terça-feira, 30 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Em algum lugar do futuro


Eu e Aline começamos a ver a segunda temporada de Dark. Já tinhamos visto a primeira a algum tempo atrás, acho que foi em meados de novembro, dezembro. Aí, seguimos para ver outra série, outra coisa assim. Não somos fominhas de "zerar" uma série de uma só vez, ainda mais algo complicado como Dark; antes, preferimos ver a temporada e digerir mentalmente a coisa toda, ver se lembramos o diabo do nome de tanta gente loira e branca tudo parecida, e depois ver como seguimos adiante.

Até aqui, a temporada tem sido boa, rendendo uns bons nós na cabeça, e olhadas entre eu e minha amada esposa, quando não entendemos lhufas de que época as coisas acontecem, aonde está acontecendo, quem está falando, etc. No mais, é mais simples que seguir a política brasileira atual. Na verdade, acho que ser brasileiro é uma vantagem enorme para ver a série: estamos acostumados a um emaranhado de pessoas fazendo bostas monstruosas ao longo dos tempos. Chamamos isso de História Nacional.

Mas eu vim aqui falar do que eu fui pensando ao ver Dark, e foi exatamente sobre tempo. Iria eu, caso fosse possível voltar ao começo deste ano, avisado a mim mesmo de alguma coisa, me ajudado a me preparar melhor? Com certeza eu teria avisado meus pais para não comprarem a passagem para me visitarem em Abril, viagem essa que, lógico, nao foi realizada e que não sei muito bem se houve reposição do dinheiro gasto pela companhia aérea para meus pobres pais. Talvez avisasse a mim mesmo para aproveitar e ir num parque o quanto antes com minha esposa; tínhamos, por aquelas alturas, acabado de voltar do Espírito Santo, numa viagem de família com minha sogra, cunhados e sobrinho, e eu estava muito empolgado para viajar mais e conhecer a natureza. Adiei um pouquinho demais, infelizmente. Por outro lado, sem dinheiro, tudo é adiado. Perguntem ao meu óculos velho.

Mas e seu eu pudesse voltar ainda mais, eu pensei, será que mudaria algo mais profundo na minha vida? É uma questão difícil. Nieztche mesmo, falando do Eterno Retorno, propunha a questão se, caso vivessemos a mesma vida infinitas vezes, se isso seria algo bom ou um castigo horrendo. Somos formados pelas nossas escolhas passadas: quem eu sou foi formado pelos meus erros, infortúnios e tragédias do passado, junto com as vitórias também, é claro. E a verdade é que, com todo meu sofrimento passado, eu não consigo me imaginar outra pessoa, o que implica em dizer que eu não consigo me imaginar mudando as coisas de antes. Mudar uma coisa aqui ou ali implicaria eu nunca conhecer, por exemplo, minha esposa, e isso já é um preço alto demais para mim.

Assim, fico com meu humilde eu de agora mesmo. Sou feliz com obstáculos tipicamente brasileiros - e o que mais eu poderia querer? A única mensagem que eu ia mandar para meu eu do passado seria: "Cara, pode me acreditar,tu vai ser putamente feliz!"

"Ah, e joga cinquentão no macaco do jogo do bicho, tu vai me agradecer"

domingo, 28 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Aberturas e Fechamentos

Fonte: Site metropoles.com

O tema atual é a reabertura pós-pandemia. E o que podemos falar a respeito disso? Nada de muito forte, visto que não estamos numa situação pós-pandemia. Ao contrário, o Covid-19 nunca terminou por aqui, ou mesmo diminuiu tão sensivelmente assim. E  no entanto, as pessoas parecem não ter entendido que ela continua, e saem felizes das casas, cantando alegremente um recomeço que não é real.

O Brasil está terminando um isolamento que nunca começou de fato. E falo isso não pelos pobres trabalhadores essenciais, e sim pelos safados que fazem festas pelas horas da noite, celebrando o fato de poderem fazer festas quando muitos se isolam e temem. E eu gostaria de dizer que são apenas os seguidores de Bolsonaro e sua trupe de calhordas - mas eu teria então de admitir que a maior parte das pessoas é seguidora dele, e isso é um prognóstico dos piores.

Não, infelizmente a verdade é que as pessoas só fecharam-se em si mesmas, e não importa mais o próximo. a maioria das pessoas está ali, e observa sua família, e vê que nada aconteceu: este é o momento que o pensamento vem: se nada aconteceu comigo, a doença não existe. Não tenho por que me cuidar, é tudo uma invenção. Ou então, é algo mais visceral mesmo, a ideia de que você é especial, você é o abençoado. Todas as mais de 57 mil pessoas mortas, essas não tinham Deus no coração, mas você, que dorme no culto, que chifra a esposa, que rouba do mercado sem precisar; você sim é o abençoado. Você é o imune da Pandemia.

A reabertura da sociedade no meio de uma pandemia só é possível graças a um fechamento do coração das pessoas - pelo menos, das pessoas que estão no comando desta mesma sociedade. Mas não só delas: aqueles que festejam, que não seguem as questões de segurança BÁSICAS para evitar a disseminação, estes são coniventes, e portanto culpados também. E quem mais vai sofrer, ao fim de tudo, é a parte mais frágil. Rezemos pelo melhor, porque é a única coisa que nos resta. 


quarta-feira, 24 de junho de 2020

Relatos da Cidade Pandêmica: Benjamin, o lixeiro

Fonte: Istockphoto

"O meu cargo, na real, é de gari, mas estou na coleta de lixo por uns 5, 6 anos já. Sempre trabalhei de noite; minha cabeça funciona melhor, meu corpo se arruma bem, sei lá, eu prefiro. Mas já tive que trabalhar de manhã também. Sempre coletando o lixo: com o tempo a gente pega a experiência com isso.

O salário é uma bosta pro que a gente passa. Média de 1200 contos aqui na cidade que eu moro,  correndo risco de se cortar com vidro que uns moradores arrombados botam junto com o lixo comum; correndo de gente armada ali nas ruas mais perigosas; a humilhação de passar e ser julgado como se fosse mesmo o lixo que a gente carrega. esse, aliás, é um dos motivos que a gente aqui de noite prefere esse horário, menos gente, menos aporrinhamento.

Não posso dizer que cruzei a cidade toda, tenho o setor que eu trabalho direitinho. Mas aqui é grande, e variado, então eu sei bem quais as mudanças que tem de cada bairro, em cada parte. A cidade é insana, tem ruas que você só vê mansões, basicamente, e outras partes só casinhas de tijolo cru, uma laje cinza acima. O que sempre tem é um cachorro. Toda rua tem pelo menos um cachorro solto , olhando de longe ou seguindo a gente. Às vezes eles latem e perseguem, mas sendo honesto nem é tantas vezes, pelo menos nesses 6 anos. Alguns a gente até tem amizade, falando à vera pra ti.

Nessa pandemia? Vivendo e segundo, meu irmão. Trabalhador essencial. Sigo pelas ruas, correndo atrás do caminhão, jogando o lixo na caçamba. passo pelas festas que a galera faz, apesar do tal do Fica em Casa que vivem falando. Olho e fico pensando, meu Deus, o que será que faz a pessoa desistir assim? Porque sabe, na minha cabeça, isso não é descrença, é desistência mesmo. Da vida, de um caminho melhor. Não julgo, falar a verdade. Já fui assim.

Mas isso tudo, eu penso rápido mesmo, valeu? Porque daqui a pouco vem a curva, tem que segurar forte: ainda tem mais de 4 horas de turno, e a noite nem começou direito. Olha o que tem aqui no saco: vidro de novo. Eu te falei, mano, o lixo pior é a bosta da pessoa que faz a gente se sujeitar a isso."


segunda-feira, 22 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Neon Demon

Fonte: PS Store

A obsessão atual com os anos 80, e talvez o começo dos 90, não é de hoje, na verdade. Se bem me lembro, ela começou como uma semente ali pelo começo de 2001, 2002. Certamente não estava presente nos anos 90, pelo menos até aonde me lembro: talvez estivéssemos perto demais para sentir saudade, próximos temporalmente, ansiosos pelo que o futuro traria.

E eu posso entender bem isso. Os anos 80 foram uma período bem terrível no Brasil e no mundo, algo como que uma cereja no bolo de cocô que foram os anos 70 e 60, particularmente no âmbito social. É claro que havia um afã econômico em muitos lugares, mas os direitos sociais eram engolidos a passos largos, ditaduras eram impostas sem cessar, gerações e gerações eram sufocadas pela  vigilância paranóica e violência. Quando vieram os anos 80, com sua grave crise econômica e a eminente guerra nuclear, acho que não veio ser realmente uma surpresa para ninguém.

E quando eles acabaram, tivemos os anos 90. E que respiro deve ter sido, sair de um período sombrio com novas possibilidades. A Guerra Fria estava terminada, a Ditadura Militar no brasil devidamente encerrada, com eleições diretas e tudo.  Em todo o mundo, países se reconstituíam, ditaduras caíam. Podia-se finalmente buscar a cura para o espírito sofrido, superar os fantasmas do passado e construir um mundo novo, um mundo forte.

Mas não foi isso que aconteceu, não é mesmo? As sociedades ocidentais falharam em lidar com seus demônios. Como um indivíduo traumatizado que não consegue superar devidamente seus demônios, o mundo ocidental tratou de buscar desesperadamente um demònio novo, qualquer coisa. Drogas, Saddam Hussein, guerras na África e Oriente Médio. No Brasil, boa parte de nosso tempo foi tomado tentando resolver uma grave crise econômica (algo que é meio que um esporte nacional mais representativo que futebol), mas nunca sequer paramos para curarmos as feridas, chorarmos os mortos, consolarmos os inconsoláveis, prendermos os responsáveis. Isso nunca aconteceu, nem mesmo em um nível simbólico.

E hoje, ouvimos as músicas assombradas pelos anos 80, e a moda da época retorna; os filmes, frases, jogos e ações aparecem por todo lado, numa imitação perversa, de certa forma. Sim, porque o que estamos fazendo é muito simples: queremos voltar àquela época, onde o futuro ainda existia, onde havia a esperança de um algo melhor. Não queremos os anos 90: estes são muitos reais, muito demonstradores da nossa falha em alcançar o Eldorado da paz. Queremos os anos 80, porque ali há o doce bálsamo da enganação, da falsa esperança eterna.

Não queremos crescer, nós que nascemos naquela época, porque crescer implicaria em mudar o mundo pelas nossas forças, então preferimos emprestar nossas  forças para ícones do passado, tnato em cultura como em política. Não queremos que nossos jovens cresçam também, não por si sós: queremos que engulam a mesma coisa que engolimos, sejam como que uma versão mais nova de nós mesmos, porque a mudança nos assusta.

Mas ela está vindo. Devagar, e sempre. E quando ela vier, ou ajudamos, ou saímos do caminho.

sábado, 20 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Orange


Quem não tem uma cor favorita? Eu mesmo confesso ter a cor azul como minha favorita. Azul e cinza, a bem dizer: uma grande parte das minhas roupas tem essas cores. Azul é juma cor que me acalma, e cinza... bem, cinza é uma cor discreta, e eu realmente nunca fui uma pessoa que gosta de se destacar tanto assim. 

Dizem que as cores na verdade representam coisas. Há, é claro, a velha e superada simbologia do azul e rosa para meninos e meninas, algo que as pessoas tem cada vez mais se afastado, graças! E é lógico, temos as cores do ano novo: amarelo para dinheiro, branco para paz, verde para riqueza.... Todo mundo faz uma fezinha de ano novo para garantir bons tempos. Eu mesmo estava ali com minha camisa branca, buscando aquela paz em 2020. Acho que não deu muito certo.

Mas falando em cores, nos últimos dias, temos ouvido muito falar sobre a cor laranja no Brasil! E é realmente uma cor muito interessante, que encontrou um lar neste país como nunca se viu em qualquer lugar. Basta saber, que a quantidade de laranjas que temos aqui é maior do que as que plantamos ou importamos! Um mistério, é verdade, mas facilmente SOLUCIONÁVEL- se prestarmos bem atenção.

De acordo com a internet, a cor laranja (e com ela, a fruta) foi símbolo de várias coisas ao longo dos anos: de fertilidade, por ser a cor de um fruto com várias sementes; de equilíbrio entre a libido e a espiritualidade. No Brasil, acabou virando um símbolo de coisa muito mais grave e feia - o que é uma pena com uma cor tão simpática; minha própria esposa adora a cor laranja, e a fruta também. Acho que devíamos repensar a definição: Já quem em geral, um laranja político  não passa de um banana, eu proponho usarmos esse nome a partir de agora. Por outro lado, essa opinião pode ser meu desprazer com a cor amarelo-banana mostrando suas garras.

Por que resolvi falar disso? Por nada não.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: O Desafino Ortográfico



Eu sou um homem injusto, admito. Muitas vezes disse, ou deixei a entender, que minha principal leitora era minha amada esposa, Aline Garcia; pois venho aqui em público me desmentir, e dizer que tenho como fiéis leitores, também meu pai e minha mãe (que inclusive comenta direto aqui no blog, OI MAMÃE).  Meu pai, caso o leitor não saiba, é um escritor nas terras nortistas distantes, um grande escritor, diga-se. E minha mãe é uma grande professor de português, e atual gastróloga em formação. Sortudo sou eu, que tenho a vantagem de experimentar suas receitas quando ela consegue vir aqui me visitar, em Sampa, essa terra cinza.

Pois foram justamente eles que me alertaram de uma coisa acontecendo nestas crônicas: tenho cometido erros por aqui. É bom que se diga, não foi algo dito em tom de crítica: antes, foi uma observação deles, leitores atentos que são, para o ritmo dos textos aqui.  Pois, poucos sabem, eu basicamente só vou escrevendo os textos e publicando. Existe pouca  ou nenhuma revisão nesses escritos, e de fato, se você olhar algumas crônicas para trás, verá alguns (ou muitos) erros de ortografia neles.

Isso ocorre porque escrevo com o calor da emoção, admito: nunca realmente me planejo para escrever aqui, e em geral a única coisa que eu tenho de antecipado é o tema da crônica. Esta, por exemplo, me surgiu na segunda feira, quando conversei via ligação whatsapp com meus pais. Antigamente, eu ainda fazia uma espécie de rascunho no meu caderno, mas com o tempo percebi que acabava perdendo a energia para publicar aqui. Isso é algo que ainda estou trabalhando; a concentração e a energia necessárias para produzir ficção.

Mas justamente por isso, eu acho que este blog tem sido um grande aprendizado, e eu tenho tomado mais cuidado aqui, para que o deleite de meus leitores mais fieis não seja afetado. Afinal, como bons brasileiros que somos, temos o ritmo no sangue, e quando ele quebra, o que nos resta, senão tropeçarmos no texto, e esperar a próxima música? Então, fica aqui o meu relato, e meu pedido para os prezados leitores, quando verem algum erro por aqui, me perdoarem: trata-se menos de um descuido de técnicas, e mais um afã de passar logo para o papel os sentimentos que afloram no peito.

E tennhdo ditpo!

sábado, 13 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: love love love


Conheci a Aline em 2015. Nos vimos pela primeira vez em 2016, mas conhecer mesmo, foi em 2015. Pela internet. Que forma mais incerta de conhecer alguém existirá? Só pela internet mesmo.

Naquela época, eu estava desiludido com o amor. uma frase clichê, mas verdadeira: eu realmente não tinha nenhuma confiança de encontrar uma parceira para a vida, até porque eu tinha pouquíssima confiança em mim mesmo. Acho que o meu maior crítico sempre fui eu; seja por erros do passado, seja por não confiar em mim mesmo, eu nunca me entendi como uma pessoa fácil de conviver.... honestamente, acho que sou um verdadeiro chato.

Então a conheci, e acho que foi como se uma porta se abrisse. Talvez o leitor já tenha passado por isso: é menos a paixão arrebatadora dos filmes, e mais uma ideia de pertencimento. Sim, pois com ela, cada diz que íamos nos conhecendo, eu me sentia de novo á vontade no mundo. Eu, que havia desistido de ter conforto neste vale de lágrimas, encontrei-me parte dele novamente, e sorri como nunca tinha sorrido antes, e senti como nunca senti antes.

Ela me fez perceber que as coisas boas que eu sentia quando criança, ainda existiam; eu apenas havia enterrado-as fundo no coração (como acho que muitos fazem, infelizmente). Ela me deu olhos que eu não tinha, para os sentimentos do mundo; ela me deu vida aonde antes tudo estava morto. Não estou exagerando quando digo: ela me salvou de mim mesmo, de um caminho sombrio que eu estava seguindo.

Hoje, somos casados, desde 2018. E 4 anos e mais de 4 meses depois, ainda dançamos pela casa, e cantamos juntos, e brincamos nossas brincadeiras bestas. Sonhamos também, algo fundamental para qualquer casal: quando você sonha junto, você constrói junto, e acho que isso é algo forte para unir duas pessoas. E assim eu e ela seguimos juntos...

Te amo Neguinha. Obrigado por ser minha parceira contra esse mundo!

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Aquela que nasceu com a manhã

Art by Chloe Lynch


Ontem eu sonhei com a minha irmã. Ou talvez eu deva ser específico: sonhei com uma irmã que eu nunca tive. Pois quem me conhece sabe que tenho uma irmã; ela conta hoje com seus quase 25 anos em Julho, e está adulta e cuidando da vida dela.Mas essa pessoa, essa menina com quem sonhei, não era ela. Ao contrário, acho que ela nunca nem sequer teve a oportunidade de ser adulta.

Seu nome era Lucíola, como no livro de José de Alencar (talvez haja aí uma referência psicológica na minha mente? Que os psicólogos de plantão me digam!). E ela morreu, no meu sonho, aos 5, 6 anos de idade. Não chegou a entender a miséria de que é formada o mundo; não chegou, também, a poder sentir emoções bonitas que vem à medida que envelhecemos. Agora, no seguir do dia, não me recordo exatamente dos pormenores do sonho: afinal de contas, muita coisa acontece conosco ao longo de um dia, e estas exigem nossa faculdade mental, ainda mais quando se trata de um professor. Ficou porém, a sensação do vazio, do luto que sentia por ela.

No sonho, ela tinha vivido e brincado conosco. De alguma forma, ela conheceu a Aline também, pois em teoria ela teria vindo para nossas vidas agora, com meus pais mais velhos. e no sonho, ela havia morrido a 6 anos. e seguíamos a nossa vida, sempre com a dor no fundo do coração; pois a dor de um luto é a dor que nunca passa. Você só reconstrói da melhor maneira possível a sua vida, e segue em frente. Mas a dor em si nunca vai passar.

Acordei chorando. Lucíola fizera eu sentir algo que eu nunca senti antes, até agora: a tristeza de uma saudade sem chance de ser resolvida. Senti - ainda sinto- a dor por tudo que ela não pôde viver, tudo que ainda esperava essa criança de msues sonhos. E fiquei pensando nos pais que perderam seus fihlos ainda crianças, para este mundo terrível, que tudo devora. Tanta maldade e sofrimento aqui; quantas Lucíolas não partiram muito cedo desse mundo?

Ela também me ensinou a amar de uma forma que eu não me recordo de ter sentido antes. No sonho eu vi a foto dela, e eu sabia: eu daria tudo para dar vida novamente àquela menininha. Para vê-la dançar no quintal novamente; para poder brincar com ela nos parques e brinquedos que não existiram, que nunca existiram para ela, pois ela está somente aqui, em minha mente.

Um beijo, Lucíola. Fica em paz, te vejo em meus sonhos novamente.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Lost and Found



Sábado, eu tirei o dia para ajeitar os livros que estavam , e ainda estão, no meu escritório. Digo "meu", e falho bastante; pois aqui é o espaço de trabalho meu e de minha esposa. Não temos muitos equipamentos aqui, basicamente os computadores e uns ventiladores. Entretanto o que não temos em tecnologia, temos de sobra em livros; de sorte que resolvi me aprofundar na arrumaçao dos mesmos.

A ideia central era simples: eu ia retirar toodos os livros das suas respectivas prateleiras, e catalogar tudo com temas que me interessassem realmente. nada de "drama", "ação", etc. Eu queria assuntos mais agitados: "investigação" seria um. "Romances surreais", outro. Assim, quando eu me sentisse um pouco mais inclinado a explorar um determinado tema, eu iria diretamente na prateleira esotericamente organizada, e me deleitaria com a obra, e com o serviço bem feito em separar por mim mesmo as coisas.

Como todo plano que se põem muitas expectativa,s este falhou miseravelmente: pra começo de conversa, eu subestimei a quantidade de livros que eu tenho, de sorte que pôr os livros das prateleiras para o chão do escritório em breve tornou-se tomar o escritório inteiro de livros jnogados ao chão, sem lei ou razão. desta vez, a poeria não me afetou tanto; estava devidamente protegido com a máscara nossa de todo dia (graças ao Covid). Mas a situação era dantesca: mal se podia andar pelo cômodo, e as horas avançavam implacáveis: o que começou a ser feito às 10 horas da manhã, logo levou-me às 14, 16, 18 horas, sem um avanço significativo...

....exceto algo mágico, que eu creio que aconteça com todos vocês. Pois, ao revirar tudo, eu reecontrei livros antigos que eu não mexia a muito tempo - o que quer dize,r que encontrei um pedaço de mim que eu não via a muito tempo. Pois para mim (e , creio, para muitos outros), livros são uma janela da nossa alma. Eu não me lembro de um momento que um livro não estivesse me dando alegria, e nem me lembro de um momento que ganhar um livro não fosse, para mim, o presente ideal.

E eu vi esses velhos amigos, enão pude deixar de relê-los aos poucos. Não tudo, claro - eu tamb´me não sou tão louco assim - mas um pedacinho aqui, e outro ali.... e cada releitura era uma memória, ou uma sensação reencontrada. E amigos, que presente para a alma isso foi. Que refresco, que bálsamo. Cada Raymond Chanlder que eu via ao chão e relia, cada Cormac Mccarhty, cada Garcia_roza... era eu ali. Era um eu que amava aqueles livros, e comprou-os, e viveu com eles em ônibus, sofás, ou mesmo salas de aula, entre um aluno e outro. Túneis do tempo.

Sim, eu amei rever meus livros. Minha esposa também amou que eu me sentisse muito melhor de posi de tudo, mas posso apostar que ela amou muito mais ver o escritório finalmente arrumado. Porque o amor aos livros, ah, esse é o mais bagunceiro de todos!



quinta-feira, 4 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: 8:46



Se há um futuro, é nos nosso filhos e filhas. E no entanto, há que se pensar em que modelo de mundo estamos pensando, estamos construindo, para eles. É claro que a roda do tempo vai girar e voltar, e dias como os nossos vão voltar. Isso é inevitável. Qualquer um que diga que aprenderemos com os horrores de nossa época, esquece que o outro lado também aprenderá; e assim seguiremos a luta mais vã. Apesar disso, é ainda o nosso momento, então temos que deixar aqui as estruturas para quando a próxima geração vier, estabelecer as bases para o futuro deles, por assim dizer.

Ora, isso é mais fácil de dizer que fazer, alguns dirão, e concordo com isso. Neste mesmo momento ocorrem conflitos raciais intensos no país que até recentemente era o mais poderosos do mundo, e que agora não saberemos dizer se o é até o fim desta pandemia. Aqui no Brasil, a morte de indígenas e favelados quase nem abala mais a sociedade em geral; normatizamos o absurdo, talvez como forma de manter a sanidade, talvez por puro e simples comodismo. Essa banalização está presente até agora mesmo, com atualmente mais de 32 mil mortos, e quase nenhuma reação da população, exceto talvez impaciência em sair de uma quarentena que nem está sendo feita direito.

Mas há tentativas de lutar contra o mundo. Nas comunidades das favelas e baixadas, a população se organizou muito antes de qualquer intervenção do Estado para ajudá-los (o que não exime a responsabilidade do Estado em absoluto, diga-se). Nos EUA, uma população massacrada se uniu em protestos contra o assassinato bárbaro de George Floyd, que morreu chorando e clamando pela mãe. Não foi o primeiro negro assassinado pela polícia nos EUA, muito, muito longe disso; apenas para citar algo mais próximo na linha temporal, Eric Garner também morreu sufocado pelos policiais, em 2014.

Se pensarmos no Brasil, ainda em Maio um angolano chamado Gilberto Almeida e sua amiga Dorildes Laurindo foram alvejados. Gilberto foi preso ainda ferido, como suspeito de cumplicidade de um crime cometido pelo motorista em seu aplicativo. Ele é negro. Essa é a sua marca de culpa: sua pele. Somados a esses tantos outros nome vem: Evaldo dos Santos Rosa. Ágatha Vitória Sales Félix. João Pedro Mattos. Matheus Santos de Morais. Marielle Franco.

E essas mortes, nós tornamos algo normal em nossas vidas, muito antes do COVID, muito antes de 2020. Vivemos numa  necropolítica (leiam Achile Mbembe para saber mais a respeito disso), e não há revolta em corações brasileiros a respeito disso. Como se nada valesse essas vidas. Talvez nem valham, para a maioria. É mais fácil parar e pensar: isso nunca aconteceria comigo. Não, não comigo. Porque eu sou de bem. Porque eu não me meto em confusão. Porque eu não sou considerado negro pela polícia, não o suficiente. 

E seguimos adiante, e fingimos uma normalidade, e só nos revoltamos quando é  o estilo da época. Porque é legal usarmos banderias no facebook, que bacana, agora eu sou um apoiador da causa negra. Não saímos às ruas protestando contra as mortes. Não saímos para portestar por nad,a porque é mais confortável ficar em casa com a Tv Ligada e balançar a cabeça e dizer: que coisa não?

É esse mundo que queremos construir? Porque, vocês sabem, essa geração já está perdida. Não há salvação, exceto pela redenção, que virá pelo futuro. Mas que carga pesada botamos nos ombrso de nossas crianças! Seá que não podemos conseguir ao menos um pouco, diminuir esse peso? Porque não froam eles que botaram Bolsonaro no poder: fomos nós. Tudo que ele representa, tudo que ele advoga, fomos nós que pusemos ali. Se conseguirmos pelo menos deixar claro que o mundo não é só aquela visão, aquele horror em duas pernas que caminha pelo planalto, e sonha com extermínios, eu creio que já será um avanço para um mundo melhor.

Um dia, acreditei que outro mundo era possível. Ainda acredito. Mas não para nós. Isso não quer dizer que temos que condenar a próxima geração a esse tormento.



terça-feira, 2 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: O horror nosso de cada dia



O tema do desconhecido é algo muito caro a uma série de autores e diretores de horror e terror. O que pode ter mais potencial de ser apavorante do que, especificamente, não saber o que há em um quarto escuro desconhecido, onde sua mente preenche o vazio com formas e ares sinistros? E neste momento, tornamos o horror o OUTRO, o avatar de nossos males, e decididamente fora de nós.  Porém, eu creio que podemos tentar entender isso muito além deste foco. Ou talvez, o melhor termo seja: entender isso muito mais próximo de nós do que se imagina, exatamente. 

A sensação do desconhecido como matéria-prima do horror é algo que muitos talentosos artistas usaram. Stephen King é muito conhecido por gostar de propor a sugestão dos terrores, antes de lançar mão de cenas mais abertas, grotescas. Num lado mais chegado ao suspense, Hitchcock era um artista que trabalhava nas sutilezas, no que a audiência esperava que acontecesse, sem necessariamente mostrar  vísceras e sangue explícitos na tela. De fato, Psicose é um dos poucos trabalhos dele em que há uma demonstração mais explícita de sangue em tela. Há também outros autores, mais famosos porém com tema smais cósmicos, que não creio que se enciaxem aqui por estar me atendo a um medo mais próximo, mais em nossa vizinhança humana.

De fato, eu escolhi estes dois auteurs, porque creio que eles demonstram especificamente o que acho ser o fator central de nosso tema de hoje: o Inferno ser os Outros. Ou talvez, o Horror ser o outro. Tanto King quanto Hitchcock , embora cada um com suas especificidades, se esforçam em mostrar o lado oculto do humano, mesmo quando há fatores outros que tornam o fio condutor da história mais  complexo, ou mais sobrenatural (no caso de King). Esse caminho, inclusive, é algo muito usado por outros artistas: com certeza é mais fácil criar um monstro e usá-lo como símbolo de algo de podre dentro da própria alma humana, que enfrentar a podridão em si. 

No entanto, aqui estamos. Olhamos para fora, e vemos o horror bem ali. e não se trata de um monstro, ou alienígenas, ou espíritos. O nosso horror é um ministro que diz odiar o termo povos indígenas. É um presidente que se recusa a demonstrar qualquer senso de humanidade pelos mortos do Covid, e que prefere acusar a doença de ser um esquema político. Nem tão longe: é um parente que diz concordar com tudo que o presdiente fala, inclusive sobre exterminar oposição, associar negros a gado de corte, diminuir mulheres como merecedoras ou não de serem estupradas. Esses são nossos monstros particulares, e eles venceram.  Talvez nem tanto Hitchcock( que se preocupava mais com thrillers que com o horror, verdade seja dita), mas Stephen King certamente entendeu isso melhor que ninguém: nunca foram os monstros sobrenaturais o nosso problema, e sim os humanos. Sempre os humanos.

E com isso, esse texto passará, e milhares morrerão por nada, exceto por dinheiro e um lucro maior ao fim do ano. Morrerão protestando por direitos enquanto são massacrados por um estado que não liga para eles. Morrerão sendo admoestados por serem agressivos, por não quererem diálogo, quando tantas oportunidades já foram armadas antes, apenas para serem encaradas com desprezo e escárnio. A dança da morte continua. E até esse crônica é apenas uma estupidez a ser lançada ao vento, ao nada.