quinta-feira, 2 de julho de 2020
Crônicas da Cidade Pandêmica: Elegia
Hoje, marcamos quase um milhão e meio de infectados no Brasil, e mais de sessenta mil mortes. Pra você ter uma ideia, em 2019, morreram de homicídio neste país pouco mais de 40.000 pessoas, de acordo com os dados oficiais - e isso de uma das mortes que nós, em tese, mais nos preocupamos. E isso num ano todo: ainda estamos em Julho, acabamos de começar o segundo semestre.
Se formos considerar mortes por causas respiratórias, o principal sintoma do Covid-19, os dados vão se acumulando em emergência: O Brasil teve um aumento de 8,15% de mortes por essa causa, de acordo com a ARPEN (Associação de Registradores de Pessoas Naturais). Evidentemente. o principal contribuidor disso é o Corona, a despeito do que insite em acreditar o presidente Bolsonaro, quando afirma ser tudo um grande exagero da imprensa.
E no entanto, temos um culpado maior nisso tudo, ou ao menos em uma das áreas que mais afetam nossa sociedade atualmente. Pois veja, não podemos fazer nada a respeito das questões estruturais: resta-nos esperar que os nossos representantes no poder façam algo que possa nos ajudar a sobreviver a esta crise maldita, a esta peste moderna. Alguns estão ajudando, outros estão claramente atrapalhando (cofcof Bolsonarolazarento cof cof), mas é inegável que esta bola, não nos pertence.
Contudo, existe uma série de coisas que poderìamos estar fazendo melhor, e simplesmente nos recusamos a tanto. Talvez por estarmos cansados da quaretena que não acaba, talvez por puro e simples egoísmo, Muitos de nós estão vacilando nos cuidados, e digo isso com pesar no coração, pois alguns destes que vacilam eram justamente parte dos poucos que ainda se valiam de tentar respeitar a quarentena. Talvez também seja uma falsa esperança: afinal, se na Europa já estão reabrindo, porque não no brasil, esta terra que certamente já sofreu tudo que tinha de sofrer, na visão dos iludidos?
E toca haver bares disfarçados de pet-shop, para poder funcionar escondidos. Toca desativar hospitais de campnaha, na esperança que tudo jáa está acabando. Até mesmo conversa sobre retorno do campeonato carioca estão acontecendo - tudo seguindo, de acordo com as autoridades, "o máximo de proteção necessário para isso", como se houvesse possibilidade de se proteger da doença em meio a um jogo acirrado. Não falo aqui dos trabalhadores essenciais: esses tem todo meu apoio e suporte. Falo dos que insistem em sacrificá-los, sem ao menos garantir que eles tenham o mínimo de segurança. Não à toa, o percentual de pessoas infectadas com coronavírus nos bairros pobres da cidade de São Paulo, a maior metrópole do país, é 2,5 vezes maior do que nos ricos. Ou seja, eles simplesmente não se importam se o pobre morrer: a ideia aqui é reabrir tudo, e que morram os (pobres) que tem que morrer.
E falando de morrer, essa sim é a nossa principal falha, nós, humanos, cidadãos, viventes. pois cada um desses números para nós, tornou-se apenas isso: um dado numérico. Um algo que olhamos todos os dias, e anotamos na agenda mental na nossa cabeça. Hoje 60 mil; amanhã talvez 62 mil? 63 mil? Quem pode saber? Fazemos isso, e esquecemos que cada uma dessas pessoas estava viva, tinha planos, sonhos, como nós. Era alguém que aqui estava, e depois partiu, em dores, afogada em si mesma. Não lamentamos a morte dessas pessoas, exceto quando é da nossa família, ou é alguém conhecido. E no entanto, é preciso pensar neles. Ao menos um pouco, ao menos por alguns momentos, precisamos absorver a enormidade das mortes que estamos observando. Precisamos rehumanizar a nós mesmos.
As coisas não podem ser apenas "vida que segue". Não podemos deixar que cada pessoa morta tenha sido apenas um degrau pra gente voltar à dita vida normal, sem qualquer elegia por elas. Sem um pensamento de conforto, de piedade. Se nos fizermos dessa maneira, podemos sair incólumes da
covid, mas nunca mais nos recuperaremos da doença no espírito que causamos a nós mesmos.
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