caímos na armadilha: tentamos explicar os mínimos detalhes do objeto, sua procedência, como esta coisa realiza sua função. Mas toda essa explicação não vai chegar, nunca, no que exatamente o utensílio representa para você. 

Com as pessoas acontece algo muito parecido: por vezes você encontra alguém, e a sensação é de total empatia. São pessoas que você sente que poderiam muito bem ser suas amigas em muito tempo, talvez até mesmo membros de uma família que só existe na sua cabeça: a mãe que nunca se teve, o irmão que sempre se quis ter. Você pensa isso, mas também não consegue explicar direito porque, ou pelo menos não de uma maneira que não soe copiada diretamente de um especial da Malhação. Isso porque estamos falando aqui de emoções, sentimentos, e frequentemente palavras atrapalham muito na expressão das sensações que temos. E no entanto, só temos elas para isso! 

Como isso chega em Paulo Gustavo?  Por causa de uma conversa que tive com Aline, minha companheira contra o mundo. Falávamos da morte deste ator, quando ela me disse algo que me tocou profundamente: - Parece que as pessoas estão mais sentidas com a morte dele, porque ele pôs uma cara nas vítimas. Ele era uma pessoa que tinha uma grande admiração da maioria das pessoas no país, e com a morte dele por Covid, talvez as pessoas estejam vendo, de novo, a representação das mais de 400 mil mortes no país....

Não pude deixar de concordar com ela. O papel de um comediante como ele, é muitas vezes de nos fornecer esperança, conforto e uma fuga dos desafios da vida. Mas ele não era só um comediante (como quem viu a trilogia minha mãe é uma peça bem sabe): Ele também era um ator talentoso. E enquanto ator, ele tinha (e tem, posto que sua obra nunca morre) o dom de nos provocar emoção, pensamento, discussão, consciência . Talvez tenha sido esse o papel final de Paulo Gustavo: o de emocionar quem ainda não tinha se tocado pelas mortes de tantos e tantos. 

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