segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Crônicas do Novo Mundo: Des-Integração


Acontece com todo mundo, é claro. Quando você confunde sensações com profundidade, quero dizer; um prato cheio para mentes de todos os tempos se perderem, consciente ou inconscientemente. O indivíduo não consegue suportar a claridade de sua solidão quando está parado, então resolve sufocá-la com sensações, quaisquer que sejam. Porque tendemos a pensar que os vícios são só com coisas "positivas", prazerosas, mas a verdade é que a miséria em si pode ser tão viciante quanto: quanto mais não seja, pelo menos é um caminho conhecido, familiar. 

Quando me mudei para São Paulo, pude ter essa experiência de primeira mão. Isso foi em 2015, e eu morava em um kitnet ali pela zona oeste, próximo da entrada da USP pela Vila Indiana, para quem conhece. Esse espaço, como se pode imaginar, era simplesmente um lugar pra se deitar e se acordar. 12 metros quadrados, malmente uma cozinha um banheiro surpreendentemente grande: eis o meu reino. Com um lugar assim, é claro que a maior parte da minha vida era passada fora dali, mesmo os estudos para o mestrado que eu estava cursando;  assim, comecei a explorar bem a cidade de São Paulo, para o bem e para o mal. 

Assim, frequentei bares, fui em casas de pessoas questionáveis na zona leste, andei semi-bêbado pelas ruas do Butantã de madrugada. Também conheci pessoas, e junto com elas tentei apagar algo na minha cabeça que eu não conseguia descrever o que era. Enganei algumas dessas pessoas também, fingindo ser alguém que eu não era; tudo para não parar pra pensar, no que era aquilo, no que estava piscando em flashes na minha mente. 

E no fim da noite/dia, eu voltava para o kitnet, deitava na cama, e lá estava ela, me esperando fiel: a depressão. 

Longe estão esses dias: hoje eu me sinto muito mais feliz e com uma parceira que me ajuda a superar meus piores vícios, e que me dá forças para cuidar da minha saúde mental. Contudo, eu estaria mentindo se não dissesse que, esquecendo a lição da vida e das sessões de terapia, eu ás vezes tento evitar confrontar minha tristeza, mascarando-a com algo: jogos, música, filmes, comida. São deslizes momentâneos, e com certeza bem diferentes dos dias de 2015, mas o que importa é menos o que eles são e mais por que eles são. Como eu disse ali em cima, a miséria pode ser viciante, e ninguém melhor que um deprimido sabe dizer o quanto é fácil se deixar levar, se deixar esvair. 

Escrevi isso pensando nas muitas pessoas desse nosso país-mundo, que correm afoitas a idolatrar a lascívia, a agressividade, o devorar o mundo com uma só bocada, o ódio aos que lhes parecem diferentes - e portanto inimigos. Me pergunto quais são as verdades das quais essas pessoas estão fugindo, e por que. Me pergunto se em algum momento elas sequer perceberam que poderia sim, haver um problema em um posicionamento tão exagerado. 

Me pergunto quem vai ser o terapeuta desse país inteiro. 

Um comentário:

  1. Quando eu estive com depressão notei esse mesmo fato, ás vezes sentia gosto em estar naquela miséria, me sentia um animal imundo, podre, coisas que um animal assim nasceu pra fazer. Mas sem dúvidas essa sensação derradeira de autosabotagem que aparecia não compensa o fato de que estar bem é melhor pra cacete.

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