quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Future Nostalgia


Quando eu era criança, pelos domingos, meu pai preparava um martini com azeitonas (na época, eu detestava azeitonas, como toda criança), ajeitava sua cadeira e os jornais de domingo para ler, e punha um cd de mpb ou jazz para tocar enquanto líamos os jornais. Era algo meio sagrado, esse ritual. Eu e meu pai  lendo os jornais, enquanto minha mãe estava vendo TV ou talvez preparando o almoço, e meus irmãos brincavam ou faziam alguma tarefa escolar do dia seguinte. Hoje eu olho e penso em tantas cenas erradas que tinham esse ponto de começo; mas naquela época aquele me parecia o ápice de uma vida adulta, da calmaria de ser adulto e ter controle das coisas. 

É claro que isso era tudo uma ilusão: meu pai provavelmente estava lendo o jornal e pensando em como diabos iria pagar alguma conta atrasada, bebia seu martini talvez para desgustar um pouco de tranquilidade antes da segunda vir e estourar seu oásis de paz. Mas a verdade é que eu olhava isso tudo e pensava: Deus, quando eu for adulto, eu queria muito ser assim, ter essa certeza da vida, bebericar meu martini, ler o jornal. 

Hoje tenho 34 anos, odeio martini (embora eu tenha adquirido um gosto por azeitonas), e não tenho o menor interesse em ler o jornal de Domingo, prefiro ler os portais de notícias e ir buscando aprofundamentos em algum assunto que eu queria saber mais na internet. Também não tenho a segurança que imaginei que teria aos trinta e poucos, mas creio que nem meu pai tinha a mesma segurança, então já fiz as pazes com essa "falha" minha a algum tempo. 

Ainda assim, sempre tem algo, uma música (MPBs e Jazzes da vida), um cheiro (de jornal novo), uma temperatura específica ( aquele momento do dia que não está em frio, nem quente, equilíbrio perfeito), que me levam de volta para aqueles domingos, quando eu acreditava que era possível domar o mundo tal qual se doma um animal selvagem. Nessas horas, nesses momentos, eu sinto saudade do futuro que eu tinha visto, esse de segurança, e domínio de mim mesmo. 

Às vezes, sentimos saudade do futuro que nem veio, e nem poderia vir. 


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