quarta-feira, 8 de abril de 2020

Crônicas da cidade pandêmica: I got you, babe

(Fonte: Getty images)
Acredito que não seja segredo para ninguém que ficar trancado em casa sem possibilidades de sair, seja uma tarefa mais difícil do que parece. Para começar, a própria probição de sair parece dar no indivíduo a vontade ainda maior de descumprir a quarentena, já que o ser humano é antes de tudo um rebelde, pelo que parece. Talvez seja isso que acomete tantos idosos que vejo andando nas ruas ainda: a certeza de que já viveram o suficiente para poderem fazer de si o que bem entenderem. É um erro que pode ser fatal, como muitos exemplos tristes tem demonstrado, mas ainda assim é algo humano, demasiadamente humano.

Resta aos que seguem rigorosamente o isolamento buscar atividades para fazer em casa, depois de cumprida a jornada home office do dia. Antes haveria uma caminhada no parque mais próximo de sua casa, ou quem sabe uma caminhada rápida para lanchar no fast-food  mais próximo, a junção máxima de exercício e recompensa errada. Isso tudo foi trocado, pelos próximos dias (meses?), pelo delivery acanhado tentando evitar a máximo o contato físico, e pela corrida rápida dentro da própria sala, de um lado pro outro - ou talvez uma volta rápida ao redor do prédio onde se mora, se tiver sorte.

Aqui em casa, as coisas tem sido um pouco mais tranquilas, quanto mais não seja porque somos um casal um tanto caseiro. De fato, a maior parte das atividade que fazíamos antes continuam as mesmas, embora algumas tenham aumentado em intensidade. Por exemplo, a completa perplexidade na idiotice do presidente no poder, um hobby nacional desde pelo menos 2019, aumentou em pelo menos 50% em força, e agora é acrescido da saudável expurgação desta raiva através de xingamentos gritados da varanda do apartamento. Apesar do que possa parecer, é uma atividade bem calorosa, com participação ativa da vizinhança. Provavelmente foi a primeira vez que eu interagi com a nossa vizinhança de uma maneira  mais lúdica e ativa.

Outras atividades menos comunitárias tem seguido também seu curso: séries, filmes, conversas ao anoitecer, músicas. Mas principalmente, e essa talvez seja a melhor de nossas ações juntos, continua também aquele momento que, sem dizer nada, seguimos para alguma janela e olhamos o céu em silêncio, e sentimos o vento (às vezes frio, às vezes cálido) da cidade. Não sei dizer exatamente o que ela pensa: as divagações de um indivíduo são um conforto privado que não devem ser esmiuçado à toa. Mas sei que também eu tenho cá os meus pensamentos, e naquele momento  isso nos basta. E sonhamos e olhamos juntos para o horizonte, longe de tudo que nos aflige, voando tranquilos com o vento que nos afaga o corpo.

PARA OUVIR: I got you Babe

PARA LER: Sopra o Vento, Sopra o vento

Um comentário:

  1. Olhar JUNTOS para o MESMO HORIZONTE,sem trocarem,sem trocarmos uma única palavra,muitas vezes o SILÊNCIO diz TUDO e ISSO BASTA.

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