segunda-feira, 27 de julho de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: O Catálogo Das Coisas Específicas



Na madrugada da alma, que muitas vezes combina com a madrugada normal de horários e tudo mais, pensamos nas coisas mais loucas, do engraçado ao trágico. Por que o gosto de peito de peru é algo tão peculiar com um determinado de tipo de maionese? Por que aquele garoto se suicidou no meio de um Domingo ensolarado? O que será que eu vou cozinhar amanhã para o almoço? Sabe, coisas assim, aleatórias.

Numa dessas madrugadas, pensei nas músicas reais que ainda existem. Todos nós conhecemos essas canções: são aquelas que você sente o sentimento verdadeiro por trás. Talvez às vezes não seja realmente o sentimento do cantor, talvez as palavras não representem totalmente a dor que carrega em seu coração, mas com certeza ele cantou com sua alma ali. Fingiu que era dor a dor que deveras sentia, como diz o Fernando Pessoa. Você pensaria que essas obras são muito comuns, mas ao contrário, elas tem sido cada vez mais raras; em tempos plásticos, músicas plásticas são as mais pedidas. Arte plástica em geral, ou talvez eu seja um velho ranzinza de 32 anos.

Pensando nisso, lembrei de uma outra preferência específica que tenho: fotos preto em branco, de uma pessoa à vontade, olhando com amor para a lente que captura a imagem. Agora sim, eis um item que é extremamente específico. Boa sorte procurando isso no Google: muitas vezes tentei e só encontro as fotos clássicas, sabe, mega posadas. Eram tempos difíceis para fotos, muitas vezes elas levavam quase 20, 30 minutos. A magia, evidentemente, sumia nesse meio tempo. 

Mas no fim, sabe o que é mais difícil de encontrar por aí? Emoções genuínas. As pessoas falam muito de tempos líquidos, mas elas estão erradas, e muito. É uma era de emoções plásticas: brilhantes e aparentemente duradouras, mas falsas. apagadas com o tempo. Em dias assim, eu luto para encontrar  as migalhas de emoções verdadeira,s seja em canções, fotos, comidas feitas com amor. No começo é imperceptível, porque suas sensações estão diluídas pelo lixo que você chama de emoção real; mas com o tempo, seu paladar se apura, como se provasse um bom vinho. 

E assim, falando em vinho, proponho um brinde: às coisas com verdadeiros sentimentos. Que sejam poucas, porque assim são mais intensas; mas que sejam eternas também, pelo menos enquanto durem.

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