quinta-feira, 23 de abril de 2020

Crônicas do Passado: O tempo, essa espiral eterna

No one can control time, por Poojitha Jagini
Publico aqui uma crônica que escrevi em janeiro deste ano, quando a pandemia parecia tão distante que nem valia a pena considerar. Parecem anos agora... Mas acho que vale a pena ler e pensar em como éramos antes, pra poder entender que caminhos tomar depois de tudo isso, ali na frente, depois dessa escuridão toda. Andiamo, andiamo. 


Todo trabalhador em São Paulo, encarando horas de lotação e baldeação, tem um quê de filósofo, quanto mais não seja pela força do observar pelas janelas sujas do ônibus. Eu também me classifico assim, e portanto, dia desses, eu estava olhando e pensando, humildemente pensando, nos rumos que as vidas tomam nesse nosso país, mundo, plano de realidade, tudo isso num também humilde busão. O que, incidentalmente, talvez seja um dos melhores lugares para divagar; na melhor das hipóteses, é uma distração daquele cansaço absurdo pré-trabalho que acomete a todos nós, trabalhadores, que saímos nas horas mortas da manhã, quando o dia não acordou ainda. O ócio criativo de 40 minutos a uma hora, ou quanto tempo tenhamos antes de chegar aos trabalhos.

Mas eu falava dos meus pensamentos específicos naquela manhã, e eles todos apontaram para uma direção: aprendizado, essa palavra-tudo. Olhamos nossa vida, pensamos nos rumos que tomamos, e sempre em alguns pontos vemos os velhos erros e acertos, repetindo-se, tal como marcos desgastados de rumos já trilhados. E se assim for, será que estamos seguindo em frente, ou andando em círculos? Não tenho respostas: também eu tenho meus marcos errados pelos quais sempre passo, e nos quais sempre paro e reflito, ou me angustio, dependendo do que vejo.

Pensando nisso, surgem à mente uma série de outras reflexões, embaladas pelo sacolejar do velho ônibus .E se os velhos marcos, e os caminhos espiralados, forem verdadeiros tanto para o indivíduo quanto para a vida humana em geral? E se, assim como cada pessoa, a humanidade como um todo também escolha ignorar seus erros,e seguir em círculos, mudando apenas a forma como anda? Longe de mim tornar este pequeno texto um grande debate, até porque nem me refiro exatamente à política. 

Contudo, por vezes olho para as décadas passadas com minhas lentes de historiador ocioso, e observo seus filmes, canções, obras.... e não posso deixar de pensar que elas estão tentando me dizer algo ali, como que um clamor de atenção, talvez. Muito se fala do zeitgeist, o jeito alemão de se falar do espírito do tempo que define gerações em cada época. Talvez as obras de arte estejam ali como reflexos destas épocas, ecos translúcidos dos obstáculos, sentimentos, inspirações e aspirações de cada período. Talvez as nossas saudades de um tempo que não vivemos, seja porque vemos nestas fantasmagorias um reflexo de nossas barreiras físicas e emocionais, uma razão para nossas lágrimas enterrada no passado.

Se assim for, se cada época tiver em si um reflexo do futuro, então não há avanço em absoluto, apenas caminhadas diferentes, joggings metafóricos em ritmos diferentes . E cada período humano perpassa pelos mesmos erros de antes, apenas com mais tecnologia, ou talvez as repetições sejam propositais, e na verdade seguir em frente seja menos uma consequência e mais uma decisão, em grupo ou individual. A História como uma peça de teatro, casa cheia, toda noite de um século.
Eis um pensamento intrigante. Vou ter que deixar um espaço mental na volta do trabalho, ou talvez na hora do almoço.



PARA OUVIR: TIME

Um comentário:

  1. Pensamentos que nos fazem companhia nas horas em que estamos cercados de pessoas e ao mesmo tempo sozinhos com nosso EU.

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