domingo, 28 de março de 2021

Crônicas do Novo Normal: Questions In A World Of Blue



Hoje finalmente choveu aqui na Pauliceia Desvairada, e o frescor da chuva trouxe o cheiro de vento e terra, e me lembrei de repente da minha Terra Natal. É uma sensação bem ambivalente, diga-se, porque  eu não sou um dos maiores fãs de Belém do Pará: de fato, considero a cidade como uma das mais intolerantes e complicadas de se viver que eu conheço, excetuando-se talvez viver no Sul com seus racismos. Belém carrega em si o mofo da falsa riqueza, de se considerar acima de outras cidades no próprio estado do Pará e de outras cidades na região amazônica. Junto desse mofo, há o horror ao diferente, e tudo que não seja milimetricamente organizado nas caixinhas de ordem que se tem por lá, tende a ser ou massacrado, ou morrer uma morte lenta, definhante. 

Contudo, nem tudo são horrores. Nem poderiam ser né; afinal, vivi no Pará por 27 anos. As memórias mais doces que tenho, porém, tem menos a ver com as pessoas e mais a ver com as sensações; o barulho da chuva intermitente no telhado de casa (agora, casa dos meus pais); o cheiro dos livros antigos na biblioteca do Centur, o centro cultural da capital; a sensação de frescor úmido que se tem quando chove até quase de noite, e você sai andando para ir comprar um pão, ou algo assim. 

Fiquei então pensando, enquanto olhava a chuva cair, nessa dualidade de sensações, de posicionamentos mesmo. Preto no Branco, Bem vs Mal, Água e Fogo; ilusões tão estabelecidas nestas nossas vidas. Tantas coisas que necessitamos desesperadamente pôr em caixinhas, tal qual fazem lá em minha cidade natal - e como fazem muitos acéfalos que desesperadamente precisam de simplicidade torta para aceitarem o mundo, que precisam que haja um Presidente que os guia, que os justifica em sua insanidade negacionista. Pessoas que não conseguem entender a complexidade do mundo. 

Quando se é criança, supõe-se que tudo que você assiste e vivencia é um elemento de construção perene; é por isso que o período infantil é tão importante para o desenvolvimento do infante, é ali que ele vai aprender como funcionam certas coisas, como funciona a própria casa onde ele vai morar por muitos anos, com a graça do Universo. Então crescemos, saímos, e percebemos que cada casa tem seu mundo, e que respeitar as diferenças é vital, além de ser do bom convívio - exceto quando a casa que se está visitando põe-se a grosseiramente nos agredir. 

Me pergunto se as lições da infância, que deveriam evoluir conosco, não ficaram engessadas nesses tempos. É de se pensar isso, tamanha a infantilidade que nos cerca. E fiquei, pois,  pensando nisso,  enquanto a chuva caia e o vento uivava pelas ruas vazias do meu bairro. 

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