Todos os sábados, eu e minha esposa temos uma conversa via whatsapp vídeo com meus pais, que moram em Belém do Pará. É um momento leve e de desabafo também, eu penso, para os dois lados; afinal de contas, nesses tempos bizarros, é preciso ter alguém que você confie e que possa falar sobre os despropósitos governamentais, familiares, profissionais, o que seja. A essas pessoas que podemos fazer isso, chamamos Família, seja de sangue ou não.
Mas eu falava da conversa, e em meios a tantos assuntos, minha mãe tocou no fato de seus cabelos serem agora prateados, sem as cores da pintura que ela fazia anos atrás. Digo prateados, porque é realmente a cor que são: de acordo com minha genitora, para atingir essa coloração é necessário um investimento um pouco alto num shampoo especial roxo, que evita aqueles cabelos brancos meio amarelados (o famoso "tom de estofo de almofada") e porosos. Meu pai, que tambémte tem cabelo (e barba) brancos, aquiesceu ao lado silenciosamente, e infelizmente não me ocorreu perguntar se ele também usava o tal shampoo. Perdoem seu reles cronista.
De qualquer forma, essa conversa me fez pensar em um aspecto muito interessante de nossa sociedade. Veja, em determinado momento, minha mãe disse que se indignava com quem dizia que cabelos brancos são "relaxo da mulher". "Relaxo nada, isso aqui me dá é muito trabalho pra ficar bonito assim!", ela disse, e eu com certeza acredito; minha mãe sempre foi uma pessoa muito zelosa com sua aparência. Mas esse termo, "relaxo", me fez pensar no quanto somos cruéis, eu diria, com nossos mais velhos, em tantos aspectos que fica difícil de falar só em um texto.
Por exemplo, me parece que ainda impera uma ideia que os mais velhos são "voto vencido" nas coisas, como se todos os seus anos cidadãos fossem zero depois de um certo tempo. Desta forma, por exemplo, as calçadas não podem ser pensadas considerando os mais idosos, ou até mesmo um projeto de cidade em si: tudo tem que ser pela ótica dos mais novos, dos mais fortes, numa falsa argumentação perversa de um pseudodarwinismo de araque. Os ônibus veem os nossos mais velhos como estorvos: não raro eles passam direto quando veem uma quantidade de idosos na parada, e também não é difícil ver projetos da própria prefeitura visando dificultar ainda mais os direitos de gratuidade daqueles que tanto deram de sua vida para a sociedade.
Podemos falar de vagas especiais e gratuidades que existam, sim; mas elas parecem muito mais um "calaboca" que uma preocupação real com os idosos. Porque, afinal, a partir do momento que cobramos as senhoras mais velhas (e veja que o foco é nas mulheres idosas), de pintar seus cabelos como sinal de se cuidarem, estamos dizendo que queremos que elas se esforcem para parecer jovens o tempo todo. E como isso pode ser compatível com uma real preocupação? De fato, se houvesse mesmo uma preocupação da sociedade em peso pelos mais velhos, não haveriam tantos jovens festejando nas ruas neste exato momento, carregando a doença para suas casas, infectando seus pais/avós, e depois culpando os céus pela sua tragédia.
O estigma aos membros da melhor idade é real, não adianta disfarçar. Mas eu penso que temos lutado em cima disso, e cada vitória deve ser comemorada de alguma forma, por menor que seja. Por isso, viva os cabelos prateados de minha mãe, que está livre das pressões idiotas da sociedade! E que o mundo possa aceitar esses cabelos em tantos outros, sem o ranço da crítica, mas com o abraço da aceitação!
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