segunda-feira, 6 de abril de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Olhai os lírios do campo

(Fonte: onegreenplanet.org)

Dia sim, dia não, eu e minha esposa saímos do nosso apartamento para dar uma volta. Antes que voem as pedras em nossa direção: não estamos saindo nas ruas para nenhuma aventura pandêmica. Acontece que moramos em um condomínio no coração do Rio pequeno, e somos afortunados deste mesmo lugar ter espaço suficiente, por trás de muros e portões fechados, para caminharmos e tomarmos um sol, algo que nem nos dávamos conta do quanto era importante e que agora, privados de poder sair normalmente, sentimos necessidade de ter. 

Caminhamos conversando sobre as atividades do dia, sempre atentos a possível presença de mais algum morador mais a frente, algo que se ocorrer resulta numa estranha e triste dança, onde cada um dos envolvidos tentar desviar o mais longe possível do outro, andando lentamente em passos envegonhados mas resolutos. Em nossso rosto, o sorriso sem graça que diz "Me desculpe, mas não posso arriscar". É algo melancólico de se ver, essa pantomina,e mais ainda se torna quando vemos no rosto da pessoa a vontade de dar um bom dia, ou de sacudir as mãos num gesto cordial. Que nunca mais se diga do paulista como um ser anti-social: vi de primeira mão que a fome de contato neles é tão grande quanto de qualquer brasileiro. 

Como desviamos (precisamos desviar...) de nossos vizinhos e companheiros de peste, nossa principal companhia nessas breves caminhadas são o céu azul, as plantas e as árvores de dentro do condomínio, pois há muito tempo decidiu-se que aqui não haveria só o cinza, mas também um pouco de verde. Decisão essa mais que acertada, ainda mais em tempos como os atuais. E veja só, quão exuberantes elas estão! O céu decidamente mais azul, as plantas vívidas com insetos e abelhas as quais não me recordo ter visto antes. Bem ali, as árvores, estas velhas guerreiras de uma batalha de resistência contra o avanço destrutivo da força a que chamaram progresso: pois estas mesmas agora balançam serenas, ao sabor de um vento que não carrega por hora, o fedor da poluição trazida pelos ônibus e carros em excesso. 

Longe de mim repetir aqui a velha frase pessimista, que os aponta como "vírus" que destroem o planeta. Não acho que isso seja necessariamente verdade. Creio que também nós somos parte dessa exuberância, mas talvez tenhamos escolhido esquecer disso por húbris. Porém, quando penso na dor que sentimos ao nos afastarmos de nossos semelhantes, e lembro que não temos nem sequer um incômodo ao ver o ambiente ao nosso redor se esvaindo, me pergunto se estes dias tristes poderiam nos fazer pensar um pouco mais a respeito disso, da nossa ideia do que é parte integrante de nós mesmos. 



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