quinta-feira, 14 de maio de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: I am the Cheese



Então, hoje eu fui buscar um queijo no portão do condomínio. Nada muito peculiar: por causa dos mercados operando com baixa rotatividade de produtos (afinal, a pandemia não é exatamente um grande impulsionador de negócios). Então, alguns  vendedores entram em contato com os síndicos de condomínios, na esperança de vender produtos para os moradores. Muitos conseguem: tenho visto anúncios de horti-fruti, máscaras e até mesmo produtos de limpeza, tudo vendido perto da área de carga e descarga.

Digo vendido, mas na verdade é mais entregue - o carro do vendedor entra no condomínio, abre seu porta-malas, e apressadamente vai entregando e recebendo o pagamento de seu produto das mãos igualmene apressadas dos condôminos. Não tínhamos comprado nada assim anteriormente, somente visto os avisos dados pela síndica; mas dessa vez, sentimos a vontade de comprar um bom queijo, e aventuramos encomendar e ir buscar no dia estipulado.

Eis que chegou o dia de buscar o queijo. Como de costume, me preparei para a saída: camisa, calça jeans, sapatos, máscara na cara. Me despedi de minha esposa com um beijo de olhares, e desci pelo elevador. Quando chego no portão encontro o que não queria: uma fila. Aparentemente, o vendedor se atrapalhou um pouco, e foi necessário organizar os clientes nessa fila.

Foi quando

a ansiedade

bateu

então comecei a contar de um a 10, mas eu estava nervosos, então eu basicamente contava até 3, e acrescentava mil, porque se você contar com mil é mais ou menos o tempo de um segundo e lá estava eu 1 mil 2 mil 3 mil, e entre cada um de nós havia espaço de mais de 3 braços, e nem eramos tantos assim mas tudo o que eu pensava era, estou aqui embaixo e queria estar lá em cima, e se ess apessoa ali da frente tem covid, como eu fico? O que eu faço? meu Deus por que tanta demora, 1 mil 2 mil 3 mil, e bem nessa hora entraram várias pessoas pelo portão dos pedestres, e passaram próximo a mim, e meu Deus e se essas pessoas tem Covid? 1 mil 2 mil 3 mil, e então andaram mais duas pessoas e a fila anodu, e lá na frente um senhor de idade tirou a máscara que usava pra provar um pedaço de queijo, que droga é essa, melhor nem usar então né amigo? 1 mil 2 mil 3 mil, finalmente chegou minha vez e o vendedor se desculpou mas não tinha trazido o pão de queijo e o salame que eu tinha encomendado, pode ser lombo? eu falei sim, por favor, me dê logo, e ele, se quiser eu trago o pão de queijo na sexta feira, e eu disse, não por favor, só me dê um biscoito doce, porque minha esposa adora doces, e me peguei pensando e se eu ficar doente aqui? E se ela ficar sozinha em casa? lembrei de tantos casais separados, e nesse momento o pensamento foi, DEUS NÂO QUERO MORRER POR CAUSA DE UM QUEIJO! Finalmente, peguei o queijo provolone, o lombo e o biscoito de goiabada que eu comprei, e zarpei para casa

Diminuindo

por fim

meu ritmo.

Cheguei em casa exausto, como se tivesse corrido uma maratona. entrei em casa, me despi tal qual tivese vindo de um lugar radiotivo, enquanto minha esposa apreensiva perguntava:

- Está tudo bem?

- Mais ou menos, só preciso tirar essa roupa e ir tomar banho.

Foi o que fiz, e ligando o chuveiro quente, lavei o corpo da adrenalina e me senti boiando, feliz, na segurança do lar.

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