quarta-feira, 21 de abril de 2021

Crônicas do Novo Normal: Caminhando e Cantando e Seguindo as Canções


Quando Caetano Veloso veio a São Paulo,  deve ter ficado tão encantado com a cidade que resolveu fazer uma canção, Sampa, para poder menos homenagear a metrópole e mais prestar respeito às sensações que deve ter sentido quando veio aqui. Porque isso acontece muito, diga-se: as pessoas pensam que certas obras de arte são representações do que estão mostrando, e na verdade são apenas reflexos de como estava a alma do artista quando da concepção de determinada obra.

Mas eu falo de Caetano, porque também compartilho disso, da necessidade de ter uma canção que represente certas andanças que tenho, caminhadas da vida em busca de dinheiro, companhia, ou comida. Ao contrário do bardo baiano, não tenho a capacidade de criar os meus próprios versos sobre meus sentimentos, de sorte que pego emprestado músicas diversas, e monto um pequeno mosaico auditivo de sensações e ruas por onde sigo. 

É um costume antigo: também em Belém do Pará eu andava desafiadoramente (havia um perigo real dele ser roubado, algo que de fato aconteceu pelo menos 3 vezes) com meu mp3 player e uma seleção de músicas que eu achasse que combinavam com o lugar que eu ia. Os gêneros eram bastante diversos, e o sentido talvez mais pessoal que eu possa explicar; por exemplo, eu tinha uma predileção por seleções de músicas de rock gótico toda vez que eu ia à biblioteca do Centur na minha cidade natal. Com os fones devidamente postos na orelha, eu sentia meu pensamento e coração em compasso com a música, e com os livros antigos ao meu redor. Vai saber por que!

Quando me mudei para cá, é claro, mantive meu costume, e assim codifiquei a cidade de acordo com tipos de música e cantores específicos. Por exemplo, Pinheiros para mim sempre teve uma trilha sonora de Paralamas do Sucesso ou algo do Mangue Beat; a Zona Leste (por onde andei muito em 2015), é claro, tem a representatividade do Criolo, ou do Racionais. 

Por vezes, é menos um bairro e mais uma rua: a Augusta , junto com a Paulista, tem todos um ar de Blues e Soul, talvez por causa do som do saudoso Pete Hassle e sua banda Screw'd, ou do também saudoso Jonathan Alves, o Tim Maia da Paulista; a minha adorada Corifeu De Azevedo Marques, avenida central em minha vida aqui no Butantã, tem sempre para mim o ritmo de um bom rock anos 70 - traços de estar perto da USP, talvez. 

Já faz mais de um ano que eu não saio por aí ouvindo as canções das ruas - consequência deste isolamento que estamos submetidos. Na verdade nem sei bem como vão ficar as coisas depois de tudo, se vou me sentir bem ouvindo música em meio a uma cidade triste, cabisbaixa por tantas mortes e descasos. Talvez a única música que eu ouça é a mesma que tenho tocado, constantemente, quando olho da janela do meu apartamento lá para baixo : um sombrio e lamentoso Jazz dos anos 40. 




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