domingo, 6 de junho de 2021

Crônicas do Novo Normal: A vida é uma colheita, irmão




Acho que foi Camus quem primeiro enunciou o famoso pensamento existencialista, que diz que a principal pergunta da vida de um homem é se ele vai ou não cometer suicídio - isto é, se a vida vale ou não a pena ser vivida. Ou pelo menos, esta foi minha interpretação; o leitor pode tentar tirar suas próprias conclusões lendo O mito de Sísifo assim que puder, não é um livro grande, e mesmo que você não leia todo, o que importa são as reflexões que se tem com ele. 

De qualquer forma, a pergunta persiste através dos tempos, bons e ruins. Em um mundo com crescentes  índices de violência contra crianças, estupros ocorrendo a cada 8 minutos, e com o aquecimento global deixando de ser uma projeção e virando uma realidade assustadora (e isso sem contar a pandemia que se alastra em nosso meio), é de se imaginar que Camus teria uma grande dificuldade em considerar pontos positivos para sua pergunta final. De fato, no esteio do escritor filósofo francês, há pessoas que dizem que melhor seria, na verdade, nem tentar encontrar pontos positivos. os antinatalistas, como se intitulam, creem que o próprio ato de procriar neste mundo é grosseiramente antiético, e que melhor seria simplesmente optar voluntariamente pela extinção em massa.

Parece uma visão bastante radical, e no entanto não passa realmente da velha questão de suicídio ou não, só que aplicada para a humanidade como um todo ao invés de pro indivíduo. Nesse sentido, talvez devamos tentar ver um outro aspecto: o que se pode argumentar contra o que propõe este antinatalistas e o próprio mundo, quando demonstra sua implacável indiferença contra nós que o habitamos? 

Eu não consigo acreditar na teoria acima, como suponho que muitos leitores devem ter concordado ao ler tudo. Não posso crer em uma morte final da humanidade pelas suas próprias mãos, porque tenho visto a beleza que surge do seio da mesma. Para cada dor, uma alegria; para cada pranto, um sorriso. Não posso deitar-me ao chão e aceitar que o ser humano só traga maldades, quando vejo tantos gerando coisas boas. Talvez por mera teimosia, mas ainda assim: não posso crer num mundo só de tristeza, quando vejo paz e alegria em breves flashes ao meu redor.

Talvez então seja isso a vida: não uma estrada de felicidade que percorremos se fizermos tudo certo, mas uma grande plantação com tempos bons e ruins, vegetação seca ou viçosa. Talvez seja esse então o sentido da vida: plantar os momentos bons e tentar colher eles ali na frente, sempre com o perigo de uma praga, uma geada metafórica, ou algo assim. E ao nosso redor, sempre podem ter as pessoas que ajudam nessa colheita. 

Nesse sentido, como Camus também falou, se vamos seguir nesse grande empurra-empurra  de uma pedra montanha acima só para ver ela descer ao mesmo ponto de antes, tal qual na história de Sísifo, havemos que crer que esse empurrar deve ter momentos de felicidade. Nossa pedra é essa plantação de que falei antes. E a colheita há que continuar. 

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