terça-feira, 7 de junho de 2022

Crônicas do ano do tigre: Caoslma



Não sei se alguém sentiu falta ou não destes escritos mas a verdade é que eles tem ficado cada vez mais escassos. Tenho na verdade, feito dois textos no máximo por mês, e não vejo muito porque eu faria mais. A verdade é que eu ando vivendo muito mais que escrevendo, sentindo muito mais que passando as palavras para o papel, e isso , é claro, refletiu muito na minha produção. Mas sempre haverá o que se falar, penso eu, especialmente em dias intensos como os nossos. 

E que dias, não lhes parece? Em breve, eleições: eis um vespeiro que muita gente já está sentindo as picadas doloridas. Além disso, guerra na Europa, um fato velho conhecido da humanidade por certo (resta saber se ele irá se desenvolver como todos os outros aconteceram); inflação galopante, uma velha conhecida dos brasileiros; insegurança a mil.... Não sei se vale a pena dizer que estamos melhores ou piores que dias anteriores, pois nossa dor é toda nossa, não de antes ou depois. Mas que estamos sentindo a pressão na alma, ah isso estamos mesmo!

No entanto, não posso deixar de perceber que tenho me sentido cada vez mais calmo, mesmo perante isso tudo. Não digo aqui que seja uma calma que tem esperança de que as coisas melhorarão, ou que eu tenha certeza de que sei como resolver tudo. Ao contrário, tenho a certeza absoluta que não sei resolver absolutamente nada, e que quando os problemas chegarem (e chegarão, sempre chegam), eu terei de tentar me virar com os recursos e conhecimentos que tenho. Portanto, a calma que sinto no peito é talvez menos a do esperançoso e mais a do resignado, que vê que vai acontecer algo ruim de qualquer forma, e percebe que o que lhe resta fazer e acomodar-se da melhor forma possível, a fim de não romper nenhum osso na queda iminente.

Não sei dizer se isso é pessimista, realista, ou otimista: simplesmente acho que é, que existe e que sigamos. Também não sei dizer, caro leitor, quando foi que fiquei assim. Mas sinto que, estranhamente, as coisas ao meu redor tem tido muito mais valor, pois um bolo doce que eu possa comer nesse momento não é algo que eu tenha certeza que vai estar aqui amanhã. Um abraço caloroso não tem garantia de se repetir, nem um momento bom. Portanto, por que não aproveitar ele agora, nesse momento? Por que se deixar levar pela angústia do inevitável, quando podemos aproveitar a doçura do efêmero agora? 

Em suma, o desespero me trouxe paz de espírito. Não sei se recomendo ou não, mas se você estiver perdido, não custa tentar: nada tens a perder exceto os grilhões na alma. 

terça-feira, 17 de maio de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Salve a si mesmo, salve o mundo



Ultimamente tenho pensando mais e escrito menos, o que muitos diriam ser uma espécie de falha artística, mas acho que tem mais a ver com estar em dia comigo mesmo. Eis algo que acho que muitos não fazem: prestar atenção em si mesmos. Ainda mais vivendo numa metrópole como São Paulo, é fácil se perder dentro de questões que pensamos ser grandes, mas que são tão pequenas, tão ínfimas, que eu garanto que serão a última coisa que vai passar pela nossa cabeça, quando partirmos dessa para melhor. 

E é engraçado porque , contraditoriamente, acho que São Paulo acaba sendo um grande lugar para introspecção, para a filosofia (barata?) do dia-a-dia. Uma cidade tão gloriosamente dedicada a ser grandiosa acaba convidando a gente a olhar para dentro de nós mesmos, como uma contradição. E não é isso, no fim das contas, tudo que representa São Paulo? Contradições?

Mas os pensamentos podem ser perigosos, quando somos tentados a tornar eles maiores do que são. Há mais de um indivíduo andando aí fora, nesse frio de massa polar recém-chegada, que pensa que tudo deve ser transformado conforme a sua visão de cidade, de estado, de país. E isso é, de certa forma louvável; mas o que acontece quando não se dá espaço a nenhuma discussão, a nenhuma reflexão maior? É o caminho dos fanáticos, e eis algo que tem dado muitos dissabores a nossa realidade nesses tempos. 

Talvez pior que isso, é fácil tornarmos os problemas de fora, os nosso problemas pessoais, e aí mora uma grande armadilha, pois jamais seremos capazes de resolver, sozinhos, os problemas de toda uma geração; e portanto nosso sofrimento será intenso, posto que teremos no peito o fogo da mudança mas nunca teremos a sensação de estar fazendo o suficiente. Às vezes, vale a pena reduzir o foco, do macro ao micro. Talvez, antes de mais nada, precisemos mudar algo internamente, e aos poucos seguir para o externo. 

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Tempos e tempos verdes


Napoleão, quando invadiu o Egito, teria dito aos seus soldados "Do alto destas pirâmides, 40 séculos vos contemplam". Eis algo que um conquistador clássico diria, posto que é antes de tudo um romântico; afinal, para se sonhar dominar toda a Europa, você tem que ser ou um pouco maligno, ou um pouco romântico, possivelmente um pouco dos dois. 

A verdade é que, antes de qualquer apreço pela história, Napoleão estava embasbacado com o sublime de se ver construções tão antigas, e deve ser algo que realmente assombra a mente. Não sei dizer, não estive no Egito ainda; Mas posso dizer que uma emoção similar sempre me passa quando observo, andando pelas ruas de Sampa, as nossas estrondosas árvores, que existem sim, apesar da fama de cidade cinza que temos. 

E talvez por serem tão raras assim, eu me sinta abismado quando as vejo: tão fortes, em terreno tão hostil. E gigantes, algumas, nos lugares mais inusitados: aqui mesmo, em pleno Rio Pequeno, próximo a um lugar singelamente chamado de "Riacho Podre", há uma árvore tão bela que não pude me conter e tirar uma foto, que ilustra o começo desta crônica. "Maria Moura", eu a chamei, por ser tão forte e majestosa em meio a um terreno tão hostil. 

E assim sigo passeando pelas ruas de Sampa, observando estas construções majestosas da natureza, se é que posso assim dizer. Passo por elas caminhando, de ônibus, dirigindo às vezes; e sempre que as vejo, penso em como elas parecem acenar silenciosamente, para mim e todos que andam nas ruas, como testemunhas silenciosas de anos e anos de vida humana na terra, rumando para o nada, a troco de algo que pensamos valer a pena. 




domingo, 3 de abril de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Ghosts of São Paulo





 E entre tapas de atores, escândalos previsíveis e aumentos de valores da gasolina, o que mais me chamou atenção esses dias foi um post do facebook. 

Era um relato de uma amiga minha, falando de seu costume estranho, quando chegou em São Paulo, de ir ao aeroporto e observar as pessoas chegarem e partirem, quase como que uma versão de vida real daquele programa da Astrid Fontenelle na GNT. No post, ela contava o quanto gostava de ver as emoções acontecendo ali, in loco, e em como se sentia um fantasma, vendo de longe emoções que não lhe pertenciam. 

Eu não respondi no texto dela, mas digo aqui: querida amiga, somos dois, somos 3, somos milhares, perdidos em São Paulo, vivendo nossas vidas de fantasmas. Alguns de nós tem a pena comutada bem cedo; eu mesmo só fiquei como assombração nesta cidade grande por um ano, até poder me encontrar e estar com pessoas que são minha família aqui agora. Mas também eu fiquei vagando por aí, coletando emoções em cada esquina, levando para casa como uma tampinha de refrigerante para colecionar. 

Nós, os fantasmas, nunca andamos em conjunto, porque de alguma forma isso nos faria sentir ainda mais solitários; mas conseguimos reconhecer bem um ao outro. Lembro de andar pelas ruas do Butantã e observar os bares e festas acontecendo ao redor, e algumas vezes eu entrava em algum boteco, pedia uma cereja, e ficava ali pensando, humildemente pensando na vida, e nos meus erros. Sempre, em algum momento, eu veria uma outra pessoa com a mesma postura que eu, o mesmo olhar perdido, pensando... em que? A cidade de onde saiu? Os lugares que gostaria de ver? Quem pode saber? 

Principalmente agora, quando o frio caiu pela cidade, eu penso no fantasma que fui, e nos que andam ainda por aí, assombrando a si mesmos enquanto andam pelas ruas. Alguns sem casa para se refugiar, alguns com casa, mas sem lar.Eternamente vagando pelas trevas de suas mentes solitárias. 


terça-feira, 15 de março de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Talvez um mundo novo


E aconteceu o inevitável, que é um dos políticos dessa "nova onda" se mostrar como sempre foi: uma pessoa vã, hedonista, que diminui o sofrimento dos outros em prol de seu prazer. Arthur do Val, o tal "Mamãe Falei", nada mais falou do que já tinha deixado escapar muitas vezes antes, tanto ele quanto seus amiguinhos do MBL; qual o motivo para o alarme agora? Possivelmente, porque o horror falado tornou-se internacional, impossível de rir e mascarar como "ah, mas ele só fala o que todo mundo pensa, quem nunca, etc". 

Não que ele não tenha tentado isso, mas descobriu que não, nem todos olham para refugiadas de guerra e pensam em como transar com elas naquelas situações.

Depois veio o escândalo mais recente: o filme de Danilo Gentili, "como ser o pior aluno da escola", taxado como uma obra pedófila. Os primeiros acusadores disso, aliás, os próprios bolsonaristas que antes idolatraram aquela desculpa fraca de humorista como "o novo bastião do humo escrachado", etc. Gentili ainda tentou dizer que se sente feliz de ter ofendido gregos e troianos, mas a verdade é que sua grande base são, sim, os extremistas. Difícil ver como ele fica com essa, talvez um novo João Klèber, comediante do horror Collor que se limita agora a ser um meme de pegadinhas e flagras falsos. 

Há ainda mais uma, embora essa eu tenha que ser reticente e dizer que rio menos que sinto um pouco pela pessoa: um bolsonarista recentemente rumou para a Ucrânia, querendo participar da guerra. dizia-se instrutor de tiro e pronto para o combate; ao chegar lá e quase ser morto em um bombardeio, ele parece estar repensando tudo, e falando sobre os horrores da guerra. Muitos tem feito galhofas ao sujeito: eu não creio que isso é bom. Trata-se de um indivíduo que talvez tenha acordado, com a realidade bem à sua frente, e tenha percebido o quão diferente é seu mundo interno de fantasias ultramacho versus a realidade nua e crua, com morte e sofrimento. Pelo menos, assim espero. 

O que tem esses três elementos em comum? Lógico, eles tratam de quedas de patamares, em diferente níveis, de condicionamentos bolsonaristas (dentro ou não de uma lógica hipócrita): que a guerra é boa, que falar o que quiser tá liberado, e que humor bom é o que choca e humilha. Como eu disse antes, existe muito de hipocrisia nesses casos (particularmente no caso de Danilo Gentili, vide quem está pulando fora do barco para atacá-lo); mas eu gostaria de pensar que isso é um sinal, do começo do fim deste período medonho que andamos vivendo. 

Sei lá, talvez eu seja só um sonhador mesmo.





domingo, 27 de fevereiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Tempos Interessantes


Quando eu era garoto, durante os anos 90, houveram muitos momentos difíceis no Brasil e no mundo, e é claro que minha família passou pelos efeitos disso; num mundo globalizado, é o que acontece. Inflações galopantes, violência em larga escala, o avanço desenfreado das drogas.... tudo isso era parte do nosso dia-a-dia, o que talvez não seja novidade para nós que aqui estamos, basicamente com tudo isso. Mas lembre-se que eu era novo ainda na terra, então para mim era algo assustador.

O que era também novo para mim e, surpreendentemente, para os adultos que eu via ao meu redor, era uma certa... esperança, eu diria. Veja, os anos 90 vieram logo começando com o fim da Guerra Fria, que tomou tantas décadas e gerações. Você pode até dizer que isso não tem nada a ver com você nem com o Brasil, mas só estaria sendo um tolo se o fizesse: a Ditadura Militar que tivemos, por exemplo, foi um grande efeito do que foi a Guerra Fria. 

Ela acabar, portanto, deve ter sido um grande alívio mundial, porque mesmo criança eu conseguia sentir isso. Podemos sentir na verdade até hoje: se você ouvir músicas da época, ver séries, etc, vai ver que existe mesmo essa ideia de que podemos superar as coisas (as drogas, a violência, a pobreza), porque o pior já havia passado. Os problemas existiam, mas se o mundo havia superado a pior coisa que era esse conflito de influência das potências, eles conseguiriam tudo. 

É claro, 2001 veio, as torres gêmeas caíram, e todo esse sonho veio a abaixo com quase tanta violência quanto as próprias torres. Mas em algum momento ali nos anos 90, eu creio que as pessoas acreditaram... em algo. Talvez na possibilidade de serem melhores. Talvez na possibilidade do mundo ser melhor. 

Agora, com essa guerra da Ucrânia, ameaça de um conflito global batendo às portas, e tudo mais que tem nos acontecido antes disso (a lembrar: pandemia, governos corruptos fascistas, inflações recordes... e todos os outros problemas que já citei antes), fico  pensando cada vez menos nos meus anos 90, e na esperança do mundo naqueles dias, e penso cada vez mais nos que cresceram durante um período mais sombrio, anterior. Como eles faziam para ter esperança que as coisas melhorariam? 

Me pergunto isso todos os dias. 


domingo, 13 de fevereiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: A Paz Verde



Eles existem, estão espalhados por aí: os pequenos bolsões de paz na selva urbana. Ou médios, pelo menos: Alguns nem tendem a ser tão pequenos assim , mas certamente não tem nada de grandes - talvez porque isso acabe diminuindo o impacto das coisas, de certa forma. 

Podem ser parques, praças, ou até mesmo uma rua em especial: mas é ali que se sente algo especial, um descanso do correr frenético e cansativo. Quando cheguei aqui em São Paulo, por incrível que pareça, esse lugar de paz era uma rua sem saída, onde ao fim há uma árvore gigante. Fica em frente a um condomínio, e perto de uma avenida, mas ainda assim nunca vi um silêncio se aproximar tão rápido, como se a árvore fosse ela mesma um ímã do silêncio. Sempre vou lá quando posso, com minha esposa, buscar um pouco dessa tranquilidade.

(Madrinha, é como chamo a árvore. Sou bicho-grilo mesmo, dou nome para as coisas)

Com o tempo, fui encontrando outros lugares, alguns óbvios ( a biblioteca da CCSP e sua gibiteca, é claro), outros nem tanto (por algum motivo, a rua ao lado do hospital Santa Catarina, na Avenida Paulista, me dão uma paz tremenda!)... mas em todo lugar de São Paulo, eu fui montando estes pequenos santuários pessoais, estes lugares de reenergização. Tudo isso para minha grande surpresa: não esperava isso de uma cidade tão grande como aqui. Talvez eu tivesse uma visão errada quando vim para cá. 

Em Belém do Pará, por 27 anos meu lugar de paz era uma avenida toda: a Gentil, lugar onde ficam tanto minha biblioteca favorita quanto muitas memórias de jovem. Quantas vezes não voltei no ônibus, o calor intenso no coletivo de janelas fechadas para a chuva não entrar, mas ansioso para chegar em casa e ler os livros emprestados do Centur? Estas são, talvez, uma das mais fortes memórias que carrego em meu coração de minha cidade natal. 

E ontem, no sábado, quase pude reviver estas mesmas memórias de descoberta de paz, quando fui com minha esposa no parque Severo Gomes, um lugar tristemente cercado por um bairro rico (e portanto distante da realidade do bravo povo à margem aqui do meu bairro, por exemplo), mas tão poético que chega me dói o coração de lembrar. Crianças brincam e comem em picnics ali, e há trilhas: ao longe o som do riacho restaurado pela ação do Estado. O calor do dia completamente reduzido pelas árvores.... é um paraíso, amigos. Gostaria que todos que moram aqui em São Paulo pudessem ir lá e desfrutar, garanto que pelo menos relaxados vocês saem. 

Mas nem todos tem o mesmo caminho de paz - e portanto nem todos tem o mesmo jeito de montar estes santuários. Então, a pergunta que fica é: 

Quais são seus lugares de paz na sua cidade? 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: É preciso sonhar.





Eu, tal qual muitos outros, aprendi a ler basicamente com quadrinhos. Turma da Mônica, como todo brasileiro, mas também um pouco de quadrinhos Disney, que nem sei se são publicados hoje em dia ainda. Li muito Mickey Detetive, Superpateta, Zé Carioca.... Depois vieram os quadrinhos de super-heróis, um hábito que tenho até hoje em dia: Homem-Aranha, Batman, X-men, Demolidor, Novos Titãs.... tudo isso, misturado com uma boa selete de quadrinhos italianos, como Tex, Zagor, e outros. 

Digo tudo isso, porque queria deixar claro que meu ponto de vista é bastante enviesado: antes de ser moda, eu era já um fã de coisas nerds, e até hoje em minha mente é possível encontrar pormenores de histórias que a maioria das pessoas nem se lembram. Essas histórias ficaram em minha mente, porque elas ressoaram dentro de mim, tal qual acontece com toda história que encontra seu público-alvo. É assim que a gente descobre o que gosta, não? Lemos/vemos algo que nos interessa, e aos poucos vemos que a história é menos sobre alienígenas, ou seres fantásticos, e mais sobre nós mesmos. Sobre quem somos na Luz e nas Trevas.

E me parece que é hora, de tentar buscar alguma coisa de esperança, para nós e para quem virá. é certo que o mundo é sombrio: tenho 34 anos e não consigo em lembrar nenhum ano que as coisas foram 100% tranquilas, sem preocupações ou perigos nas redondezas. A terra em que cresci, Belém do Pará, não é famosa por sua segurança ou justiça social: ao contrário, muitas coisas ruins aconteceram ali, como acontecem em todo mundo, de fato. Mas eu cresci, e não sou somente desesperança: também sou sonhos, amor, vontade de ver um futuro bacana. E grande parte dessas esperanças vieram da leitura - e como eu lia (e leio) muitos quadrinhos, veio dali também.

Mas não nos limitemos a esse meio: que venham livros, filmes, músicas, que nos ajudem a sonhar um pouco mais. É certo que o mundo está acabando: pelo menos o nosso mundo está. Mas, se houverem humanos neste próximo que chegará em 50, 100 anos, que deixemos algum legado além da dor e das sombras: que escrevamos histórias onde vemos as estrelas além do nosso céu, onde vencemos o inimigo invencível, onde a vitória traz o fim do sofrimento. Não podemos legar só horror para nossos filhos, porque não foi só isso que nos foi passado: há que passar também a esperança para eles cirarem dias melhores para si, quando sua hora chegar. 



segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Pedestre Indiscreto


Nesse fim de semana alguns amigos meus vieram por aqui em Sampa, e foi acionado aquele velho botão que temos em nossa mente: o do turista deslumbrado. Caminhamos eu, Genival (meu amigo de longa data), Tayná (sua futura esposa), e Aline pela Pauliceia Desvairada, e fomos mostrando alguns pontos clássicos da minha cidade adotada: a Pinacoteca, a Estação da Luz, Conjunto Nacional, etc. Nem sempre deu certo , alguns lugares estavam fechados, mas o passeio foi proveitoso, e hoveram promessas de retorno para ver mais, então vejamos os próximos capítulos.

Mas o que eu queria falar aqui é que, com o botão de turista ativado, ficamos sempre um pouco mais observadores, ou pelo menos eu fico. E caminhando pelas ruas, tanto passeando quando voltado para casa, não pude deixar de olhar as coisas e incutir num velho jogo que carrego comigo a muito tempo: o de imaginar o que fazem as pessoas que moram em cada prédio, em cada vizinhança que passávamos. 

É este um jogo muito antigo em minha vida: lembro de fazer isso desde criança, na cada vez mais distante (de minha vida) Belém do Pará. Eu sempre tive fascínio nisso, em saber como as pessoas pensam, como reagem às coisas da vida... me parecia (e me parece ainda), que ao vermos a frente da casa ou uma parte do apartamento desse estranho, podemos saber um pouco mais da vida dela. De como esse indivíduo é, o que pensa. 

Bônus se for pela noite, e você vê apenas a luz acesa do apartamento ao longe: a mente voa, as hipóteses aumentam quase sem controle. Será que é um solitário esperando a noite passar? Será alguém trabalhando noite adentro, tentando cumprir um prazo que não conseguiu antes? Será apenas, como eu, um noctívago, que gosta da tranquilidade das madrugadas para poder pensar e entender melhor o dia que acabou de passar?

Nunca saberei, e isso é parte do jogo: essa incerteza. Penso que talvez seja esse o tempero da vida, o verdadeiro "botão" de turismo que falei no começo: olhar as coisas com o olhar perdido, e encontrar a poesia do dia-a-dia a muito esquecida. 



quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Future Nostalgia


Quando eu era criança, pelos domingos, meu pai preparava um martini com azeitonas (na época, eu detestava azeitonas, como toda criança), ajeitava sua cadeira e os jornais de domingo para ler, e punha um cd de mpb ou jazz para tocar enquanto líamos os jornais. Era algo meio sagrado, esse ritual. Eu e meu pai  lendo os jornais, enquanto minha mãe estava vendo TV ou talvez preparando o almoço, e meus irmãos brincavam ou faziam alguma tarefa escolar do dia seguinte. Hoje eu olho e penso em tantas cenas erradas que tinham esse ponto de começo; mas naquela época aquele me parecia o ápice de uma vida adulta, da calmaria de ser adulto e ter controle das coisas. 

É claro que isso era tudo uma ilusão: meu pai provavelmente estava lendo o jornal e pensando em como diabos iria pagar alguma conta atrasada, bebia seu martini talvez para desgustar um pouco de tranquilidade antes da segunda vir e estourar seu oásis de paz. Mas a verdade é que eu olhava isso tudo e pensava: Deus, quando eu for adulto, eu queria muito ser assim, ter essa certeza da vida, bebericar meu martini, ler o jornal. 

Hoje tenho 34 anos, odeio martini (embora eu tenha adquirido um gosto por azeitonas), e não tenho o menor interesse em ler o jornal de Domingo, prefiro ler os portais de notícias e ir buscando aprofundamentos em algum assunto que eu queria saber mais na internet. Também não tenho a segurança que imaginei que teria aos trinta e poucos, mas creio que nem meu pai tinha a mesma segurança, então já fiz as pazes com essa "falha" minha a algum tempo. 

Ainda assim, sempre tem algo, uma música (MPBs e Jazzes da vida), um cheiro (de jornal novo), uma temperatura específica ( aquele momento do dia que não está em frio, nem quente, equilíbrio perfeito), que me levam de volta para aqueles domingos, quando eu acreditava que era possível domar o mundo tal qual se doma um animal selvagem. Nessas horas, nesses momentos, eu sinto saudade do futuro que eu tinha visto, esse de segurança, e domínio de mim mesmo. 

Às vezes, sentimos saudade do futuro que nem veio, e nem poderia vir. 


quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: (Im)Previsões


Escrevo à noite. Pela tarde, choveu muito, então o ar está um pouco frio por agora, embora não tanto quanto eu gostaria; de qualquer forma é um tempo incomum para o verão paulista, me disseram. Aparentemente, antigamente era bem mais quente, mesmo pela noite; e as chuvas que vinham era rápidas e intensas, mas não tão repetidas como tem sido, desde dezembro passado. 

Não saberia dizer se essa visão, do tempo estar diferente, está certa ou errada, eterno neófito que sou em Sampa; mas é verdade que o tempo anda esquisito no mundo, e não falo só de chuva ou sol. Já fazem alguns anos que as coisas não andam as mesmas, não lhes parece? Há cheiro de mudança no ar, e antes que os mais otimistas pulem de alegria e pensem o melhor, deixe-me dizer que mudanças podem ser boas ou ruins: depende muito do que se está mudando, para que lado se está seguindo exatamente.

Dizem que essa mudança toda foi o que atraiu o velho fedor dos extremismos e (neo?)fascismos que assombram o mundo hoje em dia. Não é uma ideia de todo estranha: quando forçado a observar algo novo surgindo em sua vida, o ser humano tem uma tendência notável a se apegar com crenças e costumes do passado, quanto mais não seja para sentir-se mais seguro, como quando da época que essas crenças existiam. Não importa o quão odiosa ou retrógrada uma crença seja, desde que ela dê ao indivíduo o que ele mais deseja: segurança contra o mundo que ele sente lhe ofender. 

Também dizem que as coisas vão melhorar, com absoluta certeza; que não se tem mais espaço para velhas crenças, que isso que passamos agora é um respiro final desses velhos tempos. Que o futuro será iluminado pelas liberdades de ser e estar. 

Eu sou historiador de formação. Não acredito muito nesse último argumento; O que vejo na história são espirais de repetição, a velha coisa da tragédia e farsa sempre se repetindo ao longo de nossa triste saga na Terra. Mas algo em mim quer crer no fim de tanta desilusão, tanta tragédia desnecessária. Algo em mim quer crer que iremos ficar melhor depois disso. 

Talvez eu esteja só ficando velho mesmo.