sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: up is down, left is right.


Esses dias, o grande Casagrande (sem trocadilhos), citou o igualmente fabuloso Milton Nascimento, e falou da situação de jogador do Santos, um grandessíssimo covarde e sem caráter que escapou de sua condenação na Itália por estuprar uma moça albanesa. Esse senhor, comportando-se como um grande criminoso, evadiu-se da justiça e aqui está, no brasil, usufruindo de sua riqueza e dizendo-se inocente. E também, diga-se, amplamente abraçado pela sociedade que gosta de futebol. Não se pode julgar assim do naa, eles dizem. Há que se ver todos os ângulos, eles dizem, ignorando que este mesmo jogador já foi condenado em primeira instância, algo que parecia dizer muito mais a eles quando se aplicava a prender quem eles queriam preso. 

Quando digo eles, eu infelizmente quero dizer a grande maioria da sociedade brasileira - ou ao menos a parte que fala mais alto. E não me refiro apenas a futebol, embora se eu fosse fazer isso haveria uma série de pessoas que tiveram sua conduta lamentável perdoada simplesmente porque sabiam chutar a porcaria de uma bola (digamos que este jogador em questão não é o único calhorda que saiu do Santos). Não, o fato é que Casagrande estava certo, quando falou que a sociedade parece estar perdoando bastante comportamentos execráveis, normalizando mesmo estes. Isso, num país que nunca foi realmente um exemplo de  tolerância e virtudes. 

Cada vez mais, estamos abraçando a infâmia; o resultado disso vê-se nos líderes que escolhemos, nas atitudes que tomamos. Que espécie de pessoa ia escolher rir de violência e sofrimento humano nas telas da TV? Que ser humano ia sentir-se confortável culpando a vítima por seu infortúnio? Ah, mas também, andando naquela rua.... Ah, mas olha a roupa que ela usava.... Sempre a culpa é do sofredor, nunca de quem lhe causa sofrimento. Talvez o medo nos faça assim; afinal, é mais fácil entender que o outro caiu em tormento por sua própria falta de cuidado, assim eu posso tomar o cuidado que ele não tomou, e sobreviver. Buscamos a razão em meio do caos, e quando não conseguimos, abraçamos essa violência como nossa, e quem não concorda é o fraco, o pária. 

E no entanto, acho que é possível mesmo ver uma melhora dentro da piora, por incrível que pareça. Pois mesmo estes casos mais absurdos, como o do jogador estuprador, nos parecem horríveis e escabrosos porque estamos mais de olho, e porque nos vemos demandados a encarar este horror - coisa que e garanto que nunca aconteceria 10, 15 anos atrás. Porque a naturalização do horror era tão natural naquela época, que nem sentíamos, simplesmente praticávamos e seguíamos em frente. E agora, podemos ver sem as vendas que pusemos em nós mesmos, ou pelo menos alguns de nós podem. Que estes virem a norma, e não a exceção. 


Um comentário:

  1. Nosso país é Hipócrita,sempre foi. Só que hoje parece que upamos alguns níveis disso.

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