sábado, 6 de março de 2021

Crônicas do Novo Normal: Elogio ao ócio



Oscar Wilde dizia que a verdadeira arte sempre afetaria nossas emoções antes de nossos intelectos, e eu acrescento: para isso acontecer é preciso se dar um pouco de tempo para sentir o que se tem para sentir, parar e cheirar as flores, por assim dizer. Mas como fazer isso no mundo de hoje? Sim, pois me parece que tornou-se um verdadeiro crime de postura, para muitos, o simples fato de parar e observar a si mesmo, quanto mais não diriam de parar e observar uma obra

Parece um tema menor para estas crônicas, e talvez seja; mas isso o torna menos digno de se considerar? Ademais, não creio que seja realmente algo supérfluo: ao contrário, acredito que o direito de "bestarmos" é algo absolutamente importante, tanto que pessoas poderosas estão fazendo o possível e o impossível para tomar de nós até mesmo essa liberdade. Não falo nem da liberdade de poder parar e apreciar um livro, quadro, novela, o que for: falo realmente de poder parar e ponto. Olhar os lírios do campo, arrancar capim, andar a esmo (embora essa atividade esteja realmente um pouco em pausa nos dias atuais). 

E não pense que isso é uma teoria de conspiração furada, analise você mesmo: quando foi a última vez que você teve um tempo para descansar, mínimo que fosse, e não se sentiu culpado por, sei lá, não estar arrumando a casa, ou organizando talheres, ou o que for? O mundo, tal como existe, nos faz querer produzir, produzir, o tempo todo, e nos afasta da nossa mente. Somos corpos que caminham , trabalham e não sentem direito, só pela metade. 

O ócio foi criminalizado. É hora de resgatá-lo da lama. 

Que possamos ficar parados sem fazer nada, e não nos sentirmos inúteis; que ouvir Enya não seja um motivo de piada, e sim entendido como uma forma de se conseguir a paz interna. Que, aliás, toda forma de se conseguir suavidade na alma seja respeitada, desde que ela não machuque ninguém nem cerceie a liberdade de um semelhante. Em suma: que possamos entender bem nosso coração sem sermos considerados piores por isso; afinal de contas, é ele quem toma pelo menos metade das decisões em nossas vidas neste plano. 

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