quinta-feira, 4 de junho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: 8:46



Se há um futuro, é nos nosso filhos e filhas. E no entanto, há que se pensar em que modelo de mundo estamos pensando, estamos construindo, para eles. É claro que a roda do tempo vai girar e voltar, e dias como os nossos vão voltar. Isso é inevitável. Qualquer um que diga que aprenderemos com os horrores de nossa época, esquece que o outro lado também aprenderá; e assim seguiremos a luta mais vã. Apesar disso, é ainda o nosso momento, então temos que deixar aqui as estruturas para quando a próxima geração vier, estabelecer as bases para o futuro deles, por assim dizer.

Ora, isso é mais fácil de dizer que fazer, alguns dirão, e concordo com isso. Neste mesmo momento ocorrem conflitos raciais intensos no país que até recentemente era o mais poderosos do mundo, e que agora não saberemos dizer se o é até o fim desta pandemia. Aqui no Brasil, a morte de indígenas e favelados quase nem abala mais a sociedade em geral; normatizamos o absurdo, talvez como forma de manter a sanidade, talvez por puro e simples comodismo. Essa banalização está presente até agora mesmo, com atualmente mais de 32 mil mortos, e quase nenhuma reação da população, exceto talvez impaciência em sair de uma quarentena que nem está sendo feita direito.

Mas há tentativas de lutar contra o mundo. Nas comunidades das favelas e baixadas, a população se organizou muito antes de qualquer intervenção do Estado para ajudá-los (o que não exime a responsabilidade do Estado em absoluto, diga-se). Nos EUA, uma população massacrada se uniu em protestos contra o assassinato bárbaro de George Floyd, que morreu chorando e clamando pela mãe. Não foi o primeiro negro assassinado pela polícia nos EUA, muito, muito longe disso; apenas para citar algo mais próximo na linha temporal, Eric Garner também morreu sufocado pelos policiais, em 2014.

Se pensarmos no Brasil, ainda em Maio um angolano chamado Gilberto Almeida e sua amiga Dorildes Laurindo foram alvejados. Gilberto foi preso ainda ferido, como suspeito de cumplicidade de um crime cometido pelo motorista em seu aplicativo. Ele é negro. Essa é a sua marca de culpa: sua pele. Somados a esses tantos outros nome vem: Evaldo dos Santos Rosa. Ágatha Vitória Sales Félix. João Pedro Mattos. Matheus Santos de Morais. Marielle Franco.

E essas mortes, nós tornamos algo normal em nossas vidas, muito antes do COVID, muito antes de 2020. Vivemos numa  necropolítica (leiam Achile Mbembe para saber mais a respeito disso), e não há revolta em corações brasileiros a respeito disso. Como se nada valesse essas vidas. Talvez nem valham, para a maioria. É mais fácil parar e pensar: isso nunca aconteceria comigo. Não, não comigo. Porque eu sou de bem. Porque eu não me meto em confusão. Porque eu não sou considerado negro pela polícia, não o suficiente. 

E seguimos adiante, e fingimos uma normalidade, e só nos revoltamos quando é  o estilo da época. Porque é legal usarmos banderias no facebook, que bacana, agora eu sou um apoiador da causa negra. Não saímos às ruas protestando contra as mortes. Não saímos para portestar por nad,a porque é mais confortável ficar em casa com a Tv Ligada e balançar a cabeça e dizer: que coisa não?

É esse mundo que queremos construir? Porque, vocês sabem, essa geração já está perdida. Não há salvação, exceto pela redenção, que virá pelo futuro. Mas que carga pesada botamos nos ombrso de nossas crianças! Seá que não podemos conseguir ao menos um pouco, diminuir esse peso? Porque não froam eles que botaram Bolsonaro no poder: fomos nós. Tudo que ele representa, tudo que ele advoga, fomos nós que pusemos ali. Se conseguirmos pelo menos deixar claro que o mundo não é só aquela visão, aquele horror em duas pernas que caminha pelo planalto, e sonha com extermínios, eu creio que já será um avanço para um mundo melhor.

Um dia, acreditei que outro mundo era possível. Ainda acredito. Mas não para nós. Isso não quer dizer que temos que condenar a próxima geração a esse tormento.



2 comentários:


  1. Um dia, acreditei que outro mundo era possível. Ainda acredito. Mas não para nós. Isso não quer dizer que temos que condenar a próxima geração a esse tormento.

    PERFEITO

    ResponderExcluir
  2. Acredito num mundo melhor,mas não o verei,sei disso! Acredito que meus netos possam ter um mundo melhor .

    ResponderExcluir