quinta-feira, 15 de abril de 2021

Crônicas do Novo Normal: Um Olhar Interno


Quando eu vim para São Paulo, a seis anos atrás, eu tinha uma imagem muito forte de mim mesmo e do mundo ao meu redor. Era, é claro, uma visão formada pela experiência de vida que eu trazia dos 27 anos que vivi em Belém do Pará, mas também das pessoas com quem convivi, e das situações pelas quais passei. Como com muitas pessoas, eu tive momentos bons e ruins na minha cidade natal; e como todos que convivem em uma sociedade abertamente conservadora, eu fui formado como um homem desta sociedade, com todos os deméritos que isso implica. 

Com isso quero dizer que eu era uma pessoa muito diferente de quem sou quando cheguei na pauliceia desvairada, em 2015. Haviam traços da pessoa que eu queria ser já formados ali e que não concordavam com os pontos que Belém me oferecia - a saber, as visões que se tinha sobre  cultura, direitos humanos, questões de gênero, etc. A forma como eu tratava as pessoas, porém, era baseada muito menos nas ideias que eu tinha, e mais na imagem que eu queria passar para a sociedade ao meu redor - um homem culto, hipersexual, capaz de discutir sobre samba e ópera na mesma respirada. 

(Importante dizer que eu não era exatamente assim: mas tentava ardentemente passar essa imagem). 

Quando comecei a terapia, em 2017, essa foi provavelmente uma das primeiras coisas que eu comecei a rever em mim, a necessidade de projetar uma imagem que agradasse o Outro, esse indivíduo que é todos e não é ninguém em especial. Foi uma labuta, e de fato ela ainda continua: velhos hábitos tendem a morrer de maneira difícil, e ainda tenho muito a rever dentro de mim, e do que passo para fora de mim, toda a raiva e frustração e angústia que sinto, vindas de antes... O tempo demora a curar essas coisas, suponho, mesmo com ajuda profissional.

Quando você começa a enxergar além de si mesmo, além do seu próprio bem-estar, você começa a entender o sofrimento do outro, as desventuras que ele passa; ou talvez o termo aqui seja, você começa a se permitir entender o sofrimento do próximo, já que creio que, como eu, muitos no Brasil tendem a desligar essa chavinha de empatia por puro conforto perverso, para não se sentirem mal quando tantos morrem, tantos sofrem. E é uma posição forte hoje em dia, esse individualismo destruidor. Mas talvez seja hora de fazermos o reverso, e tentar salvar o que nos resta de alma, pelo bem de todos.


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