quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: 2020 está morto, vida longa a 2021

Eis que o dia 31 chegou, e com ele a esperança de um ano novo diferente e bonito. Todos nós temos, no fundo do coração, esse sentimento forte de querer algo novo com o passar do ano. Ainda mais, é claro, depois de um período que foi mais um curso prático de estresse pós traumático que um ano em si. E nem me refiro às mortes (que foram muitas), nem às dificuldades que tivemos (que tantas outras pessoas tiveram ainda pior). . me refiro, na verdade , ao clima todo das coisas, todo o ar de peste e desespero que andava pelas ruas, ou talvez tenha sido somente libertado pelas condições do Covid-19. 

Eu sei o que muitos estão pensando: onde você estava que não viu isso antes? Brasil é isso mesmo, estamos sempre na luta, quem pensa diferente é superprotegido, filho de condomínio. E eu digo que essa pessoa que me lê e pensa isso, é um indivíduo que simplesmente não entende como as coisas mudaram demais desde março de 2020 por aqui. Ou olhar apreensivo pra qualquer pessoa que tossisse na rua era super comum  em 2019?  E encontrar lojas fechadas com avisos de obrigatório uso de máscara, que tal essa longa tradição de anos passados, hein? É lógico que as coisas mudaram, e não foi para melhor: foi para pior mesmo.

E então.... o dia 31/12. A grande virada. Porque é assim que as coisas funcionam, não?  uma data mágica e pof, tudo novo. Tabula Rasa. E talvez os nossos velhos problemas fiquem para trás, e nós possamos nos renovar enquanto soltamos fogos de artifício, comemos a ceia, e vemos o Faustão na Globo em algum show de virada da vida (talvez não esse ano; confesso estar por fora da programação da Globo por algum tempo já). 

E sabe, isso faz um certo sentido mesmo. O ser humano é antes de tudo um Homo Symbolicus,  e esses rituais são necessários para ele entender o começo de uma coisa nova, poder se renovar espiritualmente para coisas  que virão. Isso tudo é absolutamente necessário, tal qual os aniversários, ou antigamente as danças purificadoras e tudo mais. Alguns acham que um dia o ser humano vai se livrar dos símbolos e conseguir agir somente com a razão: eu afirmo que isso é impossível, pois toda essa simbologia é simplesmente parte integrante da experiência humana.

O que não faz sentido, amigos, é entender o 2021 vindouro como um imediato alívio das mazelas de 2020. Isso não vai acontecer; ainda temos tantas coisas a resolver que é quase ridículo comemorar a chegada desse ano novo. O Covid ainda está entre nós, e parece que vai ficar por um tempo, de acordo com os especialistas; a Crise econômica que virá graças à pandemia vai ser monstruosa, e podemos estar certos que a resposta a ela, aqui no brasil, vai ser a mais idiota possível (saudades de quando os planos econômicos eram apenas desumanos...); pior que isso, toda a estupidez e o ódio que ferveram durante dois mil e vinte continuam aí, mais expostos que nunca. eles não vão embora só porque um número mudou; ainda é nossa responsabilidade resolver isso.

Então o que comemorar? Que tal a chance de podermos, afinal, tentar resolver sses problemas? Estamos vivos, amigo/a leitor/a. Sobrevivemos, até aqui, a batalha de 2020. Temos a chance de acordar, tomar um banho, tomar café e encarar esse novo e bizarro mundo. Sofreremos, sim. Choraremos, mais ainda. Lamentaremos, sangraremos... mas é a experiência humana, com o doce e o amargo. Eu, particularmente, jamais vou me render antes de pelo menos lutar ao máximo, e sei que não estou sozinho nisso, afinal, ainda estamos vivos. e viver é lutar.

Desejo do fundo do coração que você que me lê, tenha a força para lutar e esmurrar o mundo bem na cara quando ele quiser te derrubar. Na falta de positividade, use a força da raiva mesmo! Nunca deixe que um ano te faça desistir. EM FRENTE! FELIZ 2021, E VAI TIMBORA 2020!


sábado, 26 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Papai Noel dos trópicos

Fonte:espacocasa.wordpress.com

Estamos quase chegando em 2020, e não sabemos quem somos. É a pura verdade - embora não queiramos admitir. Tentamos e tentamos tantas vezes, em tantos tempos passados, mas me parece que hoje em dia a Grande Identidade, por assim dizer, está completamente fora do nosso alcance ainda, e isso em um momento que saber quem somos é de vital importância. 

Talvez o leitor esteja confuso sobre esse assunto. Ora bolas, não acabamos de sair do natal? o que é isso tudo de identidade, de importância vital e tudo? Pois eu lhes digo que é sim um assunto forte, e que nunca é tão evidente quanto nestes momentos. Pois lhes pergunto: fez calor na sua região? Suponho que sim, embora com um pouco de chuva. Aqui em São Paulo, incrivelmente, fez um pouco de frio, mas nada que houvesse neve ou qualquer coisa assim. Como se deve saber, a neve no brasil é um fato quase impossível.

E no entanto, cá temos o Papai Noel, de casaco, gorro e botas, preparado para um frio que inexiste aqui. e  arrisco dizer que muitos nem chegam a pensar nisso como algo incomum: simplesmente é, e não se diga mais nada a respeito. Mas só porque é uma tradição, não quer dizer que pode ser contestada: tradições são meras invenções simbólicas, amigos. E a do Papai Noel também já foi antes, por Getúlio Vargas, com o Vovô Índio, uma figura indígena carregada de todos os preconceitos da época acerca dos indígenas que se tentou tronar a figura dos presentes aqui na Terra Brasilis.

 Foi uma maneira bizarra, xenófoba e francamente ridícula de se questionar a figura do Bom Velhinho por aqui, e talvez por isso o projeto da brazileirização de Noel tenha sido abandonada. Mas eu acho isso um erro. E pode parecer besteira insistir em buscar um modelo brasileiro de papai Noel com tantas outras urgências ao nosso redor, mas pense bem: Um Papai Noel brasileiro não iria, na menor das hipóteses, pelo menos prover os pobres papais-noeis de shopping um alento do calor infernal dos trópicos? E na melhor das hipóteses, não iria também, pouco a pouco nos libertar de um dos muitos modelos importados de fora, sem nenhuma adaptação, que só servem para nos fazer sentir incompletos, excluídos de algo que nem tem a ver com a nossa natureza? 

Posso ser um sonhador, mas entre tantas coisas que desejo (e elas são muitas: Justiça Social, Felicidade para a minha família, perder 5 kilos...), essa é uma das principais. E talvez seja a mais alcançável, depois da meta de perder peso. Então, que sigamos nosso manifesto antropofágico uma vez mais! PELO PAPAI NOEL DE BERMUDA E CAMISETÃO! 


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Bodas de Máscara


Dia 22 de Dezembro veio, e junto com ele meu aniversário de casamento com Aline Garcia, minha companheira de lutas, tretas e sonhos desde até antes da nossa união oficial. A cerimônia aconteceu em 2018, em Santos, e foi um dia quente demais até par aos padrões de uma cidade praiana. O caos aconteceu por todo lado: Além do calor, precisamos acertar de última hora um bolo que teimava em não chegar a tempo, além do noivo (este que vos fala) ter esquecido a própria calça do terno do casamento; então toca buscar uma loja que alugasse uma calça para eu usar junto com o blazer e poder me casar, enquanto Aline esperava pacientemente na igreja (anglicana, porque somos um casal que se recusa a seguir padrões ao pé da letra). Acho que talvez ela tenha sido a primeira noiva que chegou na hora e teve que esperar o noivo atrasado (em uma hora!). 

Desde então, é claro que resolvemos comemorar nosso aniversário de casamento de maneiras diferentes, e assim foi em 2019; contudo, 2020 nos apresentou o desafio de organizarmos uma comemoração em meio a uma pandemia. Claro estava que não podíamos sair de casa para ir comer em lugar nenhum: diferente de tantos que esbravejam nas redes sociais sobre a necessidade do isolamento e depois saem para beber e comer hambúrguer como se nada estivesse acontecendo, nós estamos realmente nos resguardando e em isolamento. Mas é claro que precisávamos comer-morar, afinal, para um casal "gourmet" como somos(leia-se: fãs de comida), o ato de comer algo mais chique é essencial para ressaltar a importância da data.

Assim, tivemos que encontrar a saída da entrega, e deixe-me dizer que isso hoje em dia é algo um tanto cheio de suspense aqui em São Paulo. Sim, pois está acontecendo de alguns entregadores fingirem que deixaram seu pedido, e simplesmente sumirem com a comida. Já me aconteceu uma vez e foi bastante incômodo, para dizer o mínimo; assim, aguardei apreensivo pela chegada da comida, e quando o tempo de chegada passou dois minutos do estipulado, já estávamos preparados para ligar e reclamar quando toca nosso interfone: era o entregador. Fim do suspense. 

Os pratos (que foram fetuccines ao molho pomodoro e quatro queijos, respectivamente) foram devidamente organizados na mesa, e então abrimos um vinho relativamente barato comprado no supermercado, brindamos e comemos. Mas ao fim das contas, o prato, e a bebida, importavam menos que a companhia de minha esposa, que a parceria dela durante estes dias tão difíceis, quando o choro vinha do nada e ela me consolava (e eu a ela); quando demos forças um ao outro em problemas pessoais e profissionais; quando rimos de vídeos bobos da internet ou quando ela ficou me observando jogar enquanto lia um livro de Raquel de Queiroz. 

Me parece que o casamento é isso: companheirismo através dos tempos bons e ruins. e nem precisa, necessariamente, ser algo imposto por igreja nenhuma: é simplesmente algo que ocorre quando duas almas resolvem se unir contra o mundo, e criar juntas um mundo próprio onde possam repousar e reenergizar. Onde um aprende com o outro, todo dia, sempre surpreendidos com algo que não imaginava do parceiro. Sou muito sortudo de estar em algo assim, sei bem disso; espero que todos que me leiam estejam, também, em algo tão recompensante e mágico quanto o que vivo e que descrevi. 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: A falta eterna



Nicete Bruno morreu, a nossa "eterna Dona Benta", como diriam (e talvez tenham dito) os jornais na Globo e afins. Morreu de Covid-19, aparentemente depois de uma única visita, mesmo com todos os cuidados, mesmo com todas as questões. Que importa? Ela se foi, tomada pela peste. Seus familiares pranteiam sua morte. E seu quarto, seu lugar na mesa, estará para sempre vazio dela. 

Falo aqui da atriz, mas quero mesmo é, através dela, falar sobre as pessoas que partiram esse ano, tanto as do Covid, quanto as que partiram por outros motivos (embora o Covid seja uma causa grande das mortes). Ainda mais nessa época, de natal, que independente do que pensamos a respeito, tende a ser uma época de juntar a família, amigos, pessoas queridas. Não esse ano, porém: ainda temos que tomar muito cuidado e nos prevenir, manter-nos em nossas bolhas de segurança, apenas com quem sabemos estar livre da doença. 

É claro que muitos vão fazer festas grandes chamar todo mundo, e que se dane a sociedade; mas não quero falar dessas pessoas, elas não precisam de mais atenção que já lhes foi dada. Quero aqui, falar das pessoas que sofrem, nos lares vazios de um, duas pessoas. Quero sentar e conversar com cada pessoa que chora a morte de seu ente querido, que olha vazio para um canto, e sente a saudade que não passa, nunca passa. A dor que nunca acaba, a saudade que não se resolve, o abraço que jamais poderá ser dado de novo. E falo com eles, porque ninguém está falando. Certamente não o governo, mais preocupado com ganhar um jogo político vão que em realmente buscar ajudar as pessoas; muito menos a grande mídia, que parece mais preocupada em juntar fatos que possam servir de ferramentas para seus propósitos. 

Menos ainda os que muitas vezes estão ao seu redor, dizendo que é tudo uma invenção, que é um exagero. Ou quando dizem que "é preciso ser forte", que "não adianta nada chorar", que "agora é seguir em frente". Ninguém quer ouvir nada disso nessas horas, mas é o que muitas pessoas acabam tendo que encarar em meio à dor. Acho que nós passamos anto tempo tentando ser fortes e não ser esmagados pelo mundo, que ficamos insensíveis ao sofrimento alheio, e vemos isso como uma fraqueza. Então, o apoio vem com incentivos a seguir em frente, esquecer,  sacudir a poeira, viver os 3 dias de luto legais da carteira de trabalho e continuar. Como se o mundo dos sofredores fosse normal depois de tudo que passaram. Como se fosse fácil seguir em frente, sem nem ao menos prantear direito. 

Eu não tenho poder nenhum, sobre os direitos trabalhistas, sobre a humanidade, sobre nada. No entanto, gostaria de dizer aos que leiam isso e precisem (que são todos. Em algum momento na sua vida, você vai precisar chorar): Nunca retenha suas lágrimas. Chore, e lamente a falta de quem não está mais aqui. "o mundo continua", como dizem os que querem lhe dar forças, mas o SEU mundo, por hora, acabou um pouco, então nada mais justo que lamentá-lo um pouco, só mais um pouco. Conforme uma grande mulher disse certa vez: quando lhe disserem "siga em frente", olhe nos olhos deles e diga "No meu tempo". 


sábado, 19 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Quarentena da alma na internet


O brasileiro adora uma fofoca, quase tanto quanto adora uma novela. Eu sei, porque moro em um prédio de frente para uma rua, e não há nada mais divertido a se fazer certas noites, que espiar a rua com Aline e ficarmos bisbilhotando o que está acontecendo ali. Há muito a se aprender com o drama da vida real; de fato, eu recomendo a todo projeto de escritor como eu, que seja sempre um grandessíssimo fofoqueiro, e sempre esteja atento ao desenrolar da via ao seu redor. Ali sim está sua verdadeira escola para enredos. 

Falei da minha mania de fofocar durante o covid-19, mas sendo honesto é uma coisa que eu sempre tive comigo: sou mesmo um grande bisbilhoteiro. Correndo o risco de ser olhado torto para sempre por meus amigos e familiares, a verdade é que estou sempre de ouvidos atentos para historinhas, anedotas, ou mesmo só algum fato curioso sobre alguém, de algum lugar, fazendo alguma coisa. Você pode pensar que estou calado, mas na verdade estou atento, ouvindo tudo, anotando no meu caderninho mental para um uso futuro.

Evidentemente, a quarentena só acentuou o que já existia em mim, de sorte que me pus a buscar, como hobby, histórias que tenham acontecido a outrem para continuar anotando no meu caderninho mental, já que eu estava privado de ouvir estas nos ônibus e trabalhos da vida. Encontrei, benção das bênçãos, a internet, e a fantástica falta de zelo de seus usuários em questões privadas. Neste momento, faço parte de uns dois, três grupos de facebook com pessoas especializadas em contar suas mazelas à estranhos, sem sequer considerar quem possa ou não estar lendo aquilo. 

Você pode pensar que é um problema exclusivo de gente mais jovem, mas eu lhe asseguro que essa entrega voluptuosa de sua própria privacidade não tem idade. E durante nosso isolamento forçado de 2020, a coisa tomou uma figura muito maior: há desde pessoas queixando-se de seu companheiro de aluguel não  tomando os cuidados devidos para evitar o Corona, quanto pessoas pedindo conselhos sobre como proceder num caso de divórcio! Tudo, é claro, material riquíssimo para um projeto de escritor como eu - e tudo devidamente guardado nas pequeninas células cinzentas de que nos falava Agatha Christie. 

O que falo pode parecer crítica - e de certa forma é mesmo - mas não posso deixar de pensar em como a solidão é que empurra essas pessoas a dividir suas vias com estranhos, e em como 2020 impulsionou isso ainda mais. Pois a verdade é que a quarentena foi de corpo e alma para nós todos: protegemos nossos corpos da doença, e acabamos vendo de profundis o imensidão das mazelas de nossa alma. E vazios, buscamos significados na internet, sem saber que ela é a pior coisa que possa preencher um coração desesperado. E no entanto, para muitos, é a única coisa que há para fazer isso.

Aos meus amigos, colegas e companheiros de comunidades altamente reveladoras: não me tenham como inimigo. Quisera eu, na verdade, poder fazer algo para ajudar vocês de alguma forma. Mas a estrada é longa, e em cada caminho só cabe uma pessoa e seus amados. Que seus caminhos sejam menos dolorosos em 2021, do que parecem estar sendo agora. 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: As ruas do Natal em 2020.


Em dias como esse, com a chuva caindo devagar sobre os telhados paulistas, e os gatos correndo pela casa lutando por cordas e brinquedinhos espalhados, que eu me lembro do período de festas da minha época de adolescente e criança. Memórias que vem com o cheiro da chuva, certamente.

Sendo honesto, direi que eu não era o maior fã desta época do ano. Não era realmente um Grinch, mas eu não sei se conseguia ver o que tinha de especial tanto assim. Claro, no dia do natal haviam presentes, e comida, e mais presentes ainda. Mas eu não me sentia à vontade em grupos grandes, e minha família é BEM grande, fora do grupo nuclear: assim, eu vivia meio que isolado em mim mesmo, apesar das pessoas se esforçarem para fazer um clima agradável. Hoje, eu vejo com muito mais bons olhos isso, apesar de ainda ser uma pessoa que prefere grupos pequenos. 

Sendo assim, o que eu gostava dessa época, afinal? Bem, é difícil de explicar, mas os dias que antecediam o Natal eram, para mim, os melhores, até melhores que o natal em si. Existe o velho clichê de espírito de festividades permeando os lugares e as pessoas, mas acho que isso por si só não explica muito as sensações. Posso dizer para você, leitor/a, que o que eu mais gostava era andar nas ruas molhadas pós-chuva (no Pará, em Dezembro, sempre chove), e olhar as lojas com luzes de natal, e vitrines com promoções, e as pessoas nos carros e nas ruas. 

E eu pensava, meu Deus, será que o Natal é isso então? Uma eterna passagem de tempo num livro cósmico qualquer? E, apesar de parecer algo negativo, era bom esse momento, como estar num fluxo de pensamento de um ser superior, um pensamento que passava pela mente... e sumia. Ou talvez fosse minha eterna fixação em coisas efêmeras; de qualquer forma, era ali que eu me sentia em paz. 

Esse 2020, eu olho as ruas, pela internet ou pela sacada do meu apartamento, e não posso deixar de pensar, como sempre, em como será o natal de tantas pessoas que vejo passando ali, encolhidas, mascaradas


. Algumas sem seus entes queridos; outras no choro sentido dos que esperam, e alguns abençoados, que não sofreram nada diretamente, exceto a tensão do esperar o melhor de uma situação que não temos quase nenhum controle. Essas situações em nada se parecem com o que falei antes, mas também são uma estranha espera,. de fim da dor, que não se sabe quando nem como vai acabar. 

Então, que em 2020 recebamos o maior presente possível no momento: chegar em 2021. Por favor. 


domingo, 13 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Cyberpunk 2020

São Paulo Neon Nights, foto de Henrique Oliveira (flickr)

Recentemente lançaram o jogo Cyberpunk 2077, E não vim falar dele aqui. Primeiro que não comprei o dito cujo (até onde soube, ele está todo mal-feito também, então nem me interessa comprar no momento); segundo, que mais interessante que falar de um jogo, é falar do que ele nos traz à mesa para discutir, de uma forma ou de outra.  Toda produção cultural, aliás, pode suscitar essa discussão, e um jogo de videogame é, certamente, um produto de cultura pop, quer se aceite isso ou não.

Enfim, vendo esse afã todo, comecei a pensar no gênero Cyberpunk, esse grande injustiçado dos meandros artísticos. Não que ele seja o único: na verdade, é difícil até dizer que gênero não foi injustiçado pelo mercado. As pessoas gostam de um determinado aspecto de uma obra, e as empresas, as corporações, tentam desesperadamente refazer o pulo do gato, e concentram-se em criar obras vazias de alma, porque acham que o que foi especial ali foi um tipo de efeito especial, uma cena em específico. E assim temos um filme, um livro que marca época, seguido de cópias e cópias sem qualquer valor. 

Mas divago: meu ponto aqui é, que o Cyberpunk é um gênero que começou literário (grosso modo), e que se entendeu como sátira. Isto é, apenas um tipo de história que exageraria os problemas sociais associados com a tecnologia em rápido desenvolvimento. Nunca se pensou neste tipo de história como uma previsão exatamente de nada; é claro que tecnologias apresentadas nas histórias (assim como tende a ser em quase toda ficção científica) fatalmente surgiriam, criados por cientistas inspirados nestas histórias. Mas arrisco dizer que  o escritor de Cyberpunk médio pensava mais em denunciar questões de seu presente, que necessariamente tentar prever aonde o futuro chegaria. 

E no entanto, veja onde estamos: em plena distopia cyberpunk. Ou há alguma dúvida a respeito disso? Olhando aqui a definição de um mundo cyberpunk, temos o seguinte conceito, em resumo: um lugar sinistro, sombrio, onde a tecnologia controla a vida dos indivíduos, e as corporações toma o lugar do Estado como centros de poder. Evidentemente, ainda não chegamos no epicentro da coisa toda, pois nossos Estados ainda cambaleiam em manterem-se relevantes; mas será que podemos realmente dizer que nada do que foi dito acima, aplica-se à nossa realidade? 

O Cyberpunk já está entre nós, e talvez tenha sido mais inevitável que pensávamos. Quantas outras previsões nefastas estão nos livros de nosso passado? O quanto nós mesmos montamos as estruturas para elas acontecerem, tal qual com as tecnologias que inspiraram cientistas fascinados? E nesse caso, será que não seria o momento de vermos a fundo o impacto das palrvas, das imagens, da arte na construção de um futuro mais próximo que pensamos? 

Eis algumas questões para considerarmos durante esse fim-de-ano. Ou talvez seja melhor buscar no Google? Veja só, ele já está até mostrando indicações de filmes com o tema! Parece mágica... 







 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Um mundo horrível e lindo


2020 tem sido um ano de aprendizado para mim. E não me refiro aqui àqueles velhos ensinamentos de coach, "cada problema é uma oportunidade de crescer", etc. Acho que todo mundo que chega em um ponto da vida, já sabe efetivamente que problemas podem ajudar a crescer, mas coisas boas também o fazem. Não vangloriemos os obstáculos, eles não precisam de suporte, nós é quem precisamos. 

O aprendizado de que falo tem mais a ver com a dualidade que as coisas carregam em si, particularmente nossa vida; uma dualidade essa, dividida entre o que há d certo e o que há de corrompido . Eis também, outra frase que pode ser facilmente levada como uma mera falácia hippie. Já vejo alguns dos leitores esgarçando a face: como assim, Alfredo Neto, você vem aqui me falar de dualidades? Pois não temos uma métrica de horrores a cada dia? Quantos mortos já temos no Brasil, e no mundo, graças a uma doença que tudo indica que foi escondida até o ponto de não haver mais controle possível?  E as crianças baleadas no Rio de Janeiro? 

Mas amigos, eu preciso acreditar na dialética da coisa. Apesar de ser acusado, muitas vezes, de utópico ou simplista, não posso deixar de sentir que certas coisas são erradas, como o sofrimento de uma criança, ou que pessoas passem fome em um país que se especializou em produzir alimentos. Também não posso crer que todos esses horrores simplesmente aconteçam, e sejam a versão normal do mundo, que sejam as coisas como tem que ser. 

Alguns dizem que este mundo está tão quebrado, que o maior crime é, na verdade, trazer mais pessoas para ele. Os pais de primeira viagem seriam, portanto, cúmplices do sofrimento que o bebê deles teria, ao trazerem o inocente ao mundo cheio de pestes, guerras, fomes e mortes, sabendo que elas existem. Mas não posso crer que seja essa a versão final de nosso mundo. Eu creio - preciso crer- que temos como ser melhores, e que vamos ser melhores. Que os bons exemplos que surgem nestes momentos de desespero vão se perpetuar, que vamos conseguir construir algo melhor aqui.   

É nisso que eu penso ao olhar para os bebês de minha família, e os que aparecem ao meu redor Espero, sinceramente, que não esteja sendo apenas um sonhador. 



domingo, 6 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: 33




O momento do aniversário de um indivíduo é sempre um motivo de celebração, para a sociedade. Festas de aniversário, não é? Festeja-se o nascimento com muita comida, bexigas, bolo, etc. Acho que é uma tradição que vem da infância, e na verdade de muito antes, se considerarmos o contexto histórico: Heródoto já falava dos aniversários fantásticos dos persas, como se faziam festejos e festejos nestas datas. tenho certeza que na própria Grécia antiga isso já acontecia.

O motivo é óbvio:  você sobreviveu! Ainda mais em tempos passados, onde esse feito era realmente notável: com tantas guerras, fome, pestes, etc. Você conseguir chegar ao próximo ano de sua vida era , mais que um fato especial emocional, uma demonstração de capacidade de sobrevivência! E tudo o que se quer após uma batalha pela vida, é comemorar. É só ver os planos por momento pós-covid: festas, encontros, viagens (Eu sei que tem gente fazendo isso mesmo sem a doença ser contida. Vamos ignorá-los neste momento). 

Já eu... bem, eu nunca tive uma relação boa com os aniversários. Sim, eu gostava deles quando criança, mas ao passar do tempo, comecei me sentir, de uma certa forma, sufocado pelo que eles representavam. O tempo passando não era mais algo legal para mim: antes, eram uma espécie de bomba-relógio que eu supostamente tinha que desarmar, e as ferramentas para isso seriam minhas conquistas. Que por muitos anos, eu achei que fossem poucas. Acho que todo jovem se sente assim, atrasado na sua própria agenda, e sem entender que a cobrança vem muito mais fortemente dele mesmo que dos outros. 

Fiquei assim por um bom tempo, e ainda lembro do último aniversário que pensei assim, que foi em 2015. Naqueles tempos, eu era um lobisomem juvenil, e o mais solitário dos lobisomens paraenses a andar por São Paulo. Foram tempos difíceis, em 2015. E no dia do meu aniversário, que eu estava ainda pela Pauliceia Desvairada (em um ou dois dias, eu iria viajar para Belém), eu decidi que o próximo ano seria diferente. Que eu não mais ia me cobrar tanto, e que iria ser mais verdadeiro comigo mesmo. Que não haveriam arrependimentos mais nos aniversários, somente reflexões. 

Não posso dizer que cumpri 100% o que me prometi naquele dia: de fato, eu me tornei mais honesto comigo mesmo (o que pode ou não ter contribuído para eu encontrar com minha esposa amada, finalmente), mas confesso que ainda sinto o impulsionar do autojulgamento. Ainda mais agora, que completo os famosos trinta e três anos, a idade falsa de Cristo (já que, de acordo com Cauê Moura, ele na verdade tem 2020 anos). É uma idade forte de cobranças: onde está sua casa própria? Onde estão seus filhos, sua família gigante, seu emprego mega bem-pago? 

Contudo, amigo/a leitor/a, eu aprendi durante esses anos, que não se deve lutar contra essas emoções. Ao contrário: devemos senti-las em sua plenitude... e deixar passar. Como ondas no mar, diria Lulu Santos. E assim eu fiz, e assim eu venho aqui e digo: estas conquistas virão. Mas elas não importam agora, não como uma cobrança. Importa que caminhei a firmes passos rumo a isso, e a tantos outros sonhos. Importa que sobrevivi, tal qual nossos antepassados gregos e persas, num ano de uma epidemia brutal, num país brutal. Aqui estou, com 33 anos, e que os 34 sejam ainda mais gloriosos!

Embora, se eu puder pedir algo, que sejam um pouquinho menos agitados. Por exemplo, talvez sem uma pandemia global? Seria ótimo, obrigado desde já. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: A Solitária Morte de João Ninguém


Sexta-feira passada morreu mais um habitante das ruas. Morreu no Rio de Janeiro, dentro de uma padaria, pedindo por ajuda, o que nesse país é um crime grave: ninguém quer ser incomodado com pedidos de ajuda nas ruas. Todos querem somente ir para casa e se entocar em seus paraísos artificiais, longe da multidão. E é tão fácil seguir assim, não? Afinal, não é minha a responsabilidade, nem sua. Certamente, quem falhou com essa pessoa foi o Estado! Que o Estado venha e tire esse farrapo humano de perto de mim.

E assim foi com Carlos Eduardo, que morreu entrando na padaria que sempre chegava e pedia pelo amor de Deus, que lhe pagassem um café ou lanche ou algo assim. Que naquele dia não queria comida: queria ajuda, que chamassem o SAMU, por favor. Que tinha dois cachorros, suas companhias fieis, doadas um pouco antes dele morrer, porque estava sentindo que sua saúde estava afetada pela tuberculose que lhe fustigava. E que morreu e foi coberto por dois sacos pretos, perto da geladeira da padaria, a qual seguiu funcionando normalmente: Não podemos parar, que é isso? Só por que um ser humano morreu? E eles lá são coveiros, deve ter pensando o dono, imitando uma vergonha federal nossa.

A história é triste, e se repete. Não faz nem 4 meses, um trabalhador morreu no Carrefour, e tudo que a loja fez foi cobri-lo com guarda-sóis, fechar a área do corpo, e seguir o trabalho normal. A economia não pode parar, não é o que dizem? E , pelo jeito, a vida no Brasil é isso: consumo e venda, mortes são mortes. De fato, as mortes são tantas e tão comuns, que fazer piada com elas virou um lugar comum, ao ponto de uma churrascaria fazer troça da morte de Eliza Samúdio e Isabella Nardoni.  Sem pudor, só pelo marketing. Estes são os signifcados das mortes no Brasil: piadas e marketing.

Que se pode fazer? Muito, na verdade: mas podemos pelo menos começar a recuperar a nossa alma da podridão que nela se instaurou. 

Porque, amigos, como se pode ver pessoas morrendo e só seguir adiante? Falamos aqui de duas pessoas, mas e todas as mortes nas favelas e baixadas da cidade, quando as pessoas muitas vezes tem de simplesmente desviar do cadáver e seguir em frente. E dizemos: mas sempre foi assim, e sempre será. Mas não, nem sempre foi assim. E não tem que ser assim para sempre. Não quero crer que estamos tão anestesiados que as mortes são só corriqueiras em nossas vidas. Por favor, que voltemos a ser humanos.