quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Como se diz adeus em japonês?


Quem não me conhece direito, pensa que minha saga em São Paulo começou em 2015, quando me mudei para arriscar tudo e começar meu mestrado. Isso é um erro. Ela na verdade começou em 2014, ano em que vim aqui para esta cidade concorrer a uma vaga de mestrado em Língua, Literatura e Cultura Japonesa, pela Casa de Cultura Japonesa da USP. 

Naqueles dias, eu era novo, tímido, e francamente bastante desconfiado da minha própria capacidade em seguir os projetos que queria fazer. Era minha ideia estudar a imigração japonesa na Amazônia durante a década de 50, ou melhor, sobre o impacto dos imigrantes japoneses e seus descendentes no estado do Pará, durante a década de 50. Parece um tema complexo, e é; daí a minha falta de confiança para comigo mesmo nessa questão. 

Uma pessoa, porém, leu meu projeto e disse que não só ele tinha valor, mas que eu era sim, a pessoa certa para administrá-lo, desenvolvê-lo. Essa pessoa foi o Professor Shozo Motoyama, que naquela dia, naquela defesa de projeto, viu naquele paraense assustado, um entusiasta dos estudos nipo-brasileiros. E gosto de pensar que viu, talvez, uma alma semelhante à sua, amante do conhecimento. 

Ele foi a peça fundamental em que meu projeto fosse aprovado, e me deu apoio e suporte em muitas coisas depois. Minhas reuniões com Motoyama sensei sempre foram épicas; eu ia lá sabendo que elas demorariam entre uma a duas horas, e que nesse entreato ele me contaria histórias de seu passado, me daria dicas para pesquisar, apontaria quais passo eu deveria dar no labirinto de papeladas que eu precisava vencer como estudante da USP. Cada reunião era uma aula, e as aulas que tive com ele, sobre o passado do Japão, foram cansativas(pela longa duração que tinham) e recompensantes, porque eu me sentia cada vez mais certo da escolha que tinha feito, de entender essa cultua tão fascinante.

Ele também foi responsável por, provavelmente, meu momento profissional mais feliz até agora, que foi o de ser bolsista do Jinmonken por dois anos. Ali naquele espaço eu tive a oportunidade de crescer como pesquisador, entre documentos e livros antigos dos estudos nipo brasileiros; novamente o professor Motoyama confiou em mim e na minha capacidade, e mesmo com o cargo sendo normalmente atribuído a um falante de japonês, ele acreditou que eu conseguiria fazer a pesquisa. E eu consegui.

Hoje, fiquei sabendo que Motoyama sensei não está mais entre nós. Partiu para longe, conhecendo outros lugares, certamente já explorando o que há de novo neste Bravo e Novo Mundo que se encontra. Foi um choque. Apesar de ter seus 81 anos, ele não aparentava; possuía uma energia calma, mas constante, que o fazia assumir uma miríade de compromissos e projetos. Um obituário que eu li disse que ele partiu serenamente e descansando, e eu acredito piamente nisso. Acredito que era o estilo do Sensei, que fazia tudo calmamente, partir deste plano também com toda essa tranquilidade.

Fico aqui eu, seu humilde discípulo, órfão de seus ensinamentos e direcionamentos. O que devo dizer? Como se diz adeus em Japonês? 

As pessoas pensam que a resposta para isso seria Sayonara, e elas estão quase certas; mas o que elas não sabem é que esse termo significa um adeus real, aquele de se garantir que nunca mais as duas partes vão se encontrar. Não posso acreditar nisso; afora qualquer crença religiosa, estou cercado dos ensinamentos do Sensei, em seus livros, seus emails, e as lembranças que tenho dele, de como ele me ensinou a ser um historiador melhor. Como posso dizer que ele não está aqui então?

Não, Sensei. Não direi Sayonara para o senhor; Não vou me despedir, porque nunca é um adeus. è sempre um até logo. E é isso que eu direi para o senhor. 

Mata ne, Motoyama sensei.








Um comentário:

  1. Leio pela segunda vez,esta crônica e o mesmo que aconteceu na primeira vez repete-se agora.EU CHORO! Choro de GRATIDÃO por alguém que não conheci em pessoa MAS, através de TODO & TANTO ENSINAMENTO passado a ti.Sinto tua dor, a dor da separação que aconteceu de forma tão tranquila,porque ELE foi MERECEDOR, um GRANDE HOMEM.FOI LUZ para tantos como foi para ti.Que ELE esteja em um lugar muito ILUMINADO e de lá possa continuar te guiando,como fez SEMPRE, sem que fosse preciso vocês conversarem todos os dias.

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