quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Crônicas do novo normal: Duas histórias de Luto


Tenho pensando muito, nesses dias, sobre a perda. Aquele momento inevitável que ocorrerá na vida de todos, em algum momento, seja de um familiar, de um amigo, ou mesmo de uma pessoa que você admirava e simpatizava mesmo, por que não? Perda é perda, e os simbolismos que ocorrem são os mesmos, creio eu, embora talvez em uma intensidade menor. 

A cabeça que uma pessoa tem, quando está sentindo a perda, é algo inescrutável, posto que cada um age de uma maneira específica. É por isso que é tão cruel julgar como reagem parentes e amigos num funeral, não sabemos como está a cabeça deles, não realmente. Existem formas e formas de se lidar com a dor. 

Um exemplo: Lembro quando houve o funeral da minha avó paterna, tantos anos atrás. Enterramos ela por baixo de uma chuva forte, um clichê que ajuda muito a entender o momento grave da situação, acredite. Voltamos correndo para nos abrigar sob uma espécie de pergolado que ficava ali no cemitério. Quase que como um código, chegamos ali, e os parentes começaram a contar piadas e histórias engraçadas sobre a minha avó, sobre a vida dela. Eu lembro disso tão claramente, porque me pareceu uma espécie de desrespeito à memória dela. 

Seis meses depois, meu tio, irmão de meu pai, falecia também. Como que por rima (mais que por razão), também chovia muito naquele dia; ajudei a carregar o  caixão nas duas ocasiões, então lembro bem da sensação de andar com o pé enterrando na lama tenebrosa do cemitério, o mesmo para os dois entes queridos. Também naquele dia corremos para o pergolado, também naquele dia começaram as piadas e histórias engraçadas sobre ele, meu tio. Só seis meses tinham se passado, mas eu entendia melhor naquele dia: Era a forma deles celebrarem a memória, não um desrespeito. Aquelas pessoas não conseguiam enfrentar a dor, sem o escudo do humor. 

Agora, que estamos cercados de morte por todos os lados (mais que o normal, diga-se, em um país que a morte surge pela manhã em nossa TV, como se fosse parte de um desjejum macabro), é bem claro para mim que o Brasil está em Luto. E talvez estejamos buscando, também, uma forma de lidar com ele, pelo riso ou pela dor. 

Sei bem que passamos por fases de tentar esconder e seguir em frente (um clássico do Brasil), mas agora, perto do fim do ano, talvez seja a hora de buscarmos entender essa dor, essas perdas, e decidir o que fazer com elas na cabeça. 

Talvez escrever uma crônica?

domingo, 21 de novembro de 2021

Crônicas do Novo Normal: Amores e Cegos



Esses dias eu vi mais uma série bosta de Netflix, esta chamada "Casamento às Cegas". Tornou-se, penso eu, um tipo de esporte entre as pessoas que saem pouco de casa e enfrentam essa pandemia interminável, buscar séries lixo que você possa apenas assistir e não refletir tanto, não pensar nos milhões de mortos, na inflação galopante, no desemprego batendo às portas. 

Apesar disso, não consigo realmente ficar sem pensar em alguma coisa, deve ser mal de estudante de Humanas. Então eu via a série e me assustava, porque ali em plena netflix, eu via uma série de pessoas entregues a um experimento completamente insano, pondo em jogo sua própria saúde emocional, Só por um pouco de companhia. Uma aposta alta, baseada em falsidades, para uma conquista vã. 

É fácil pensar nessas pessoas como estúpidas (deus sabe que eu fiz isso), mas se a gente pensar bem, quanto de nós mesmos não está ali? Esse desespero, essa fome por afeto, carinho, companhia? Eu fico pensando muito nisso. Quando mudei para São Paulo, eu passei muito por isso, e suspeito que muitas pessoas que vagam por essas terras passaram e ainda passam por isso. Não é a toa que Roberto Pompeu de Toledo chamou São Paulo da "Capital da Solidão", e que Criolo cantou destas terras: "Não Existe Amor em SP". É uma cidade cruel às vezes, esmagadora sempre, ainda mais com quem acabou de chegar e não conhece ninguém. 

Mas será que é só Sampa mesmo que é assim? Vendo esse programa, e pensando na vida, fico imaginando que o mundo em si é assim agora, lugares cheios de almas tão vazias, citando novamente Criolo. Que menos que amor, o que a maioria tem em seu peito é angústia, e quando duas pessoas se juntam em suas angústias e terrores, acham companhia, e confundem isso com amor. 

Ou será que isso foi o amor mesmo, desde sempre, e eu que não sabia identificar? 

Fica a dúvida. 


quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Crônicas do novo normal: Buscas


Quando eu era criança, eu queria ser detetive particular. Não sei dizer se é um sonho comum entre os pequenos; no meu caso, eu comecei com isso porque tinha lido muito Sherlock Holmes e Miss Marple (minha personagem favorita de Agatha Christie), e achei que era algo que eu gostaria de fazer da vida, resolver mistérios, ajudar pessoas. 

Cresci um pouco mais, e então decidi tornar-me historiador, após um flerte rápido em talvez jornalismo (que meu pai, ele próprio um jornalista aposentado, rapidamente terminou com umas boas doses de realismo sobre a carreira). Já naquela época, antes de até mesmo considerar fazer os processos seletivos da faculdade, eu não tinha ilusões: sabia que meu futuro seria ser professor. Mas achei que em história, eu saberia entender um pouco mais do que estava querendo entender. Eu ia conseguir encontrar a chave do que quer que eu estivesse tanto querendo saber. 

Me formei, fiz especialização em arqueologia, vim para São Paulo para o mestrado em imigração japonesa... e ainda nada do resultado da busca. Para sobreviver, comecei a dar aulas de inglês - algo que, de fato, eu sempre quis fazer. E veja a surpresa, comecei a conhecer muito das pessoas. Um professor de línguas deve mais ouvir que falar, e nesse meio, ele acaba ouvindo confissões, desabafos, rotinas de seus alunos. O professor acaba virando essa figura mista, confessor/terapeuta/mestre. 

Mais que isso, ao dar a aula de inglês, e conversar com as pessoas, eu comecei e entender o sentido da minha busca. Não a resposta para ela, veja bem: porque, por vezes, é mais fácil sentir a resposta para sua pergunta que efetivamente tê-la em palavras. Mas posso dizer que meus alunos, que eu ensinei e ensino todos os dias, me ajudaram a entender melhor parte de mim, e com isso, me ajudaram a chegar mais perto do que eu buscava, a verdade que eu queria, e quero, saber.

E no fim, as pesquisas, os estudos, as aulas que dou e recebo, me deixaram mais perto desta verdade. E eu nem ao menos sei dizer qual é ela, mesmo depois de tantos anos. Acho que possivelmente será uma busca eterna, uma cenoura que impulsiona este cavalo cansado a caminhar e caminhar. 

E enquanto não chego ao meu destino final, vou buscando verdades, e conhecendo pessoas.