quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: 2020 está morto, vida longa a 2021

Eis que o dia 31 chegou, e com ele a esperança de um ano novo diferente e bonito. Todos nós temos, no fundo do coração, esse sentimento forte de querer algo novo com o passar do ano. Ainda mais, é claro, depois de um período que foi mais um curso prático de estresse pós traumático que um ano em si. E nem me refiro às mortes (que foram muitas), nem às dificuldades que tivemos (que tantas outras pessoas tiveram ainda pior). . me refiro, na verdade , ao clima todo das coisas, todo o ar de peste e desespero que andava pelas ruas, ou talvez tenha sido somente libertado pelas condições do Covid-19. 

Eu sei o que muitos estão pensando: onde você estava que não viu isso antes? Brasil é isso mesmo, estamos sempre na luta, quem pensa diferente é superprotegido, filho de condomínio. E eu digo que essa pessoa que me lê e pensa isso, é um indivíduo que simplesmente não entende como as coisas mudaram demais desde março de 2020 por aqui. Ou olhar apreensivo pra qualquer pessoa que tossisse na rua era super comum  em 2019?  E encontrar lojas fechadas com avisos de obrigatório uso de máscara, que tal essa longa tradição de anos passados, hein? É lógico que as coisas mudaram, e não foi para melhor: foi para pior mesmo.

E então.... o dia 31/12. A grande virada. Porque é assim que as coisas funcionam, não?  uma data mágica e pof, tudo novo. Tabula Rasa. E talvez os nossos velhos problemas fiquem para trás, e nós possamos nos renovar enquanto soltamos fogos de artifício, comemos a ceia, e vemos o Faustão na Globo em algum show de virada da vida (talvez não esse ano; confesso estar por fora da programação da Globo por algum tempo já). 

E sabe, isso faz um certo sentido mesmo. O ser humano é antes de tudo um Homo Symbolicus,  e esses rituais são necessários para ele entender o começo de uma coisa nova, poder se renovar espiritualmente para coisas  que virão. Isso tudo é absolutamente necessário, tal qual os aniversários, ou antigamente as danças purificadoras e tudo mais. Alguns acham que um dia o ser humano vai se livrar dos símbolos e conseguir agir somente com a razão: eu afirmo que isso é impossível, pois toda essa simbologia é simplesmente parte integrante da experiência humana.

O que não faz sentido, amigos, é entender o 2021 vindouro como um imediato alívio das mazelas de 2020. Isso não vai acontecer; ainda temos tantas coisas a resolver que é quase ridículo comemorar a chegada desse ano novo. O Covid ainda está entre nós, e parece que vai ficar por um tempo, de acordo com os especialistas; a Crise econômica que virá graças à pandemia vai ser monstruosa, e podemos estar certos que a resposta a ela, aqui no brasil, vai ser a mais idiota possível (saudades de quando os planos econômicos eram apenas desumanos...); pior que isso, toda a estupidez e o ódio que ferveram durante dois mil e vinte continuam aí, mais expostos que nunca. eles não vão embora só porque um número mudou; ainda é nossa responsabilidade resolver isso.

Então o que comemorar? Que tal a chance de podermos, afinal, tentar resolver sses problemas? Estamos vivos, amigo/a leitor/a. Sobrevivemos, até aqui, a batalha de 2020. Temos a chance de acordar, tomar um banho, tomar café e encarar esse novo e bizarro mundo. Sofreremos, sim. Choraremos, mais ainda. Lamentaremos, sangraremos... mas é a experiência humana, com o doce e o amargo. Eu, particularmente, jamais vou me render antes de pelo menos lutar ao máximo, e sei que não estou sozinho nisso, afinal, ainda estamos vivos. e viver é lutar.

Desejo do fundo do coração que você que me lê, tenha a força para lutar e esmurrar o mundo bem na cara quando ele quiser te derrubar. Na falta de positividade, use a força da raiva mesmo! Nunca deixe que um ano te faça desistir. EM FRENTE! FELIZ 2021, E VAI TIMBORA 2020!


sábado, 26 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Papai Noel dos trópicos

Fonte:espacocasa.wordpress.com

Estamos quase chegando em 2020, e não sabemos quem somos. É a pura verdade - embora não queiramos admitir. Tentamos e tentamos tantas vezes, em tantos tempos passados, mas me parece que hoje em dia a Grande Identidade, por assim dizer, está completamente fora do nosso alcance ainda, e isso em um momento que saber quem somos é de vital importância. 

Talvez o leitor esteja confuso sobre esse assunto. Ora bolas, não acabamos de sair do natal? o que é isso tudo de identidade, de importância vital e tudo? Pois eu lhes digo que é sim um assunto forte, e que nunca é tão evidente quanto nestes momentos. Pois lhes pergunto: fez calor na sua região? Suponho que sim, embora com um pouco de chuva. Aqui em São Paulo, incrivelmente, fez um pouco de frio, mas nada que houvesse neve ou qualquer coisa assim. Como se deve saber, a neve no brasil é um fato quase impossível.

E no entanto, cá temos o Papai Noel, de casaco, gorro e botas, preparado para um frio que inexiste aqui. e  arrisco dizer que muitos nem chegam a pensar nisso como algo incomum: simplesmente é, e não se diga mais nada a respeito. Mas só porque é uma tradição, não quer dizer que pode ser contestada: tradições são meras invenções simbólicas, amigos. E a do Papai Noel também já foi antes, por Getúlio Vargas, com o Vovô Índio, uma figura indígena carregada de todos os preconceitos da época acerca dos indígenas que se tentou tronar a figura dos presentes aqui na Terra Brasilis.

 Foi uma maneira bizarra, xenófoba e francamente ridícula de se questionar a figura do Bom Velhinho por aqui, e talvez por isso o projeto da brazileirização de Noel tenha sido abandonada. Mas eu acho isso um erro. E pode parecer besteira insistir em buscar um modelo brasileiro de papai Noel com tantas outras urgências ao nosso redor, mas pense bem: Um Papai Noel brasileiro não iria, na menor das hipóteses, pelo menos prover os pobres papais-noeis de shopping um alento do calor infernal dos trópicos? E na melhor das hipóteses, não iria também, pouco a pouco nos libertar de um dos muitos modelos importados de fora, sem nenhuma adaptação, que só servem para nos fazer sentir incompletos, excluídos de algo que nem tem a ver com a nossa natureza? 

Posso ser um sonhador, mas entre tantas coisas que desejo (e elas são muitas: Justiça Social, Felicidade para a minha família, perder 5 kilos...), essa é uma das principais. E talvez seja a mais alcançável, depois da meta de perder peso. Então, que sigamos nosso manifesto antropofágico uma vez mais! PELO PAPAI NOEL DE BERMUDA E CAMISETÃO! 


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Bodas de Máscara


Dia 22 de Dezembro veio, e junto com ele meu aniversário de casamento com Aline Garcia, minha companheira de lutas, tretas e sonhos desde até antes da nossa união oficial. A cerimônia aconteceu em 2018, em Santos, e foi um dia quente demais até par aos padrões de uma cidade praiana. O caos aconteceu por todo lado: Além do calor, precisamos acertar de última hora um bolo que teimava em não chegar a tempo, além do noivo (este que vos fala) ter esquecido a própria calça do terno do casamento; então toca buscar uma loja que alugasse uma calça para eu usar junto com o blazer e poder me casar, enquanto Aline esperava pacientemente na igreja (anglicana, porque somos um casal que se recusa a seguir padrões ao pé da letra). Acho que talvez ela tenha sido a primeira noiva que chegou na hora e teve que esperar o noivo atrasado (em uma hora!). 

Desde então, é claro que resolvemos comemorar nosso aniversário de casamento de maneiras diferentes, e assim foi em 2019; contudo, 2020 nos apresentou o desafio de organizarmos uma comemoração em meio a uma pandemia. Claro estava que não podíamos sair de casa para ir comer em lugar nenhum: diferente de tantos que esbravejam nas redes sociais sobre a necessidade do isolamento e depois saem para beber e comer hambúrguer como se nada estivesse acontecendo, nós estamos realmente nos resguardando e em isolamento. Mas é claro que precisávamos comer-morar, afinal, para um casal "gourmet" como somos(leia-se: fãs de comida), o ato de comer algo mais chique é essencial para ressaltar a importância da data.

Assim, tivemos que encontrar a saída da entrega, e deixe-me dizer que isso hoje em dia é algo um tanto cheio de suspense aqui em São Paulo. Sim, pois está acontecendo de alguns entregadores fingirem que deixaram seu pedido, e simplesmente sumirem com a comida. Já me aconteceu uma vez e foi bastante incômodo, para dizer o mínimo; assim, aguardei apreensivo pela chegada da comida, e quando o tempo de chegada passou dois minutos do estipulado, já estávamos preparados para ligar e reclamar quando toca nosso interfone: era o entregador. Fim do suspense. 

Os pratos (que foram fetuccines ao molho pomodoro e quatro queijos, respectivamente) foram devidamente organizados na mesa, e então abrimos um vinho relativamente barato comprado no supermercado, brindamos e comemos. Mas ao fim das contas, o prato, e a bebida, importavam menos que a companhia de minha esposa, que a parceria dela durante estes dias tão difíceis, quando o choro vinha do nada e ela me consolava (e eu a ela); quando demos forças um ao outro em problemas pessoais e profissionais; quando rimos de vídeos bobos da internet ou quando ela ficou me observando jogar enquanto lia um livro de Raquel de Queiroz. 

Me parece que o casamento é isso: companheirismo através dos tempos bons e ruins. e nem precisa, necessariamente, ser algo imposto por igreja nenhuma: é simplesmente algo que ocorre quando duas almas resolvem se unir contra o mundo, e criar juntas um mundo próprio onde possam repousar e reenergizar. Onde um aprende com o outro, todo dia, sempre surpreendidos com algo que não imaginava do parceiro. Sou muito sortudo de estar em algo assim, sei bem disso; espero que todos que me leiam estejam, também, em algo tão recompensante e mágico quanto o que vivo e que descrevi. 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: A falta eterna



Nicete Bruno morreu, a nossa "eterna Dona Benta", como diriam (e talvez tenham dito) os jornais na Globo e afins. Morreu de Covid-19, aparentemente depois de uma única visita, mesmo com todos os cuidados, mesmo com todas as questões. Que importa? Ela se foi, tomada pela peste. Seus familiares pranteiam sua morte. E seu quarto, seu lugar na mesa, estará para sempre vazio dela. 

Falo aqui da atriz, mas quero mesmo é, através dela, falar sobre as pessoas que partiram esse ano, tanto as do Covid, quanto as que partiram por outros motivos (embora o Covid seja uma causa grande das mortes). Ainda mais nessa época, de natal, que independente do que pensamos a respeito, tende a ser uma época de juntar a família, amigos, pessoas queridas. Não esse ano, porém: ainda temos que tomar muito cuidado e nos prevenir, manter-nos em nossas bolhas de segurança, apenas com quem sabemos estar livre da doença. 

É claro que muitos vão fazer festas grandes chamar todo mundo, e que se dane a sociedade; mas não quero falar dessas pessoas, elas não precisam de mais atenção que já lhes foi dada. Quero aqui, falar das pessoas que sofrem, nos lares vazios de um, duas pessoas. Quero sentar e conversar com cada pessoa que chora a morte de seu ente querido, que olha vazio para um canto, e sente a saudade que não passa, nunca passa. A dor que nunca acaba, a saudade que não se resolve, o abraço que jamais poderá ser dado de novo. E falo com eles, porque ninguém está falando. Certamente não o governo, mais preocupado com ganhar um jogo político vão que em realmente buscar ajudar as pessoas; muito menos a grande mídia, que parece mais preocupada em juntar fatos que possam servir de ferramentas para seus propósitos. 

Menos ainda os que muitas vezes estão ao seu redor, dizendo que é tudo uma invenção, que é um exagero. Ou quando dizem que "é preciso ser forte", que "não adianta nada chorar", que "agora é seguir em frente". Ninguém quer ouvir nada disso nessas horas, mas é o que muitas pessoas acabam tendo que encarar em meio à dor. Acho que nós passamos anto tempo tentando ser fortes e não ser esmagados pelo mundo, que ficamos insensíveis ao sofrimento alheio, e vemos isso como uma fraqueza. Então, o apoio vem com incentivos a seguir em frente, esquecer,  sacudir a poeira, viver os 3 dias de luto legais da carteira de trabalho e continuar. Como se o mundo dos sofredores fosse normal depois de tudo que passaram. Como se fosse fácil seguir em frente, sem nem ao menos prantear direito. 

Eu não tenho poder nenhum, sobre os direitos trabalhistas, sobre a humanidade, sobre nada. No entanto, gostaria de dizer aos que leiam isso e precisem (que são todos. Em algum momento na sua vida, você vai precisar chorar): Nunca retenha suas lágrimas. Chore, e lamente a falta de quem não está mais aqui. "o mundo continua", como dizem os que querem lhe dar forças, mas o SEU mundo, por hora, acabou um pouco, então nada mais justo que lamentá-lo um pouco, só mais um pouco. Conforme uma grande mulher disse certa vez: quando lhe disserem "siga em frente", olhe nos olhos deles e diga "No meu tempo". 


sábado, 19 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Quarentena da alma na internet


O brasileiro adora uma fofoca, quase tanto quanto adora uma novela. Eu sei, porque moro em um prédio de frente para uma rua, e não há nada mais divertido a se fazer certas noites, que espiar a rua com Aline e ficarmos bisbilhotando o que está acontecendo ali. Há muito a se aprender com o drama da vida real; de fato, eu recomendo a todo projeto de escritor como eu, que seja sempre um grandessíssimo fofoqueiro, e sempre esteja atento ao desenrolar da via ao seu redor. Ali sim está sua verdadeira escola para enredos. 

Falei da minha mania de fofocar durante o covid-19, mas sendo honesto é uma coisa que eu sempre tive comigo: sou mesmo um grande bisbilhoteiro. Correndo o risco de ser olhado torto para sempre por meus amigos e familiares, a verdade é que estou sempre de ouvidos atentos para historinhas, anedotas, ou mesmo só algum fato curioso sobre alguém, de algum lugar, fazendo alguma coisa. Você pode pensar que estou calado, mas na verdade estou atento, ouvindo tudo, anotando no meu caderninho mental para um uso futuro.

Evidentemente, a quarentena só acentuou o que já existia em mim, de sorte que me pus a buscar, como hobby, histórias que tenham acontecido a outrem para continuar anotando no meu caderninho mental, já que eu estava privado de ouvir estas nos ônibus e trabalhos da vida. Encontrei, benção das bênçãos, a internet, e a fantástica falta de zelo de seus usuários em questões privadas. Neste momento, faço parte de uns dois, três grupos de facebook com pessoas especializadas em contar suas mazelas à estranhos, sem sequer considerar quem possa ou não estar lendo aquilo. 

Você pode pensar que é um problema exclusivo de gente mais jovem, mas eu lhe asseguro que essa entrega voluptuosa de sua própria privacidade não tem idade. E durante nosso isolamento forçado de 2020, a coisa tomou uma figura muito maior: há desde pessoas queixando-se de seu companheiro de aluguel não  tomando os cuidados devidos para evitar o Corona, quanto pessoas pedindo conselhos sobre como proceder num caso de divórcio! Tudo, é claro, material riquíssimo para um projeto de escritor como eu - e tudo devidamente guardado nas pequeninas células cinzentas de que nos falava Agatha Christie. 

O que falo pode parecer crítica - e de certa forma é mesmo - mas não posso deixar de pensar em como a solidão é que empurra essas pessoas a dividir suas vias com estranhos, e em como 2020 impulsionou isso ainda mais. Pois a verdade é que a quarentena foi de corpo e alma para nós todos: protegemos nossos corpos da doença, e acabamos vendo de profundis o imensidão das mazelas de nossa alma. E vazios, buscamos significados na internet, sem saber que ela é a pior coisa que possa preencher um coração desesperado. E no entanto, para muitos, é a única coisa que há para fazer isso.

Aos meus amigos, colegas e companheiros de comunidades altamente reveladoras: não me tenham como inimigo. Quisera eu, na verdade, poder fazer algo para ajudar vocês de alguma forma. Mas a estrada é longa, e em cada caminho só cabe uma pessoa e seus amados. Que seus caminhos sejam menos dolorosos em 2021, do que parecem estar sendo agora. 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: As ruas do Natal em 2020.


Em dias como esse, com a chuva caindo devagar sobre os telhados paulistas, e os gatos correndo pela casa lutando por cordas e brinquedinhos espalhados, que eu me lembro do período de festas da minha época de adolescente e criança. Memórias que vem com o cheiro da chuva, certamente.

Sendo honesto, direi que eu não era o maior fã desta época do ano. Não era realmente um Grinch, mas eu não sei se conseguia ver o que tinha de especial tanto assim. Claro, no dia do natal haviam presentes, e comida, e mais presentes ainda. Mas eu não me sentia à vontade em grupos grandes, e minha família é BEM grande, fora do grupo nuclear: assim, eu vivia meio que isolado em mim mesmo, apesar das pessoas se esforçarem para fazer um clima agradável. Hoje, eu vejo com muito mais bons olhos isso, apesar de ainda ser uma pessoa que prefere grupos pequenos. 

Sendo assim, o que eu gostava dessa época, afinal? Bem, é difícil de explicar, mas os dias que antecediam o Natal eram, para mim, os melhores, até melhores que o natal em si. Existe o velho clichê de espírito de festividades permeando os lugares e as pessoas, mas acho que isso por si só não explica muito as sensações. Posso dizer para você, leitor/a, que o que eu mais gostava era andar nas ruas molhadas pós-chuva (no Pará, em Dezembro, sempre chove), e olhar as lojas com luzes de natal, e vitrines com promoções, e as pessoas nos carros e nas ruas. 

E eu pensava, meu Deus, será que o Natal é isso então? Uma eterna passagem de tempo num livro cósmico qualquer? E, apesar de parecer algo negativo, era bom esse momento, como estar num fluxo de pensamento de um ser superior, um pensamento que passava pela mente... e sumia. Ou talvez fosse minha eterna fixação em coisas efêmeras; de qualquer forma, era ali que eu me sentia em paz. 

Esse 2020, eu olho as ruas, pela internet ou pela sacada do meu apartamento, e não posso deixar de pensar, como sempre, em como será o natal de tantas pessoas que vejo passando ali, encolhidas, mascaradas


. Algumas sem seus entes queridos; outras no choro sentido dos que esperam, e alguns abençoados, que não sofreram nada diretamente, exceto a tensão do esperar o melhor de uma situação que não temos quase nenhum controle. Essas situações em nada se parecem com o que falei antes, mas também são uma estranha espera,. de fim da dor, que não se sabe quando nem como vai acabar. 

Então, que em 2020 recebamos o maior presente possível no momento: chegar em 2021. Por favor. 


domingo, 13 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Cyberpunk 2020

São Paulo Neon Nights, foto de Henrique Oliveira (flickr)

Recentemente lançaram o jogo Cyberpunk 2077, E não vim falar dele aqui. Primeiro que não comprei o dito cujo (até onde soube, ele está todo mal-feito também, então nem me interessa comprar no momento); segundo, que mais interessante que falar de um jogo, é falar do que ele nos traz à mesa para discutir, de uma forma ou de outra.  Toda produção cultural, aliás, pode suscitar essa discussão, e um jogo de videogame é, certamente, um produto de cultura pop, quer se aceite isso ou não.

Enfim, vendo esse afã todo, comecei a pensar no gênero Cyberpunk, esse grande injustiçado dos meandros artísticos. Não que ele seja o único: na verdade, é difícil até dizer que gênero não foi injustiçado pelo mercado. As pessoas gostam de um determinado aspecto de uma obra, e as empresas, as corporações, tentam desesperadamente refazer o pulo do gato, e concentram-se em criar obras vazias de alma, porque acham que o que foi especial ali foi um tipo de efeito especial, uma cena em específico. E assim temos um filme, um livro que marca época, seguido de cópias e cópias sem qualquer valor. 

Mas divago: meu ponto aqui é, que o Cyberpunk é um gênero que começou literário (grosso modo), e que se entendeu como sátira. Isto é, apenas um tipo de história que exageraria os problemas sociais associados com a tecnologia em rápido desenvolvimento. Nunca se pensou neste tipo de história como uma previsão exatamente de nada; é claro que tecnologias apresentadas nas histórias (assim como tende a ser em quase toda ficção científica) fatalmente surgiriam, criados por cientistas inspirados nestas histórias. Mas arrisco dizer que  o escritor de Cyberpunk médio pensava mais em denunciar questões de seu presente, que necessariamente tentar prever aonde o futuro chegaria. 

E no entanto, veja onde estamos: em plena distopia cyberpunk. Ou há alguma dúvida a respeito disso? Olhando aqui a definição de um mundo cyberpunk, temos o seguinte conceito, em resumo: um lugar sinistro, sombrio, onde a tecnologia controla a vida dos indivíduos, e as corporações toma o lugar do Estado como centros de poder. Evidentemente, ainda não chegamos no epicentro da coisa toda, pois nossos Estados ainda cambaleiam em manterem-se relevantes; mas será que podemos realmente dizer que nada do que foi dito acima, aplica-se à nossa realidade? 

O Cyberpunk já está entre nós, e talvez tenha sido mais inevitável que pensávamos. Quantas outras previsões nefastas estão nos livros de nosso passado? O quanto nós mesmos montamos as estruturas para elas acontecerem, tal qual com as tecnologias que inspiraram cientistas fascinados? E nesse caso, será que não seria o momento de vermos a fundo o impacto das palrvas, das imagens, da arte na construção de um futuro mais próximo que pensamos? 

Eis algumas questões para considerarmos durante esse fim-de-ano. Ou talvez seja melhor buscar no Google? Veja só, ele já está até mostrando indicações de filmes com o tema! Parece mágica... 







 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Um mundo horrível e lindo


2020 tem sido um ano de aprendizado para mim. E não me refiro aqui àqueles velhos ensinamentos de coach, "cada problema é uma oportunidade de crescer", etc. Acho que todo mundo que chega em um ponto da vida, já sabe efetivamente que problemas podem ajudar a crescer, mas coisas boas também o fazem. Não vangloriemos os obstáculos, eles não precisam de suporte, nós é quem precisamos. 

O aprendizado de que falo tem mais a ver com a dualidade que as coisas carregam em si, particularmente nossa vida; uma dualidade essa, dividida entre o que há d certo e o que há de corrompido . Eis também, outra frase que pode ser facilmente levada como uma mera falácia hippie. Já vejo alguns dos leitores esgarçando a face: como assim, Alfredo Neto, você vem aqui me falar de dualidades? Pois não temos uma métrica de horrores a cada dia? Quantos mortos já temos no Brasil, e no mundo, graças a uma doença que tudo indica que foi escondida até o ponto de não haver mais controle possível?  E as crianças baleadas no Rio de Janeiro? 

Mas amigos, eu preciso acreditar na dialética da coisa. Apesar de ser acusado, muitas vezes, de utópico ou simplista, não posso deixar de sentir que certas coisas são erradas, como o sofrimento de uma criança, ou que pessoas passem fome em um país que se especializou em produzir alimentos. Também não posso crer que todos esses horrores simplesmente aconteçam, e sejam a versão normal do mundo, que sejam as coisas como tem que ser. 

Alguns dizem que este mundo está tão quebrado, que o maior crime é, na verdade, trazer mais pessoas para ele. Os pais de primeira viagem seriam, portanto, cúmplices do sofrimento que o bebê deles teria, ao trazerem o inocente ao mundo cheio de pestes, guerras, fomes e mortes, sabendo que elas existem. Mas não posso crer que seja essa a versão final de nosso mundo. Eu creio - preciso crer- que temos como ser melhores, e que vamos ser melhores. Que os bons exemplos que surgem nestes momentos de desespero vão se perpetuar, que vamos conseguir construir algo melhor aqui.   

É nisso que eu penso ao olhar para os bebês de minha família, e os que aparecem ao meu redor Espero, sinceramente, que não esteja sendo apenas um sonhador. 



domingo, 6 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: 33




O momento do aniversário de um indivíduo é sempre um motivo de celebração, para a sociedade. Festas de aniversário, não é? Festeja-se o nascimento com muita comida, bexigas, bolo, etc. Acho que é uma tradição que vem da infância, e na verdade de muito antes, se considerarmos o contexto histórico: Heródoto já falava dos aniversários fantásticos dos persas, como se faziam festejos e festejos nestas datas. tenho certeza que na própria Grécia antiga isso já acontecia.

O motivo é óbvio:  você sobreviveu! Ainda mais em tempos passados, onde esse feito era realmente notável: com tantas guerras, fome, pestes, etc. Você conseguir chegar ao próximo ano de sua vida era , mais que um fato especial emocional, uma demonstração de capacidade de sobrevivência! E tudo o que se quer após uma batalha pela vida, é comemorar. É só ver os planos por momento pós-covid: festas, encontros, viagens (Eu sei que tem gente fazendo isso mesmo sem a doença ser contida. Vamos ignorá-los neste momento). 

Já eu... bem, eu nunca tive uma relação boa com os aniversários. Sim, eu gostava deles quando criança, mas ao passar do tempo, comecei me sentir, de uma certa forma, sufocado pelo que eles representavam. O tempo passando não era mais algo legal para mim: antes, eram uma espécie de bomba-relógio que eu supostamente tinha que desarmar, e as ferramentas para isso seriam minhas conquistas. Que por muitos anos, eu achei que fossem poucas. Acho que todo jovem se sente assim, atrasado na sua própria agenda, e sem entender que a cobrança vem muito mais fortemente dele mesmo que dos outros. 

Fiquei assim por um bom tempo, e ainda lembro do último aniversário que pensei assim, que foi em 2015. Naqueles tempos, eu era um lobisomem juvenil, e o mais solitário dos lobisomens paraenses a andar por São Paulo. Foram tempos difíceis, em 2015. E no dia do meu aniversário, que eu estava ainda pela Pauliceia Desvairada (em um ou dois dias, eu iria viajar para Belém), eu decidi que o próximo ano seria diferente. Que eu não mais ia me cobrar tanto, e que iria ser mais verdadeiro comigo mesmo. Que não haveriam arrependimentos mais nos aniversários, somente reflexões. 

Não posso dizer que cumpri 100% o que me prometi naquele dia: de fato, eu me tornei mais honesto comigo mesmo (o que pode ou não ter contribuído para eu encontrar com minha esposa amada, finalmente), mas confesso que ainda sinto o impulsionar do autojulgamento. Ainda mais agora, que completo os famosos trinta e três anos, a idade falsa de Cristo (já que, de acordo com Cauê Moura, ele na verdade tem 2020 anos). É uma idade forte de cobranças: onde está sua casa própria? Onde estão seus filhos, sua família gigante, seu emprego mega bem-pago? 

Contudo, amigo/a leitor/a, eu aprendi durante esses anos, que não se deve lutar contra essas emoções. Ao contrário: devemos senti-las em sua plenitude... e deixar passar. Como ondas no mar, diria Lulu Santos. E assim eu fiz, e assim eu venho aqui e digo: estas conquistas virão. Mas elas não importam agora, não como uma cobrança. Importa que caminhei a firmes passos rumo a isso, e a tantos outros sonhos. Importa que sobrevivi, tal qual nossos antepassados gregos e persas, num ano de uma epidemia brutal, num país brutal. Aqui estou, com 33 anos, e que os 34 sejam ainda mais gloriosos!

Embora, se eu puder pedir algo, que sejam um pouquinho menos agitados. Por exemplo, talvez sem uma pandemia global? Seria ótimo, obrigado desde já. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: A Solitária Morte de João Ninguém


Sexta-feira passada morreu mais um habitante das ruas. Morreu no Rio de Janeiro, dentro de uma padaria, pedindo por ajuda, o que nesse país é um crime grave: ninguém quer ser incomodado com pedidos de ajuda nas ruas. Todos querem somente ir para casa e se entocar em seus paraísos artificiais, longe da multidão. E é tão fácil seguir assim, não? Afinal, não é minha a responsabilidade, nem sua. Certamente, quem falhou com essa pessoa foi o Estado! Que o Estado venha e tire esse farrapo humano de perto de mim.

E assim foi com Carlos Eduardo, que morreu entrando na padaria que sempre chegava e pedia pelo amor de Deus, que lhe pagassem um café ou lanche ou algo assim. Que naquele dia não queria comida: queria ajuda, que chamassem o SAMU, por favor. Que tinha dois cachorros, suas companhias fieis, doadas um pouco antes dele morrer, porque estava sentindo que sua saúde estava afetada pela tuberculose que lhe fustigava. E que morreu e foi coberto por dois sacos pretos, perto da geladeira da padaria, a qual seguiu funcionando normalmente: Não podemos parar, que é isso? Só por que um ser humano morreu? E eles lá são coveiros, deve ter pensando o dono, imitando uma vergonha federal nossa.

A história é triste, e se repete. Não faz nem 4 meses, um trabalhador morreu no Carrefour, e tudo que a loja fez foi cobri-lo com guarda-sóis, fechar a área do corpo, e seguir o trabalho normal. A economia não pode parar, não é o que dizem? E , pelo jeito, a vida no Brasil é isso: consumo e venda, mortes são mortes. De fato, as mortes são tantas e tão comuns, que fazer piada com elas virou um lugar comum, ao ponto de uma churrascaria fazer troça da morte de Eliza Samúdio e Isabella Nardoni.  Sem pudor, só pelo marketing. Estes são os signifcados das mortes no Brasil: piadas e marketing.

Que se pode fazer? Muito, na verdade: mas podemos pelo menos começar a recuperar a nossa alma da podridão que nela se instaurou. 

Porque, amigos, como se pode ver pessoas morrendo e só seguir adiante? Falamos aqui de duas pessoas, mas e todas as mortes nas favelas e baixadas da cidade, quando as pessoas muitas vezes tem de simplesmente desviar do cadáver e seguir em frente. E dizemos: mas sempre foi assim, e sempre será. Mas não, nem sempre foi assim. E não tem que ser assim para sempre. Não quero crer que estamos tão anestesiados que as mortes são só corriqueiras em nossas vidas. Por favor, que voltemos a ser humanos.


sábado, 28 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Memórias são palavras escritas na areia da praia da vida



Nos dias de hoje as memórias assombram muito mais que antes. Talvez porque elas estejam tão presentes em nossa vida; o próprio Facebook tem um aparto de memória de 5, 6, 10 anos atrás, mostrando seus posts daquele período. E o quanto nós somos diferentes de tanto tempo passado! A pessoa que eu sou hoje, com certeza, iria esmurrar a cara do proto-reacinha que eu era há 10 anos atrás. Nem todas as memórias são ruins assim, é óbvio: recentemente fui agraciado com a memória da primeira vez que tomei sorvete de açaí com banana aqui em São Paulo... e gostei! Eu sei, eu sei: carteirinha de paraense cancelada. Mas é gostoso, que posso fazer? 

Nessas memórias mais agradáveis, a gente acaba associando muita coisa com música. Recentemente eu e minha esposa querida estávamos fuçando o youtube em busca de entretenimento (algo mais difícil que parece, creia-me), quando encontramos os 335 vídeoclipes mais tocados pelos usuários em 2020. Todos, sem exceção, do passado. Óbvio, como já falamos antes, que a pandemia tenha trazido à tona saudades de um tempo sem mortes de milhares pelas ruas. Apenas achei engraçado ver uma miscelânea completa de canções na sequência de vídeos, dentre Maroon 5 a Psy, passando por Shakira. Fiquei pensando em como foi a adolescência dessas pessoas, ou os vinte e poucos anos. Tão diversos dos meus, suponho, que sempre fui ligado a canções mais do passado. 

É inegável, porém, que hajam as memórias ruins. E é bom que elas venham, não? As pessoas tendem a abafar muito as coisas ruins: deve ser talvez o exercício mais praticado pela humanidade em séculos. A crença é que se deve esquecer para seguir em frente. O passado, eles dizem, não importa. Mas eu sou historiador: Só o passado importa para mim, porque o presente e o futuro são prenhes dele. Quem somos, quem seremos, está tudo dentro de quem fomos.

E às vezes, só às vezes, surge uma memória que você não sabe como lidar mais. Não é nem boa, nem ruim: só uma lembrança de um lugar, uma situação, ou uma pessoa, que você estaria certo de ter alguma reação, caso você tivesse visto essa memória um, dois anos atrás. Agora, é como se fosse um fantasma, uma memória de uma foto se apagando. E você não sabe mais dizer se ela acrescentou algo bom realmente a sua vida, ou se você simplesmente está preso a uma nostalgia, esse doce veneno. 

Ainda assim, essas são as memórias que mais aparecem na madrugada da vida. Então, um brinde de café à elas, e que possam ser exorcizadas de vez de nossas cabeças. 


quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Raiva é liberdade



O amigo leitor deve saber, que existe uma série de coisas erradas no mundo, e com certeza no Brasil elas se repetem quase ad aeternum. Eu nem mesmo preciso falar quais são as coisas erradas, preciso? Você já pensou em todas. Eu acredito - ou talvez queria acreditar - que mesmo os reaças mais enganados pelos PSDBs, MDBs e CIDADANIAs da vida, tem ainda em si uma fagulha que sente revolta pela corrupção, pelo abandono geral do país, pela esculhambação gritante em todos os lados. "O rico cada vez fica mais rico / e o pobre cada vez fica mais pobre", diriam as moiras em forma de axé que foi o grupo As Meninas. 

(Não vamos falar aqui de PSLs da vida. Esse é um assunto que envolve doença moral, e eu prefiro tratr disso num texto completamente dedicado ao assunto, tragicômico tal qual ele é.)

E como sabemos disso tudo, normalizamos tudo. Eu mesmo já falei disso em momentos anteriores: o principal dom do brasileiro é normalizar as coisas. Tudo é de boa. Morte de milhares de pessoas? Normalíssimo. Dinheiro roubado? Tanto faz, desde sempre foi assim. Tudo de ruim, sempre foi assim, sempre teve que ser assim, sempre será assim. E ai daquele que achar isso estranho: será tachado de inocente, piegas, despreparado para o mundo. 

Bem, eu não sei se você estava esperando que alguém lhe desse permissão para ficar puto da vida, mas considere a permissão concedida. E digo mais: ela não foi dada por mim, e sim por você mesmo, indivíduo leitor deste texto. Qual o problema de ficar puto? Você tem o direito de ficar assim. O mundo está indo para o inferno, e ainda assim, somos forçados a entender nuances, "vejas bems", concessões. Não tem que ter concessão nenhuma, amigo leitor. Sua raiva é verdadeira, e ela merece sair. Não contra sua família, ou seus amigos. Nem contra quem lhe ordenam ficar com raiva: o pobre nas ruas morrendo de fome, o sem-teto, os desempregados. Pense na fonte dos problemas. Pense nos que ganham milhões lucrando com o nosso sofrimento. Pense, e veja se quem merece uma pedrada não é essa pessoa. 

Mas isso é depois. Primeiro, você tem que recuperar seu direito de estar com raiva. Porque estão tomando isso, seu destino, de você. O planeta é uma nave pilotada por homens velhos que vão morrer transando com belas mulheres, e que pouco se importam com o destino que as coisas vão tomar. Porque temos de considerar as ideias deles então?  Por que não podemos nos revoltar contra nossos grilhões, e tentar algo novo? Pense nisso, é seu direito querer algo melhor. Não tolice, não utopia. Direito. 

Fique puto e vá a forra, e que cada prédio quebrado, cada pedra lançada, cada coquetel molotov criado, seja um tijolo pro novo futuro que queremos. Raiva é seu direito. Fique com raiva e vá a luta. 



segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Brasil, escrito por Stephen King.


Certa vez, ouvi num sonho que o mundo foi criado por um Grande Escritor, e nossas vidas são tramas que ele vai escrevendo e se divertindo, às vezes pacificamente, ás vezes maliciosamente. A pessoa do sonho (que era eu mas não era - não são assim as regras dos sonhos?) concluiu então: somos todos personagens nestas histórias, e cada país tem em si mil gêneros, mil mundos, mil estantes diferentes em uma biblioteca eterna.

Penso nisso, e fico pensando que estilo literário é o que prevalece neste grande livro que é o Brasil. Difícil dizer direito: estamos dentro dele. Nenhum personagem sabe exatamente qual o gênero de sua história, até que ela encontre seu ápice. Talvez, se fossemos como o personagem de Will Ferrell em Mais estranho que a ficção, pudéssemos conversar com algum entendido e eles nos apontasse formas de tentar entender, afinal, qual a regra do mundo, deste mundo em si. Ai de nós, não temos essa sorte. 

Longe de ser um grande entendedor de literatura (talvez somente um entusiasta?), eu arriscaria dizer que cada país segue um gênero específico de acordo com a sua época. E neste momento, estamos numa horrível historia de horror. Não terror, veja bem: isso implicaria que não soubessemos o que está acontecendo, implicaria um mistério. Nenhum dos nossos males é mistério algum, sabemos muitos bem das origens deles. No entanto, cá estamos, indefesos, esperando tudo passar. Sem saber quando nem como. Que nem personagens em histórias de horror, se pensarmos bem. Pois o horror é ser forçado a ver tudo acontecendo perante os seus olhos, e não poder fazer nada. 

Tudo que podemos fazer é seguir em frente, e tentar ver aonde estamos seguindo pouco a pouco, como se dirigíssemos um carro em uma tempestade, e só desse para ver aos poucos o caminho por detrás do para-brisa cheio de água. O ano está acabando: talvez seja o fim desta chuva, e sigamos pela estrada com um pouco mais de claridade para o futuro. Ou talvez seja só o começo da chuva, e 2021 será uma tempestade maior, bíblica, varrendo todos nós para o fundo, um novo começo para o planeta. 

Quem poderá dizer? Esperemos o fim deste livro. Eu nunca gostei de ler o final antes, mesmo.  


domingo, 22 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: No church in the wild


O Brasil é um eterno cego que não quer ver. É a única explicação, em muitos casos: a corrupção abrangente em todos os aspectos da vida social, a violência que nos sufoca em todas as ruas, o racismo estrutural que nos cerca. Cada dia, essas coisas causam mais uma vítima, mais um corpo a ser jogado na cova rasa das estatísticas.

Todas essas coisas, juntas, são a realidade. São o mundo. E no entanto, por que elas são negadas, principalmente por quem está no poder? Talvez porque seja mais fácil ignorar o problema que se esforçar para resolvê-lo. Se eu não vejo, não existe; e se não existe, por que eu teria de resolver? E assim vamos vivendo, e seguindo em frente. Aos poucos, eu vejo isso mudando em alguns pontos; mas nem de perto tudo que deveria ter mudado.

Por exemplo, se você pegar o jornal hoje, vai ver que uma miríade de pessoas, entre membros do governo e mesmo analistas sérios de contextos sociais, estarão não só negando a existência do racismo no brasil, quanto estarão torcendo o nariz para o que chamam de "vandalismo". dizem eles, que isso não constrói nada, e que acaba "esvaziando" um movimento de justiça que os manifestantes "deveriam" estar buscando. Primeiro que a ideia do que os manifestantes deveriam ou não fazer, é pautada unicamente por um só grupo: o dos manifestantes em si. Comecemos por esse ponto.

Em seguida, a questão do esvaziamento é engraçada, porque implica em dizer que algo estava sendo feito antes para resolver o problema, que havia alguma ação por parte do Estado em resolver o racismo estrutural. Evidentemente não havia, porque senão um linchamento terrível como o de João Alberto jamais teria acontecido, diferente do que imbecis dizem a respeito de ser um caso isolado. E isso estamos falando só desse caso: conforme já foi explicado, a cada 23 minutos um negro morre assassinado neste país. Como pode isso ser coisa normal? Como pode ser encarado pelas autoridades como algo que faz sentido? 

Quando as palavras faltam, a pedra canta. Nunca ocorreria nenhuma ação do Carrefour sem protestos, e fogo, e depredação. O governo nunca vai se mexer em relação a nada, enquanto não forem forçados a se mexer pelo poder do povo, e pelas suas demandas feitas concretas. Que tudo que serve de opressão queime e se desfaça em cinzas. 



quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: No jejum do coração, quem emagrece é a alma


A frase do título desta crônica veio de um conto de Mia Couto, "A Outra", presente em seu livro Na Berma de nenhuma estrada. Às vezes as coisas acontecem assim: você lê uma parte de algo, e o significado inicial da frase (ou palavra) muda radicalmente para o que você tem na cabeça no momento. Ou talvez muito pelo contrário: ao invés de se perde, a frase encontre na sua cabeça o verdadeiro significado - pelo menos, no que quer dizer para si. 

No meu caso, o que estava na minha mente quando li esta frase, foi uma conversa que tive com meus pais esses dias. Pois, como se sabe, o Covid trouxe muitos horrores a nossa porta, mas uma das coisas boas que aconteceram este ano foi o fato de eu me comunicar com muito mais frequência que antes com meus pais - seja por preocupação, seja por simplesmente sentir a falta deles. O fato é que conversamos quase todos os fins de semana, e eles me contam como tem sido as coisas em Belém, minha cidade natal, enquanto esta loucura ocorre pelo mundo inteiro. 

Essa conversa é um luxo, não tanto por eu e eles podermos realizá-la (a internet é um artigo de luxo em nosso país, e uma internet boa o suficiente para isso, mais rara ainda), e sim porque podemos falar um com o outro. Pois bem sabemos que a pandemia veio do nada, como um ladrão na noite, e talvez não estivéssemos preparados o suficiente, como de fato não estávamos. Tão despreparados fisicamente quanto mentalmente, espiritualmente, para a longe jornada de solidão que seguiríamos. 

Neste momento, quantas pessoas sem poder dar um abraço carinhoso em quem amam, seja pela distância imposta, seja pelo impedimento triste de saúde, o Covid funcionando como uma barreira dos sentimentos nos dois casos? Quantas pessoas vagam pelas ruas, correndo perigo, só porque sentem falta de contato humano, ainda que impessoal? A solidão, amigos, era um mal que nos afligia desde sempre, mas que foi agravado com a pandemia. Que em 2021, possamos recuperar nossas almas enlutadas e quebradas, que possamos nos curar uns aos outros por dentro e por fora. A batalha será grande. 


terça-feira, 17 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: A vacina anti-horror: será?


Escrevo este texto no dia 16 de novembro, um dia depois das eleições municipais no Brasil de 2020. Já sabemos os caminhos que as urnas tomaram, comprovando um pouco das pesquisas anteriores, apesar  de estarmos sempre céticos em relação à elas.  Essa, na verdade, me parece uma atitude muito salutar,  a de duvidar das pesquisas eleitorais, de se esperar o resultado para ter qualquer certeza. Isso é bom pelo seguinte: nas últimas eleições, o "já ganhou" atrapalhou muito vários candidatos mais preocupados com o social nas urnas, quando o eleitorado não acreditava que eles perderiam... o que acabou tomando muitos votos, já que "se eles vão vencer mesmo, vou apoiar outro candidato". Isso, somado a um eleitorado que parecia buscar algo diferente mesmo que fosse uma má opção, trouxe-nos grandes derrotas e dissabores, coisas que estamos sofrendo ainda mais nestes tempos, onde uma pandemia tem ceifado vidas. 

Apesar disso, eu olhava as pesquisas e tinha esperanças. Talvez porque eu tenha acabado de ver um filme de natal com a minha esposa, e estes filmes sempre me deixem com esperança na humanidade (os bons , pelo menos). O fato é que quase todas as pesquisas que eu vira, pareciam empurrar os candidatos mais associados com a brutalidade bolsonarista bem para baixo. Aqui em São Paulo, por exemplo, os três candidatos de mais destaque associados a esta política estavam bem abaixo nas pesquisas; no Rio de Janeiro a situação é um pouco mais drástica, com um extremismo em segundo lugar nas pesquisas. Contudo, haviam chances grandes de uma candidata mais humanista ganhar uma chance de segundo turno lá também. 

Eis que os resultados vieram, e cá temos em Sampa um segundo turno de Boulos vs Covas, progressismo e velha política frente a frente. No Rio, as pesquisas também se confirmaram, infelizmente: Paes e Crivella se enfrentam num pleito onde há uma vantagem boa para Paes, que apesar dos pesares não é  um bolsonarista evangélico contumaz, como seu adversário. Ou pelo menos, não parecer ser até o momento: política é volúvel como certas reações químicas, e acordos antes impensáveis acabam sendo só mais uma medida de um dia de trabalho. Em Belém, a terrinha natal, haverá um embate mais direto de ideias: PSOL contra Patriota, projeto de esquerda vs projeto bolsonarista.

E no entanto.... no entanto, minhas esperanças permanecem, amigos. Veja bem, não que as coisas vão mudar para melhor exatamente; Esse trem já partiu a algum tempo, e só volta daqui a muitas rotações da terra ao redor do sol. Tenho esperanças de que os últimos 4, 5 anos, tenham sido um amargo pesadelo, e que o Brasil aos poucos esteja voltando ao seu velho eixo, enlameado e triste, mas ao menos não apodrecido e decadente. Porque se pensávamos que os velhos tempos eram sombrios, amigos, não tínhamos sequer visto o potencial de horror que o brasil - e os brasileiros - podiam chegar.

E essa me parece ser a mensagem que as urnas passam, com seu atraso monumental : chega de horror. Chega de naturalizar coisas que nos fariam vomitar antes. É hora de reconstruir, de tomar uma verdadeira vacina anti-horror, e nos imunizarmos dessa grande doença que é o bolsonarismo no Brasil, e talvez assim nós possamos recuperar um pouco da alma que nos resta ainda. Tarefa difícil, mas necessária, muito necessária: vejamos se 2022 vai poder ser um novo começo. 


sábado, 14 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: A síndrome do Somebody Save Me


Um ser humano, além de ser "um amontoado pequeno e miserável de segredos" (parafraseando Drácula), é antes de tudo um sonhador. Sim, mesmo o mais prático dos indivíduos tem dentro de si um sonho, nem que seja uma vida um pouco melhor do que a que tem no momento. Isso é perceptível em qualquer lugar, e não é a toa que as propagandas tem o poder que tem: o que são comerciais senão a venda de uma promessa associada a um produto? Se eu beber esta cachaça, eu posso talvez chegar nessa praia do comercial - ou pelo menos sentir um gosto igual aos que estão nessa praia. Realização por aproximação: eis a hubris e a tragédia humana. 

Um outro lugar que muitos se perdem são as ficções, as histórias que lhes são contadas. jogos, livros, revistas em quadrinhos, filmes; são estes os principais meios de escape da humanidade neste momento. Não importa, aqui, o quão simples seja uma história que está sendo contada, ou o quão implausível seja ela de acontecer no mundo real: tudo que se pede é que haja uma história que capture as mentes , e que nos faça esquecer do mundo cruel ao nosso redor. Com certeza a pandemia reforçou isso ainda mais: quer dizer que além dos problemas que já enfrentávamos (que eram grandes, não nos esqueçamos), vamos ter de encarar de frente uma pandemia mundial? Muito melhor tentar ignorar isso, seguir grudados na TV, nos jogos, viver uma vida imaginária. 

Às vezes, porém, as pessoas não ignoram tudo, mas simplesmente encaram de uma maneira , na melhor das hipóteses, equivocada. Elas buscam um salvador: uma pessoa que virá dos céus, e representará tudo que tem de bom. Quando este salvador chegar, todos o seguirão, e receberão lições de vida, e mudarão o mundo para melhor.... E antes eu estivesse falando de religião. Na verdade, é em quase qualquer coisa - embora apareça muito em questões políticas, principalmente nos dias de hoje. Quando isso não acontece, as pessoas se desanimam: Por que lutar sempre pelos avanços que nunca chegam, e quando chegam, são tomados à primeira oportunidade? É um pensamento válido, de certa forma, e não creio que podemos culpá-los por isso. 

Quando penso no primeiro caso, das pessoas em busca de um messias, me vem à mente um grupo mais jovem, e mais atrelado à figura de um super-herói, mais do que religião (embora essa também tenha um papel forte neste tipo de pensamento, apesar de ser atrelada mais fortemente á uma população mais velha). Isso porque, e é um fato muito difícil de admitir, uma grande parcela dos que curtem cultura nerd possuem uma cabeça absurdamente retrógrada, com muitos casos de fãs ameaçando de morte um criado de determinado trabalho só por ele ter ousado desviar do que eles entendem ser o rumo de um dado personagem. 

Essas pessoas, presas em uma eterna juventude mimada, não conseguem aceitar quando as coisas não seguem o seu entendimento, e podem até partir para atos violentos só para evitar desmoronar seu castelo de cartas pífio. E também são essas pessoas que, munidas da responsabilidade de escolher um representante político, preferem pensar com esta cabeça infantil e escolher quem mais se aproxima de seus sonhos de areia. 

Não entendem, esses falsos nerds, que é nas próprias obras que são fãs que está a rechaçada final de suas ideias: pois o que são super-heróis senão representações de virtudes? Figuras arquétipicas do que é certo e justo? A salvação do mundo nunca esteve em seus atos, mas sim em seus exemplos. Quando lemos os quadrinhos, por um breve momento, somos testemunhas de atos de bravura e bondade, e o objetivo final seria a iluminação do leitor, para que ele sim, saia da leitura e mude seu próprio mundo. Não que o leitor ou leitora espere uma espécie de Super Homem ou uma Mulher Maravilha chegar e arrebatá-lo aos céus; que ele/ela seja seu próprio exemplo. Que sejam a mudança. 

Se queremos que o amor vença, no fim de tudo, é preciso despertar de nossos sonos pesados e perceber os grilhões que nos prendem ao chão. No caso dos meus caros amigos nerds, com quem me identifico e sou extremamente solidário, o truque está em acreditar em si mesmo, e lembrar dos ensinamentos antigos das hqs: A direção de nosso futuro não está para trás, mas sim para o alto, e avante. 



quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: O amor é mais forte.



Eis que o atual presidente da república conseguiu um feito notável: criar três crises ao mesmo tempo.  Primeiramente, chamo todos os brasileiros com medo de uma doença mundial, uma peste que matou mais um milhão de pessoa mundialmente, de "maricas", ofendendo com sua homofobia ao mesmo tempo os que estão resguardando a quarentena, os mortos, e os homossexuais, quando considera usa de termo pejorativo a esse grupo. Seguindo um embalo de desrespeito aos mortos total, o presidente comemorou a morte de um voluntário para a vacina, como se uma vida perdida fosse um ponto que ele fez num jogo político perverso contra João Dória, seu rival em São Paulo. "Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", ele disse, comemorando uma morte, e um possível atraso nos estudos da vacina que pode salvar vidas mundialmente, nacionalmente. 

Por fim, o presidente resolveu semideclarar guerra aos EUA, por se sentir amuado da puxada de orelha que tomou na incompetência de gestão das queimadas que ocorreram durante todo esse ano, no Pantanal e na Amazônia. Como uma criança birrenta, resolveu ameaçar os EUA de "pólvora" - ou talvez tenha duvidado da capacidade bélica dos EUA, não ficou muito claro, dado o cacarejar característico de Bolsonaro nesses momentos. 

Estas declarações (que diga-se, nada mais foram que uma tentativa de encobrir seus preciosos filhinhos de papai, cada vez mais afundando em seus esquemas podres) não devem mais surpreender ninguém, não é? Quantas outras coisas já foram ditas nesses quase dois anos de governo Bolsonaro, que não se classificariam como uma brutalidade em palavras? Aliás, a César o que é de César: não só Bolsonaro. Seus aliados ao redor sentem-se livres para falar e agir tal qual seu ídolo, seu "mito", e portanto toca surgirem cada vez mais à vontade, e aí toca surgir mais extremismos, machismos, violência ideológica em geral. 

E no entanto, em meio a isso tudo, existem esperanças. Candidaturas (tímidas talvez, é verdade) mais progressistas ganhando apoio; organizações não-governamentais indo aonde o estado ou se esqueceu, ou ignorou completamente; Indivíduos que se preocupam em levar alimento aos mais carentes, conforto, abrigo. Tudo isso, apesar da falácia do mundo ser dos mais fortes, que estes que estão aí em cima tanto gostam de apregoar. Aliás, já perceberam que quem mais defende o argumento do "mais forte" são justamente as pessoas mais fracas moralmente que se pode conhecer? De que vale a força política, quando a alma é a mais fraca de todas? 

Estas pessoas que surgem , e que até já existiam historicamente, estão aí e creio que vão continuar, apesar de tudo, apesar da lama. Isso porque, na verdade, a maioria das pessoas não é ruim, ou boa: só são apáticos. Só gostam mesmo é do conforto de não ter de escolher, e de não fazer nada. Mas dentro destes habitantes do muro, existe uma enorme capacidade para o bem, ainda mais forte que para fazer o mal (embora não pareça às vezes, muitas vezes...). O amor é mais forte que a dor, que o ódio, que a morte. E o amor vai vencer. 


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Olhar pra dentro, olhar pra fora.


Quem vê até pensa, com todos esses posts de facebook sobre a política dos EUA, que o brasileiro tem como esporte, a política internacional. Só dá pra pensar mesmo, e brevemente: a enxurrada de memes e afins logo mostra que isso não é algo que a maioria das pessoas leve a sério. É claro que existem as exceções, ainda mais num país tão amplamente dividido como o nosso; Em geral, porém, é mais fácil achar alguém que prefira levar questões políticas na gaita que realmente parar e pensar nestas questões. 

Não é difícil de entender o porquê disso. Vivemos tempos desesperadores, e muitas vezes a discussão de assuntos políticos torna-se algo um tanto confirmador de nossas desesperanças. Afinal, o que podemos fazer a respeito? O poder está todo na mão dos ricos e corruptos, os movimentos que temos nada significam, o mundo está acabando... São coisas que nos deixam numa sensação de derrota permanente - o que, diga-se, é perfeito para que quem tem o poder mantenha ele em mãos indefinidamente. 

É essa sensação que permite que situações como a do Amapá esteja ocorrendo agora, nesse momento. 7 dias , ou mais, foi o que levou o governo federal para ao menos reconhecer que há problemas lá. Hoje, nas notícias, foi dito que o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, foi ter com o presidente Bolsonaro a fim de saber que medidas poderiam ser tomadas. E o presidente, como bom representante do espírito brasileiro, estava lá em Brasília, matutando sobre os resultados das eleições dos EUA. 

Nessas horas, muitas pessoas usam o argumento do "em um país sério". "Em um país sério isso não aconteceria"; "em um país sério já haveriam feito algo mais relevante"... Eu não gosto de usar isso, porque acredito que o governo é sim, sério. Seriamente ruim. E as pessoas do país, por sua vez, são ou extremamente hipócritas, ou sem empatia alguma. Porque, no fim das contas, as pessoas só não se ligavam nas questões no amapá, porque não era interessante. Não dava a emoção de participar de algo maior, não dava pra fingir que era estadunidense por uns momentinhos a mais. E portanto, a notícia era sumariamente ignorada. 

Agora veja, uma TV fazer isso, é compreensível, embora moralmente errado: nunca se deve cobrar de emissoras de TV humanidade, já que elas são puramente levadas e guiadas pelo que dá audiência, pelo que lhes rende lucro. mas é justamente isso: se as pessoas tivessem mostrado um interesse maior, talvez houvesse uma cobertura maior disso tudo. Ou se houvesse ocorrido alguma manifestação, qualquer coisa; e não venha me dizer que a pandemia impede isso, não quando eu vejo do lado de fora da minha janela todo sábado festas e mais festas.

O brasileiro médio odeia o Brasil. ele quer que o país seja outro, seja que nem os states, que nem os filmes que ele vê na TV. Engana-se, esse gado, quando pensa que lá não existem problemas também. E não estou dizendo que acompanhar as eleições dos EUA não seja lá algo importante também: somos afinal, o quintal dos EUA, e calha saber se vão jogar lixo ou se vão construir um parquinho em nós, esse vasto terreno de brincadeiras estadunidenses. Mas eu também acho que um olhar interno vale muito a pena. Que possamos levar um pouco disso agora, nas eleições para prefeito, e para 2021 como um todo. 

 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Descanse em Paz, Louro José.

Fonte: Site revista Capricho

Difícil dizer o que afeta mais a gente em certas mortes de famosos. Pois no fim das contas, nem sequer os conhecemos: temos a ilusão de conhecermos essas pessoas, de sabermos seus gostos, seus dissabores e problemas... mas não sabemos realmente quem são elas. O que temos em mente, são somente imagens, muitas vezes idealizadas, de quem elas verdadeiramente são. O real é inalcançável para quem não conhece mesmo o indivíduo. 

A coisa muda de figura, por certo, quando tratamos de pessoas que são, em si, conhecidas pela sua forma mais idealizada. e isso, a gente entra numa série de outras coisas, com certeza, mas eu creio que fica muito forte com personagens infantis. Porque nesse universo, o simbólico, o lúdico, é forte demais; então tudo que é criado pensando esse público, tendo esse foco, sem tem sucesso, é porque se concentra mesmo nessa questão. Talvez por isso, apesar de minha esposa e tantas outras pessoas terem horro a palhaço, ele ainda seja uma figura tão forte no imaginário infantil: o que está ali é menos uma pessoa e mais, muito mais, um símbolo da brincadeira, da diversão. leveza mesmo. 

O leitor já deve saber, até mesmo pelo título, que estou falando disso hoje por causa da morte de Tom Veiga, o manipulador e intérprete do Louro José, uma figura clássica de mais de 20 anos nas telas brasileiras. Um homem novo, levado tão cedo pelo AVC, esse inimigo invisível. E é claro que o mais cínico de nós pode levantar e dizer "ah, mas agora todo mundo que morre é santo!", e talvez ele o fale com uma certa razão, mas não nesse caso. O programa Mais Você de Finados, foi particularmente sensível e emocionante nesse sentido, de homenagear o homem e o personagem, ambos levados tão cedo pro mundo da saudade. Sim, também o Louro José , pois é até imoral pensar em se pôr um novo intérprete no boneco, pois ao que se vê, Tom Veiga era o Louro , e vice-versa.  

 Por isso, não me sinto errado em desejar um bom descanso eterno para o homem e o personagem. E também minha palavra de consolo, não só para os membros da equipe do programa (que duvido que leiam isso), mas para quem se sente triste mesmo, e não acha que deveria se sentir. Eu acho que todo sentimento que não machuque outra pessoa é válido, e também acho que a tristeza por essa morte tão repentina, é também de certa forma um lamento pela morte de um pedaço do nosso passado, que tomávamos como certo e que agora foi-se de repente. Não só um boneco: um símbolo de tempos menos tristes em nossas vidas, talvez. 


Descanse em paz, Neilton Veiga Júnior / Tom Veiga / Louro José. As manhãs com certeza serão mais cinzas sem você. 

domingo, 1 de novembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: 1999


 À medida que o tempo passa, acho que é inevitável sentirmos nostalgia do passado, ou melhor dos passados, pois creio que temos uma multitude de pretéritos para escolhermos lembrar: os tempos de criança, os de adolescente, os de juventude começando na vida adulta e complicada....

Nesse momento, olho para trás e observo os meus 12 anos de idade, isso já a quase 21 anos atrás. Billy Korgan, na sua canção 1979, fazia o mesmo, lembrando de sua passagem da infância para a adolescência, com a vantagem de "só" terem passado 17 anos , ou seja, menos coisa para lidar, para lembrar. Quanto a mim, tenho aí pelo menos uns 4 anos a mais, e acho que hoje em dia, nós todos sabemos bem o quanto meses podem mudar a vida de uma pessoa; dirá então anos. 

Ainda assim eu olho, e penso no porquê disso. Não posso dizer que meus 12 anos de idade tenham sido particularmente tranquilos e felizes: a puberdade me acertou em cheio com todos os seus dramas, e se posso ser completamente justo, eu também estava num momento de mudança fora de mim forte: nova escola, novos companheiros de classe, a descoberta pouco a pouco que os adultos que me cercavam não eram, em absoluto, donos da verdade.... mas talvez por isso mesmo, eu tenha parado para pensar mais e mais nessa época. Como se rememorar ela fosse revivê-la, e assim evitar velhas dores, velhos erros. 

Em tempos tão sombrios, é fácil pensar no passado como uma época de fuga, tempos mais simples, um momento onde podemos mudar tudo. Nessas horas, talvez uma breve âncora de realidade seja o mais necessário, e lembrar também que o que veio antes não necessariamente era melhor. E mudar o passado apenas dentro da cabeça é uma tolice, nunca se muda nada para trás, só para frente, sempre para frente. Afinal, como dizia Stan Lee, é nesta direção que a ação está!



terça-feira, 27 de outubro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: 157 mil pedras no lago



Stephen Jay Gould, um paleontólogo famoso, disse certa vez que se importava menos com o peso e as características específicas do cérebro de Einstein, do que na certeza quase absoluta que pessoa com igual talento nasceram e morreram trabalhando em campos de algodão e fabricando bolsas baratas para consumo nocivo. Eis uma frase que nos faz pensar: a perda de talentos e potenciais para coisas menores, graças à arrogância da humanidade em acreditar mais em um valor imaginário que em um bem real.

Mas eu pensei nisso muito esses dias, não por estar lendo qualquer coisa sobre Einstein ou sobre Gould, mas sim porque me peguei pensando sobre as perdas de vida que aconteceram esses tristes  dias de Covid-19. Mais de 157 mil pessoas. O impacto disso no mundo, nas vidas. A morte de uma pessoa, dizem, é como uma pedra num lago, sendo jogada e causando ondas em seu arremesso, energias de sofrimento sem fim. A morte de 157 mil pessoas, então, seria como um caminhão de pedras, arremessados todos os dias em um lago, até ele transbordar, soterrar, e sumir, morrer. 

Fico pensando, à noite, em que tipo de mundo virá quando isso tudo acabar. Não a economia, quem se importa com ela? Essas coisas vem e vão, direto, sem parar, ainda mais num país tão sem equilíbrio quanto o nosso. As pessoas porém. elas nunca voltam; apesar do que as religiões nos mostram (mesmo as que acreditam em reencarnação), a mesma pessoa nunca volta. 157 mil histórias perdidas no tempo da praga, soterradas pelo riso e escárnio de quem nem sequer se importa. 

Este é o país que virá, uma grande necrópolis. um grande vazio a ser preenchido. e eu não creio, não consigo crer, que o que virá preencher isso vá ser melhor do que tinhamos antes deste ano terrível de 2020. Eis o meu brinde (antecipado) para 2021: se não pudermos ser melhores, que sejamos ao menos, não-piores. 


sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: up is down, left is right.


Esses dias, o grande Casagrande (sem trocadilhos), citou o igualmente fabuloso Milton Nascimento, e falou da situação de jogador do Santos, um grandessíssimo covarde e sem caráter que escapou de sua condenação na Itália por estuprar uma moça albanesa. Esse senhor, comportando-se como um grande criminoso, evadiu-se da justiça e aqui está, no brasil, usufruindo de sua riqueza e dizendo-se inocente. E também, diga-se, amplamente abraçado pela sociedade que gosta de futebol. Não se pode julgar assim do naa, eles dizem. Há que se ver todos os ângulos, eles dizem, ignorando que este mesmo jogador já foi condenado em primeira instância, algo que parecia dizer muito mais a eles quando se aplicava a prender quem eles queriam preso. 

Quando digo eles, eu infelizmente quero dizer a grande maioria da sociedade brasileira - ou ao menos a parte que fala mais alto. E não me refiro apenas a futebol, embora se eu fosse fazer isso haveria uma série de pessoas que tiveram sua conduta lamentável perdoada simplesmente porque sabiam chutar a porcaria de uma bola (digamos que este jogador em questão não é o único calhorda que saiu do Santos). Não, o fato é que Casagrande estava certo, quando falou que a sociedade parece estar perdoando bastante comportamentos execráveis, normalizando mesmo estes. Isso, num país que nunca foi realmente um exemplo de  tolerância e virtudes. 

Cada vez mais, estamos abraçando a infâmia; o resultado disso vê-se nos líderes que escolhemos, nas atitudes que tomamos. Que espécie de pessoa ia escolher rir de violência e sofrimento humano nas telas da TV? Que ser humano ia sentir-se confortável culpando a vítima por seu infortúnio? Ah, mas também, andando naquela rua.... Ah, mas olha a roupa que ela usava.... Sempre a culpa é do sofredor, nunca de quem lhe causa sofrimento. Talvez o medo nos faça assim; afinal, é mais fácil entender que o outro caiu em tormento por sua própria falta de cuidado, assim eu posso tomar o cuidado que ele não tomou, e sobreviver. Buscamos a razão em meio do caos, e quando não conseguimos, abraçamos essa violência como nossa, e quem não concorda é o fraco, o pária. 

E no entanto, acho que é possível mesmo ver uma melhora dentro da piora, por incrível que pareça. Pois mesmo estes casos mais absurdos, como o do jogador estuprador, nos parecem horríveis e escabrosos porque estamos mais de olho, e porque nos vemos demandados a encarar este horror - coisa que e garanto que nunca aconteceria 10, 15 anos atrás. Porque a naturalização do horror era tão natural naquela época, que nem sentíamos, simplesmente praticávamos e seguíamos em frente. E agora, podemos ver sem as vendas que pusemos em nós mesmos, ou pelo menos alguns de nós podem. Que estes virem a norma, e não a exceção. 


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Reflexão X



Sou um nerd velho. Não um geek: isso é termo de quem tem vergonha do que é na verdade. Um nerd. 

Esse termo, nos últimos anos, tem sido carregado de sentidos ainda mais pejorativos do que era na minha época jovem. Antigamente, você ser um nerd implicava em bullying, em rejeição pela sociedade geral, em zer zombado por meia escola. Nunca esqueci quando fui motivo de chacota, ainda na sétima série (o que hoje em dia equivale ao oitavo ano), porque estava fascinado com o anime Dragonball Z. "Você tá sendo ridículo", meus colegas disseram, e riram na frente da sala. Tenho 32 anos hoje, e a memória disso ainda é clara. Hoje em dia, acredito que as feridas do passado são as mais fundas, porque nunca são curadas direito. 

Mas eu cresci, e tal como é dito no livro de Coríntios, deixei para trás as atitudes próprias de criança. Contudo, nunca mudei meu espírito empolgado com as coisas nerds: filmes, jogos, quadrinhos. Esse último, na verdade, sempre teve e , acredito, sempre terá um espaço especial em meu coração, pois as lembranças de ler uma revista (no papel jornal da editora Abril) enquanto a chuva caía lá fora, na minha terra natal, é algo que terei como um tesouro mental pelo resto de minha vida. 

Quando falamos de quadrinhos, sempre temos um personagem favorito. os mais jovens, tendem a gostar dos heróis que apareceram nos filmes mais recentes: Capitão América, Hulk, Homem-Aranha. Quanto a mim, também tenho alguns favoritos, mesmo entre esses que citei acima; mas confesso que desde muito cedo, me identifiquei com o grupo de mutantes favorito da Marvel, os X-men. 

Por que? Eis uma pergunta que me parecia difícil de entender antes. Com certeza a animação dos anos 90 ajudou bastante; Afinal, era a atração principal na Tv Colosso, o programa de desenhos da TV Globo. Também a assinatura de revistas que meus pais fizeram para mim (que deus os abençoe por essa escolha!) foram fundamentais para essa preferência, afinal, o pacote tinha as revistas do Hulk, e dos X-men como partes integrantes. 

Mas eu creio que sempre houve, também, um fator que talvez eu nem sequer suspeitasse antes, algo profundo e forte em meu coração: eu era um isolado. Os X-men não são heróis comuns: são um grupo rejeitado pela grande sociedade, e ainda assim tentando seguir sua vida, e até mesmo fazer o bem. os rejeitados do mundo sempre se encontram e , de alguma forma, se unem numa carapaça para protegerem-se das dores da sociedade comum. nesse sentido, X-men foi (e talvez ainda seja) a representação dos malditos nos quadrinhos, dos escurraçados. 

E também tinha um personagem que era líder e usava óculos. Isso era fundamental. A mim, meus x-men! 



quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Crônicas da Cidade pandêmica: September of my Years


 A mente é uma coisa curiosa, e o coração humano algo mais misterioso ainda. Pois não me parece nem dois, três meses que eu estava morando na casa de meus pais, e ouvindo resignado os bregas de meu velho vizinho Zilomar, quando na verdade já fazem bem quase 6 anos desde que me mudei para São Paulo, começar uma vida nova (ou talvez, ver uma vida nova ME começar). Seis anos como neo-paulista! Talvez nesse meio tempo, já me tenham surgido os filtros de nariz necessários para respirar a poluição daqui. 

Falei de mente porque queria ilustrar como nossas lembranças são facilmente distorcidas (e nestes tempos de quarentena, elas são bastante!), e falei de coração porque hoje me vejo num momento curioso: o de ser eu o vizinho do brega. Ocorre que eu, desde muito cedo, não consigo me lembrar de nenhum fim de semana da época que eu morava na casa de meus pais, que este meu vizinho não tocasse bregas clássicos em seu som, com a felicidade dos nostálgicos. E naquela época, eu era um adolescente, então é claro que eu não queria ter nada a ver com aquelas músicas... e por isso, eu ficava um pouco ressabiado de ter de ouvir as músicas de meu velho vizinho. Você sabe, a eterna posição do jovem contra o mundo.

No entanto, quando me mudei para São Paulo ( e lá se vão quase 6 anos, como eu disse!) eu confesso também que senti falta dessas músicas. Veja, meu pai e minha mãe sempre ouviram músicas mais clássicas, e mesmo algumas internacionais, e eu estaria mentindo se não dissesse que eles formaram boa parte do meu gosto musical. Contudo, seu Zilomar, com seus bregas intermitentes todo fim de semana, foi também ele um grande influenciador das canções que tocam em minha mente; de sorte que me vi forçado a repetir o ritual que ele mesmo, sem saber, me ensinou. E todo fim de semana desde então, eu toco os bregas paraenses, e bregas brasileiros dos anos 60, 70, 80. 

Uma dessas canções mais "cafonas" como alguns diriam (ou nem tanto, a bem da verdade), é justamente Manhãs de Setembro, da grande Vanusa, atualmente convalescendo mas em recuperação, pelo que ouvi dizer. O ritual ali, era certo: Seu Zilomar tocava essa música todo começo de setembro. A princípio, foi engraçado, mas com o passar dos anos, tornou-se algo que até me chateava: "De novo essa música! Ele não tem outra não?"

Amigo leitor, eis-me aqui, pagador de pecados, tocando todo mês de Setembro a música de Vanusa. Porque o que antes me chateava, aborrecia, virou o tempero das lembranças: não importa se é Setembro, Outubro , Novembro. Essa música, como tantas outras, é parte do meu passado, e quando a ouço, não sou mais um homem de 32 anos, preocupado com o mundo, com as mortes que nos rodeiam, com a doença letal que um idiota no poder nem se preocupa a respeito: sou novamente, um menino paraense, que vai tomar café da manhã e ler quadrinhos, que quer sair, quer falar, que quer ensinar o vizinho a cantar. E creio que assim será por anos, e um dia, quem sabe, além de influenciar meus filhos que virão, não terei eu tocado sem saber o coração de um jovem vizinho, tal qual seu Zilomar tocou o meu. 


domingo, 11 de outubro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Finis Homo Ignoramus



A notícia veio amargar o dia: uma loja abriu em minha cidade natal, Belém do Pará, e as pessoas lotaram tudo. Simplesmente se acumularam, acotovelaram-se para entrar e... gastar dinheiro. Esse era o objetivo final, pois não? Entrar e endividarem-se, com o dinheiro que não tinham, posto que a quarentena deve ter afetado o seu poder monetário. Não era nem a vacina tão esperada, nem uma distribuição de algo que fosse beneficiá-los. Simplesmente, era a oportunidade de comprarem algo e fazerem papel de idiotas, em rede local e nacional. 

Essa postura não é rara nesses dias, infelizmente. Cansei eu mesmo de escrever aqui sobre as festas que as pessoas faziam no auge da pandemia (festas estas que pararam por hora; não por um policiamento mais efetivo, mas sim porque os frequentadores começaram a adoecer). No Rio de Janeiro, São Paulo, Capitias em geral, as pessoas simplesmente buscam formas de escapar do acordado que era evitar sair a não ser que fosse absolutamente necessário, e criavam estratégias. A atriz Luana Piovanni mesmo, postou dicas para não usar a máscara e acabou ficando doente, e se recusando a ser julgada pela internet (tarde demais, eu diria). 

Essas são coisas que me fizeram, no começo dessa desventura que tem sido o ano de 2020, parar e refletir sobre o porquê destas pessoas fazerem isso. Não é possível, eu pensava, que elas estejam simplesmente indo contra o que se pede delas, só porque é o que a maioria espera deles. Não posso crer que este grupo de pessoas está agindo como um adolescente mimado: deve haver um motivo maior, uma causa, errada que fosse, para que eles sigam agindo como imbecis estratosféricos. 

Essa crença minha, ao que parece, mostrou-se tristemente errada, o que talvez diga que eu tenha mais esperança na humanidade do que pensava, já que achava que ela não seria mesquinha o suficiente para fazer algo errado por pura birra. E digo humanidade, porque são raríssimos os países onde não vemos grupos esperneando para usar uma simples máscara, para proteção de si e do outro. Nos EUA, a coisa chegou a tal ponto que mesmo o sequestro de uma governadora estava planejado, tendo como pano de fundo a postura mais dura que ela teve em relação a estes furadores de quarentena. 

E com tudo isso, a esperança que se tinha de uma mudança profunda nas pesoas, após a pandemia, me parece algo tão tolo que nem vale a pena considerar mais. Eu creio, agora, que as pessoas vão seguir sendo, possivelmente, o pior que podem. E não por malícia, como eu pensava anteriormente. O que ocorre de errado no mundo é o resultado da total estupidez humana, que se vê encaixada hoje como uma opinião a ser respeitada, e que portanto fazem coisas odiosas e idiotas como estas que citei. Então, se queremos mudar o mundo para a geração futura, que tenhamos a força de coibir com toda a força a estupidez dessa corja no poder que nos assola, porque senão tudo vai virar pó. 


domingo, 4 de outubro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Raimundo, Tibúrcio, Monteiro



"Parado a meses aqui. Não posso sair de casa, não com essa doença rondando. Ademais, a escola está completamente parada, o governador mandou manter assim. às vezes passo de carro bem pela frente, e olho a velha construção, em frente à praça velha, árvores emoldurando sua entrada. Agora o mato também está emoldurando tudo: não consigo nem ver direito o caminho de pedras que leva ao corredor central da escola. Quando as coisas voltarem ao normal, espero que o capinador tenha um cuidado especial ali. 

Sem nada para fazer em casa (o governo prometeu aula online e esqueceu de combinar com a tecnologia que não temos, então nada aconteceu), penso nos meus alunos - Seu Baltazar,   Seu Sandoval, Dona Bela, dona Cândida....Penso no que andam fazendo. A vida, caro leitor, é bruta com todos, mas sempre me pareceu que com os que buscam educação mais tarde, ela é ainda zombeteira. E assim os EJA sofrem mais ainda nessa coisa toda, e eu me sinto incapaz de fazer qualquer coisa. Me sinto inútil. Então sigo para meu quarto e rezo pelas suas seguranças, e pelas suas almas." R. 

"Olá Classe! Hoje vamos falar de... oi? Tem alguém me ouvindo? Tá funcionando meu microfone? Hoje nós vamos falar de Formas geométricas.... Tá todo mundo ouvindo? Oi?  Às vezes eu me sinto um personagem desses de filme preto e branco mudo, só mexendo a boca e ninguém ouve.... Ah, ISSO vocês ouviram né?" T

"Como tão as coisas? Quer saber como tão as coisas? Porra, olha pra mim aqui cara, tô com a cara que parece um panda de tanta olheira, porque eu tenho que organizar essa bosta de computador todo dia, pra poder dar aula pros alunos que tão a distância. Ah, e não tô fazendo isso em casa não: Tenho que ir pra porra da escola, NO MEIO DE UMA PANDEMIA, pra dar aula pros alunos que eu tenho que vão lá ter aula, porque o bonitinho dono da escola achou que podia oferecer aula à distância e presencial ao mesmo tempo. Sabe quantos vem? 3. De 30. E os outros 27 pegam uma aula merda porque eu não tenho como me preparar pra dois tipos de aula completamente diferentes, sem que elas sofram em alguma coisa né? E tu achas que a escola me deu laptop? Tá bom, parece até que tu não mora no brasil mais, rapaz! Tudo isso, pra ouvir político chamando a gente de bosta, de preguiçoso. Olha, profissão vocação é o...." M. 

domingo, 27 de setembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Audiogift


Hoje, do nada, me peguei pensando em  aniversários, encontros, e presentes. Estes existem  de suas mais diversas formas, alguns excelentes, outros medíocres. Lembro sempre de talvez um dos melhores presentes que ganhei de natal, um singelo nintendinho, comprado, pelo que me lembro, pela minha tia Alessandra. Naquela época, eu sofria de asma alérgica afetada pela emoção ("asma curiosa", meu irmão costumava dizer), então a visão deste videogame foi algo que, não preciso dizer, tirou meu fôlego em mais de um sentido. Isso, em um momento que já haviam Playstations e afins, mas o que valia era ter o meu próprio aparelho de jogos, e passar os dias jogando Mario e afins. Não sei se ela sabe, mas esse foi um presente que ficou em minha mente até hoje, tantos anos passados. 

Em contrapartida, lembro-me muito bem também do dia que vi minha mãe ganhar uma toalha num amigo invisível da vida. Isso deve ser enquadrado de maneira correta: Ela buscou para seu amigo invisível um presente em particular que lhe custou não dinheiro, mas tempo, algo ainda mais valioso, se pensarmos bem. Lembro dela buscando pela cidade o presente especifico , e lembro também da decepção que ela teve ao receber um presente, francamente, medíocre de seu amigo invisível. Não raiva: decepção mesmo, tristeza, pois o Natal deveria ser o momento que damos presentes com vontade, com o coração, e não por uma reles imposição cultural. 

Eu falo de presentes, porque eu creio que na verdade ( e apesar de ser um homem que tem aprendido a curtir bastante o Natal), é possível ganharmos algo todos os dias, da maneira mais inusitada possível, e  talvez até sem o planejamento da pessoa para isso. Quantos dias já foram ganhos, porque uma determinada pessoa elogiou, digamos, o seu cabelo? Evidentemente, há também os presentes ruins: quantos dias não foram arruinados por uma frase que em nada melhorou o silêncio? Estes são pacotes que recebemos e jogamos fora, rumo ao infinito, longe do nosso caminhar. 

Mas falando de coisas positivas, eu tenho para mim que o melhor mimo é o musical. No caminhar desta estrada da vida, turbulenta e emocionante, já tive o prazer de receber muitos regalos musicais de amigos, colegas, e mesmo conhecidos simpáticos da rua. Não esqueço, por exemplo, quando minha eterna chefa e grande amiga Kélem me deu de presente a banda Cake, tocando uma música deles no rádio de seu carro e, sem saber, apresentando para mim a trilha sonora de muitos pontos altos e baixos da minha vida. Ou como esquecer os bregas rasgados de meu vizinho Zilomar, que acabaram por se tornar o cenário musical de minha infância e adolescência? Isso tudo sem saber, claro: mas ainda assim, impactantes igualmente. 

Quantas pessoas não marcamos assim também, desta forma discreta e forte, e nem percebemos?