quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Crônicas da Cidade pandêmica: September of my Years


 A mente é uma coisa curiosa, e o coração humano algo mais misterioso ainda. Pois não me parece nem dois, três meses que eu estava morando na casa de meus pais, e ouvindo resignado os bregas de meu velho vizinho Zilomar, quando na verdade já fazem bem quase 6 anos desde que me mudei para São Paulo, começar uma vida nova (ou talvez, ver uma vida nova ME começar). Seis anos como neo-paulista! Talvez nesse meio tempo, já me tenham surgido os filtros de nariz necessários para respirar a poluição daqui. 

Falei de mente porque queria ilustrar como nossas lembranças são facilmente distorcidas (e nestes tempos de quarentena, elas são bastante!), e falei de coração porque hoje me vejo num momento curioso: o de ser eu o vizinho do brega. Ocorre que eu, desde muito cedo, não consigo me lembrar de nenhum fim de semana da época que eu morava na casa de meus pais, que este meu vizinho não tocasse bregas clássicos em seu som, com a felicidade dos nostálgicos. E naquela época, eu era um adolescente, então é claro que eu não queria ter nada a ver com aquelas músicas... e por isso, eu ficava um pouco ressabiado de ter de ouvir as músicas de meu velho vizinho. Você sabe, a eterna posição do jovem contra o mundo.

No entanto, quando me mudei para São Paulo ( e lá se vão quase 6 anos, como eu disse!) eu confesso também que senti falta dessas músicas. Veja, meu pai e minha mãe sempre ouviram músicas mais clássicas, e mesmo algumas internacionais, e eu estaria mentindo se não dissesse que eles formaram boa parte do meu gosto musical. Contudo, seu Zilomar, com seus bregas intermitentes todo fim de semana, foi também ele um grande influenciador das canções que tocam em minha mente; de sorte que me vi forçado a repetir o ritual que ele mesmo, sem saber, me ensinou. E todo fim de semana desde então, eu toco os bregas paraenses, e bregas brasileiros dos anos 60, 70, 80. 

Uma dessas canções mais "cafonas" como alguns diriam (ou nem tanto, a bem da verdade), é justamente Manhãs de Setembro, da grande Vanusa, atualmente convalescendo mas em recuperação, pelo que ouvi dizer. O ritual ali, era certo: Seu Zilomar tocava essa música todo começo de setembro. A princípio, foi engraçado, mas com o passar dos anos, tornou-se algo que até me chateava: "De novo essa música! Ele não tem outra não?"

Amigo leitor, eis-me aqui, pagador de pecados, tocando todo mês de Setembro a música de Vanusa. Porque o que antes me chateava, aborrecia, virou o tempero das lembranças: não importa se é Setembro, Outubro , Novembro. Essa música, como tantas outras, é parte do meu passado, e quando a ouço, não sou mais um homem de 32 anos, preocupado com o mundo, com as mortes que nos rodeiam, com a doença letal que um idiota no poder nem se preocupa a respeito: sou novamente, um menino paraense, que vai tomar café da manhã e ler quadrinhos, que quer sair, quer falar, que quer ensinar o vizinho a cantar. E creio que assim será por anos, e um dia, quem sabe, além de influenciar meus filhos que virão, não terei eu tocado sem saber o coração de um jovem vizinho, tal qual seu Zilomar tocou o meu. 


Um comentário:

  1. Ai que lindo, amor! Saiba que vc tocou meu coração ao me apresentar essa música. Agora ela tb faz parte de mim :)

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