terça-feira, 27 de abril de 2021

Crônicas do Novo Normal: "Já estive no paraíso, mas nunca estive em mim"




Em 2015, quando cheguei em São Paulo, eu não era um homem feliz. Mal era uma pessoa completa: já falei em crônicas passadas de como eu costumava mergulhar nas noites paulistanas e voltar na manhã seguinte, vazio e deprimido, quase um clichê de filmes britânicos com jovens mergulhados em tristes cotidianos que quisessem afogar a lacuna dentro de si com hedonismo. Junto de mim, tinham várias outras pessoas na mesma condição, o que me levou a pensar se isso não era uma condição sine qua non do paulistano médio.

O tempo passou, eu sofri calado, conheci uma pessoa maravilhosa que me ajudou a sair das trevas, e hoje cá estou; mas nunca esqueci aqueles tempos caminhando no escuro interno d'alma. também descobri que essa busca de preencher o vazio, longe de ser algo restrito aos cidadãos daqui da Pauliceia Desvairada, é uma condição quase global. As pessoas buscam a felicidade de qualquer forma, e são repetidamente rechaçadas, algumas já desde cedo, quando aterrissam numa família despedaçada, presas com alguma pessoa que preenche seu vazio com o sofrimento de outrem. Outras nascem com tudo, mas ainda assim lhes falta esse  je ne sais quoi, este elemento X que lhes tornaria plenos. E aí, toca mergulhar em bebidas, sexo, drogas, buscando algo que satisfaça isso, ou pelo menos anule a dor da lacuna. 

Se você pensa que a quarentena e a pandemia serviram para diminuir esta tensão  (pois em teoria, há coisas maiores para se preocupar no momento), enganou-se redondamente. Na verdade, é mais capaz da situação toda ao nosso redor ter aumentado essa questão toda: nada torna o ser humano mais reflexivo sobre sua existência que a consciência da morte, e é claro que ficar parado por um tempo imenso em casa vai suscitar reflexões profundas, quer o vivente queira ou não. 

(Estamos falando aqui de pessoas regulares, não considerando-se presidentes psicóticos bebês-gigantes)

Posso falar apenas de mim, é claro, mas uma coisa tem feito bastante efeito positivo em minhas buscas por preencher a lacuna, e esta coisa é paz interior. Ela vem nos momentos mais insólitos: ao afagar um gato travesso; ao molhar as plantas que temos aqui em casa na sacada; ao estar no sofá com minha esposa vendo reality shows, rindo e julgando a vida alheia. São esses os momentos que tem feito ser possível passar por tempos tão conturbados, e não nada tão grandioso quanto uma festa, um bacanal, algo assim. 

Me pergunto qual o caminho da paz que as outras pessoas tem conseguido fazer. 

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