terça-feira, 25 de maio de 2021

Crônicas do Novo Normal: Velas na Escuridão


Mr Rogers, talvez uma das pessoas mais admiradas por seu altruísmo nos EUA, era o apresentador de um programa infantil por lá. Ele fez uma série de coisas notáveis em sua vida, entre as quais convencer o senado americano a não diminuir o investimento no canal público aonde ele exibia seu programa (o discurso aonde ele convence o Senado é fantasticamente irreal por ser real, vale a pena ser visto). Ele foi um homem que viveu bastante, e chegou a ver os atentados de 11 de Setembro lá. Como sempre preocupado no impacto que isso causaria nas crianças, ele se propôs a tentar acalmar elas em seu show, numa explicação que culminou na seguinte frase:

"No momento do caos, procure quem ajuda. Procure os que ajudam o outro".

Não fui uma criança que cresceu com os programas de Mr Rogers, brasileiro que sou. Contudo, não posso negar o efeito que essa frase em particular causou em mim.

Quando digo "brasileiro que sou", acredito que muito dos meus leitores entendem bem o que digo: O Brasil é um país de cínicos. Não tente dizer que não, porque é. Os valores que aprendemos enquanto sociedade envolvem claramente tentar perceber quem está tentando nos enganar, e se possível enganar essa pessoa primeiro - ou na pior das hipóteses, tentar sair com o mínimo de dano possível. Não creio que haja um esforço nacional em se criar algo diferente disso, até porque realmente há um grande número de pessoas que estão tentando nos passar a perna, mesmo se não contarmos os políticos. 

O efeito disso é óbvio: pessoas sem esperança no outro, e até na verdade desejando serem elas mesmas as espertas, desprezando quem não enxerga o mundo desse jeito, vendo pessoas assim como fracas. Aquele que ajuda então, ou é maluco, ou está tentando tirar vantagem. Pode apostar que essa é a primeira coisa que surge na cabeça de um brasileiro: que não existe o almoço grátis. 

E no entanto... no entanto existem sim os que ajudam. Existem sim, entre nós, almas boas. Poderia citar aqui exemplos famosos como o Padre Júlio Lancelotti, com um trabalho exemplar aqui em Sampa; ou o vereador Eduardo Suplicy com sua eterna luta pela renda básica universal; mas eu queria realmente aqui destacar as pessoas que não tem tanto nome ou presença na mídia, as pessoas que ajudam no dia-a-dia de lutas que temos em nossas vidas - já que a nossa vida é feita de um dia após o outro. 

E essas pessoas estão por aí, mesmo nessa pandemia maldita, que ceifa vidas. São pessoas que se preocupam em coletar roupas usadas para entregar aos moradores de ruas, neste inverno que está chegando brabo; são médicos que vão além do que é esperado deles, e conseguem a duras penas marcar consultas para pacientes que precisam urgentemente ver uma mancha anormal na pele; são religiosos que tentam levar comida e consolo para os moradores de rua em Santos e em todas as cidades do brasil; são comediantes que se mobilizam para conseguir o que o Governo Federal se recusava a fazer, que é cuidar da sobrevivência dos que necessitavam de algo tão básico que era oxigênio.

Então, que essa crônica seja um ode a estas pessoas, e uma luz para nós, tão acostumados que estamos a esperar o pior do outro, a esperar o inferno dele. Não existem pessoas perfeitas - dado que perfeição ão é uma característica humana. Mas com certeza, existem mais Mr Rogers por aí. Existem mais "pessoas que ajudam". Olhemos para elas, e tentemos imitá-las.

Esta crônica é dedicada ao reverendo Leandro Antunes Campos, Presbítero da Paróquia Anglicana de Santos, que se encontra em observação por suspeita de Covid. Peço a todos que puderem orações e pensamentos positivos pela sua pronta recuperação.



Um comentário: