terça-feira, 7 de junho de 2022

Crônicas do ano do tigre: Caoslma



Não sei se alguém sentiu falta ou não destes escritos mas a verdade é que eles tem ficado cada vez mais escassos. Tenho na verdade, feito dois textos no máximo por mês, e não vejo muito porque eu faria mais. A verdade é que eu ando vivendo muito mais que escrevendo, sentindo muito mais que passando as palavras para o papel, e isso , é claro, refletiu muito na minha produção. Mas sempre haverá o que se falar, penso eu, especialmente em dias intensos como os nossos. 

E que dias, não lhes parece? Em breve, eleições: eis um vespeiro que muita gente já está sentindo as picadas doloridas. Além disso, guerra na Europa, um fato velho conhecido da humanidade por certo (resta saber se ele irá se desenvolver como todos os outros aconteceram); inflação galopante, uma velha conhecida dos brasileiros; insegurança a mil.... Não sei se vale a pena dizer que estamos melhores ou piores que dias anteriores, pois nossa dor é toda nossa, não de antes ou depois. Mas que estamos sentindo a pressão na alma, ah isso estamos mesmo!

No entanto, não posso deixar de perceber que tenho me sentido cada vez mais calmo, mesmo perante isso tudo. Não digo aqui que seja uma calma que tem esperança de que as coisas melhorarão, ou que eu tenha certeza de que sei como resolver tudo. Ao contrário, tenho a certeza absoluta que não sei resolver absolutamente nada, e que quando os problemas chegarem (e chegarão, sempre chegam), eu terei de tentar me virar com os recursos e conhecimentos que tenho. Portanto, a calma que sinto no peito é talvez menos a do esperançoso e mais a do resignado, que vê que vai acontecer algo ruim de qualquer forma, e percebe que o que lhe resta fazer e acomodar-se da melhor forma possível, a fim de não romper nenhum osso na queda iminente.

Não sei dizer se isso é pessimista, realista, ou otimista: simplesmente acho que é, que existe e que sigamos. Também não sei dizer, caro leitor, quando foi que fiquei assim. Mas sinto que, estranhamente, as coisas ao meu redor tem tido muito mais valor, pois um bolo doce que eu possa comer nesse momento não é algo que eu tenha certeza que vai estar aqui amanhã. Um abraço caloroso não tem garantia de se repetir, nem um momento bom. Portanto, por que não aproveitar ele agora, nesse momento? Por que se deixar levar pela angústia do inevitável, quando podemos aproveitar a doçura do efêmero agora? 

Em suma, o desespero me trouxe paz de espírito. Não sei se recomendo ou não, mas se você estiver perdido, não custa tentar: nada tens a perder exceto os grilhões na alma. 

terça-feira, 17 de maio de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Salve a si mesmo, salve o mundo



Ultimamente tenho pensando mais e escrito menos, o que muitos diriam ser uma espécie de falha artística, mas acho que tem mais a ver com estar em dia comigo mesmo. Eis algo que acho que muitos não fazem: prestar atenção em si mesmos. Ainda mais vivendo numa metrópole como São Paulo, é fácil se perder dentro de questões que pensamos ser grandes, mas que são tão pequenas, tão ínfimas, que eu garanto que serão a última coisa que vai passar pela nossa cabeça, quando partirmos dessa para melhor. 

E é engraçado porque , contraditoriamente, acho que São Paulo acaba sendo um grande lugar para introspecção, para a filosofia (barata?) do dia-a-dia. Uma cidade tão gloriosamente dedicada a ser grandiosa acaba convidando a gente a olhar para dentro de nós mesmos, como uma contradição. E não é isso, no fim das contas, tudo que representa São Paulo? Contradições?

Mas os pensamentos podem ser perigosos, quando somos tentados a tornar eles maiores do que são. Há mais de um indivíduo andando aí fora, nesse frio de massa polar recém-chegada, que pensa que tudo deve ser transformado conforme a sua visão de cidade, de estado, de país. E isso é, de certa forma louvável; mas o que acontece quando não se dá espaço a nenhuma discussão, a nenhuma reflexão maior? É o caminho dos fanáticos, e eis algo que tem dado muitos dissabores a nossa realidade nesses tempos. 

Talvez pior que isso, é fácil tornarmos os problemas de fora, os nosso problemas pessoais, e aí mora uma grande armadilha, pois jamais seremos capazes de resolver, sozinhos, os problemas de toda uma geração; e portanto nosso sofrimento será intenso, posto que teremos no peito o fogo da mudança mas nunca teremos a sensação de estar fazendo o suficiente. Às vezes, vale a pena reduzir o foco, do macro ao micro. Talvez, antes de mais nada, precisemos mudar algo internamente, e aos poucos seguir para o externo. 

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Tempos e tempos verdes


Napoleão, quando invadiu o Egito, teria dito aos seus soldados "Do alto destas pirâmides, 40 séculos vos contemplam". Eis algo que um conquistador clássico diria, posto que é antes de tudo um romântico; afinal, para se sonhar dominar toda a Europa, você tem que ser ou um pouco maligno, ou um pouco romântico, possivelmente um pouco dos dois. 

A verdade é que, antes de qualquer apreço pela história, Napoleão estava embasbacado com o sublime de se ver construções tão antigas, e deve ser algo que realmente assombra a mente. Não sei dizer, não estive no Egito ainda; Mas posso dizer que uma emoção similar sempre me passa quando observo, andando pelas ruas de Sampa, as nossas estrondosas árvores, que existem sim, apesar da fama de cidade cinza que temos. 

E talvez por serem tão raras assim, eu me sinta abismado quando as vejo: tão fortes, em terreno tão hostil. E gigantes, algumas, nos lugares mais inusitados: aqui mesmo, em pleno Rio Pequeno, próximo a um lugar singelamente chamado de "Riacho Podre", há uma árvore tão bela que não pude me conter e tirar uma foto, que ilustra o começo desta crônica. "Maria Moura", eu a chamei, por ser tão forte e majestosa em meio a um terreno tão hostil. 

E assim sigo passeando pelas ruas de Sampa, observando estas construções majestosas da natureza, se é que posso assim dizer. Passo por elas caminhando, de ônibus, dirigindo às vezes; e sempre que as vejo, penso em como elas parecem acenar silenciosamente, para mim e todos que andam nas ruas, como testemunhas silenciosas de anos e anos de vida humana na terra, rumando para o nada, a troco de algo que pensamos valer a pena. 




domingo, 3 de abril de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Ghosts of São Paulo





 E entre tapas de atores, escândalos previsíveis e aumentos de valores da gasolina, o que mais me chamou atenção esses dias foi um post do facebook. 

Era um relato de uma amiga minha, falando de seu costume estranho, quando chegou em São Paulo, de ir ao aeroporto e observar as pessoas chegarem e partirem, quase como que uma versão de vida real daquele programa da Astrid Fontenelle na GNT. No post, ela contava o quanto gostava de ver as emoções acontecendo ali, in loco, e em como se sentia um fantasma, vendo de longe emoções que não lhe pertenciam. 

Eu não respondi no texto dela, mas digo aqui: querida amiga, somos dois, somos 3, somos milhares, perdidos em São Paulo, vivendo nossas vidas de fantasmas. Alguns de nós tem a pena comutada bem cedo; eu mesmo só fiquei como assombração nesta cidade grande por um ano, até poder me encontrar e estar com pessoas que são minha família aqui agora. Mas também eu fiquei vagando por aí, coletando emoções em cada esquina, levando para casa como uma tampinha de refrigerante para colecionar. 

Nós, os fantasmas, nunca andamos em conjunto, porque de alguma forma isso nos faria sentir ainda mais solitários; mas conseguimos reconhecer bem um ao outro. Lembro de andar pelas ruas do Butantã e observar os bares e festas acontecendo ao redor, e algumas vezes eu entrava em algum boteco, pedia uma cereja, e ficava ali pensando, humildemente pensando na vida, e nos meus erros. Sempre, em algum momento, eu veria uma outra pessoa com a mesma postura que eu, o mesmo olhar perdido, pensando... em que? A cidade de onde saiu? Os lugares que gostaria de ver? Quem pode saber? 

Principalmente agora, quando o frio caiu pela cidade, eu penso no fantasma que fui, e nos que andam ainda por aí, assombrando a si mesmos enquanto andam pelas ruas. Alguns sem casa para se refugiar, alguns com casa, mas sem lar.Eternamente vagando pelas trevas de suas mentes solitárias. 


terça-feira, 15 de março de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Talvez um mundo novo


E aconteceu o inevitável, que é um dos políticos dessa "nova onda" se mostrar como sempre foi: uma pessoa vã, hedonista, que diminui o sofrimento dos outros em prol de seu prazer. Arthur do Val, o tal "Mamãe Falei", nada mais falou do que já tinha deixado escapar muitas vezes antes, tanto ele quanto seus amiguinhos do MBL; qual o motivo para o alarme agora? Possivelmente, porque o horror falado tornou-se internacional, impossível de rir e mascarar como "ah, mas ele só fala o que todo mundo pensa, quem nunca, etc". 

Não que ele não tenha tentado isso, mas descobriu que não, nem todos olham para refugiadas de guerra e pensam em como transar com elas naquelas situações.

Depois veio o escândalo mais recente: o filme de Danilo Gentili, "como ser o pior aluno da escola", taxado como uma obra pedófila. Os primeiros acusadores disso, aliás, os próprios bolsonaristas que antes idolatraram aquela desculpa fraca de humorista como "o novo bastião do humo escrachado", etc. Gentili ainda tentou dizer que se sente feliz de ter ofendido gregos e troianos, mas a verdade é que sua grande base são, sim, os extremistas. Difícil ver como ele fica com essa, talvez um novo João Klèber, comediante do horror Collor que se limita agora a ser um meme de pegadinhas e flagras falsos. 

Há ainda mais uma, embora essa eu tenha que ser reticente e dizer que rio menos que sinto um pouco pela pessoa: um bolsonarista recentemente rumou para a Ucrânia, querendo participar da guerra. dizia-se instrutor de tiro e pronto para o combate; ao chegar lá e quase ser morto em um bombardeio, ele parece estar repensando tudo, e falando sobre os horrores da guerra. Muitos tem feito galhofas ao sujeito: eu não creio que isso é bom. Trata-se de um indivíduo que talvez tenha acordado, com a realidade bem à sua frente, e tenha percebido o quão diferente é seu mundo interno de fantasias ultramacho versus a realidade nua e crua, com morte e sofrimento. Pelo menos, assim espero. 

O que tem esses três elementos em comum? Lógico, eles tratam de quedas de patamares, em diferente níveis, de condicionamentos bolsonaristas (dentro ou não de uma lógica hipócrita): que a guerra é boa, que falar o que quiser tá liberado, e que humor bom é o que choca e humilha. Como eu disse antes, existe muito de hipocrisia nesses casos (particularmente no caso de Danilo Gentili, vide quem está pulando fora do barco para atacá-lo); mas eu gostaria de pensar que isso é um sinal, do começo do fim deste período medonho que andamos vivendo. 

Sei lá, talvez eu seja só um sonhador mesmo.





domingo, 27 de fevereiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Tempos Interessantes


Quando eu era garoto, durante os anos 90, houveram muitos momentos difíceis no Brasil e no mundo, e é claro que minha família passou pelos efeitos disso; num mundo globalizado, é o que acontece. Inflações galopantes, violência em larga escala, o avanço desenfreado das drogas.... tudo isso era parte do nosso dia-a-dia, o que talvez não seja novidade para nós que aqui estamos, basicamente com tudo isso. Mas lembre-se que eu era novo ainda na terra, então para mim era algo assustador.

O que era também novo para mim e, surpreendentemente, para os adultos que eu via ao meu redor, era uma certa... esperança, eu diria. Veja, os anos 90 vieram logo começando com o fim da Guerra Fria, que tomou tantas décadas e gerações. Você pode até dizer que isso não tem nada a ver com você nem com o Brasil, mas só estaria sendo um tolo se o fizesse: a Ditadura Militar que tivemos, por exemplo, foi um grande efeito do que foi a Guerra Fria. 

Ela acabar, portanto, deve ter sido um grande alívio mundial, porque mesmo criança eu conseguia sentir isso. Podemos sentir na verdade até hoje: se você ouvir músicas da época, ver séries, etc, vai ver que existe mesmo essa ideia de que podemos superar as coisas (as drogas, a violência, a pobreza), porque o pior já havia passado. Os problemas existiam, mas se o mundo havia superado a pior coisa que era esse conflito de influência das potências, eles conseguiriam tudo. 

É claro, 2001 veio, as torres gêmeas caíram, e todo esse sonho veio a abaixo com quase tanta violência quanto as próprias torres. Mas em algum momento ali nos anos 90, eu creio que as pessoas acreditaram... em algo. Talvez na possibilidade de serem melhores. Talvez na possibilidade do mundo ser melhor. 

Agora, com essa guerra da Ucrânia, ameaça de um conflito global batendo às portas, e tudo mais que tem nos acontecido antes disso (a lembrar: pandemia, governos corruptos fascistas, inflações recordes... e todos os outros problemas que já citei antes), fico  pensando cada vez menos nos meus anos 90, e na esperança do mundo naqueles dias, e penso cada vez mais nos que cresceram durante um período mais sombrio, anterior. Como eles faziam para ter esperança que as coisas melhorariam? 

Me pergunto isso todos os dias. 


domingo, 13 de fevereiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: A Paz Verde



Eles existem, estão espalhados por aí: os pequenos bolsões de paz na selva urbana. Ou médios, pelo menos: Alguns nem tendem a ser tão pequenos assim , mas certamente não tem nada de grandes - talvez porque isso acabe diminuindo o impacto das coisas, de certa forma. 

Podem ser parques, praças, ou até mesmo uma rua em especial: mas é ali que se sente algo especial, um descanso do correr frenético e cansativo. Quando cheguei aqui em São Paulo, por incrível que pareça, esse lugar de paz era uma rua sem saída, onde ao fim há uma árvore gigante. Fica em frente a um condomínio, e perto de uma avenida, mas ainda assim nunca vi um silêncio se aproximar tão rápido, como se a árvore fosse ela mesma um ímã do silêncio. Sempre vou lá quando posso, com minha esposa, buscar um pouco dessa tranquilidade.

(Madrinha, é como chamo a árvore. Sou bicho-grilo mesmo, dou nome para as coisas)

Com o tempo, fui encontrando outros lugares, alguns óbvios ( a biblioteca da CCSP e sua gibiteca, é claro), outros nem tanto (por algum motivo, a rua ao lado do hospital Santa Catarina, na Avenida Paulista, me dão uma paz tremenda!)... mas em todo lugar de São Paulo, eu fui montando estes pequenos santuários pessoais, estes lugares de reenergização. Tudo isso para minha grande surpresa: não esperava isso de uma cidade tão grande como aqui. Talvez eu tivesse uma visão errada quando vim para cá. 

Em Belém do Pará, por 27 anos meu lugar de paz era uma avenida toda: a Gentil, lugar onde ficam tanto minha biblioteca favorita quanto muitas memórias de jovem. Quantas vezes não voltei no ônibus, o calor intenso no coletivo de janelas fechadas para a chuva não entrar, mas ansioso para chegar em casa e ler os livros emprestados do Centur? Estas são, talvez, uma das mais fortes memórias que carrego em meu coração de minha cidade natal. 

E ontem, no sábado, quase pude reviver estas mesmas memórias de descoberta de paz, quando fui com minha esposa no parque Severo Gomes, um lugar tristemente cercado por um bairro rico (e portanto distante da realidade do bravo povo à margem aqui do meu bairro, por exemplo), mas tão poético que chega me dói o coração de lembrar. Crianças brincam e comem em picnics ali, e há trilhas: ao longe o som do riacho restaurado pela ação do Estado. O calor do dia completamente reduzido pelas árvores.... é um paraíso, amigos. Gostaria que todos que moram aqui em São Paulo pudessem ir lá e desfrutar, garanto que pelo menos relaxados vocês saem. 

Mas nem todos tem o mesmo caminho de paz - e portanto nem todos tem o mesmo jeito de montar estes santuários. Então, a pergunta que fica é: 

Quais são seus lugares de paz na sua cidade?