segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Pedestre Indiscreto


Nesse fim de semana alguns amigos meus vieram por aqui em Sampa, e foi acionado aquele velho botão que temos em nossa mente: o do turista deslumbrado. Caminhamos eu, Genival (meu amigo de longa data), Tayná (sua futura esposa), e Aline pela Pauliceia Desvairada, e fomos mostrando alguns pontos clássicos da minha cidade adotada: a Pinacoteca, a Estação da Luz, Conjunto Nacional, etc. Nem sempre deu certo , alguns lugares estavam fechados, mas o passeio foi proveitoso, e hoveram promessas de retorno para ver mais, então vejamos os próximos capítulos.

Mas o que eu queria falar aqui é que, com o botão de turista ativado, ficamos sempre um pouco mais observadores, ou pelo menos eu fico. E caminhando pelas ruas, tanto passeando quando voltado para casa, não pude deixar de olhar as coisas e incutir num velho jogo que carrego comigo a muito tempo: o de imaginar o que fazem as pessoas que moram em cada prédio, em cada vizinhança que passávamos. 

É este um jogo muito antigo em minha vida: lembro de fazer isso desde criança, na cada vez mais distante (de minha vida) Belém do Pará. Eu sempre tive fascínio nisso, em saber como as pessoas pensam, como reagem às coisas da vida... me parecia (e me parece ainda), que ao vermos a frente da casa ou uma parte do apartamento desse estranho, podemos saber um pouco mais da vida dela. De como esse indivíduo é, o que pensa. 

Bônus se for pela noite, e você vê apenas a luz acesa do apartamento ao longe: a mente voa, as hipóteses aumentam quase sem controle. Será que é um solitário esperando a noite passar? Será alguém trabalhando noite adentro, tentando cumprir um prazo que não conseguiu antes? Será apenas, como eu, um noctívago, que gosta da tranquilidade das madrugadas para poder pensar e entender melhor o dia que acabou de passar?

Nunca saberei, e isso é parte do jogo: essa incerteza. Penso que talvez seja esse o tempero da vida, o verdadeiro "botão" de turismo que falei no começo: olhar as coisas com o olhar perdido, e encontrar a poesia do dia-a-dia a muito esquecida. 



quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: Future Nostalgia


Quando eu era criança, pelos domingos, meu pai preparava um martini com azeitonas (na época, eu detestava azeitonas, como toda criança), ajeitava sua cadeira e os jornais de domingo para ler, e punha um cd de mpb ou jazz para tocar enquanto líamos os jornais. Era algo meio sagrado, esse ritual. Eu e meu pai  lendo os jornais, enquanto minha mãe estava vendo TV ou talvez preparando o almoço, e meus irmãos brincavam ou faziam alguma tarefa escolar do dia seguinte. Hoje eu olho e penso em tantas cenas erradas que tinham esse ponto de começo; mas naquela época aquele me parecia o ápice de uma vida adulta, da calmaria de ser adulto e ter controle das coisas. 

É claro que isso era tudo uma ilusão: meu pai provavelmente estava lendo o jornal e pensando em como diabos iria pagar alguma conta atrasada, bebia seu martini talvez para desgustar um pouco de tranquilidade antes da segunda vir e estourar seu oásis de paz. Mas a verdade é que eu olhava isso tudo e pensava: Deus, quando eu for adulto, eu queria muito ser assim, ter essa certeza da vida, bebericar meu martini, ler o jornal. 

Hoje tenho 34 anos, odeio martini (embora eu tenha adquirido um gosto por azeitonas), e não tenho o menor interesse em ler o jornal de Domingo, prefiro ler os portais de notícias e ir buscando aprofundamentos em algum assunto que eu queria saber mais na internet. Também não tenho a segurança que imaginei que teria aos trinta e poucos, mas creio que nem meu pai tinha a mesma segurança, então já fiz as pazes com essa "falha" minha a algum tempo. 

Ainda assim, sempre tem algo, uma música (MPBs e Jazzes da vida), um cheiro (de jornal novo), uma temperatura específica ( aquele momento do dia que não está em frio, nem quente, equilíbrio perfeito), que me levam de volta para aqueles domingos, quando eu acreditava que era possível domar o mundo tal qual se doma um animal selvagem. Nessas horas, nesses momentos, eu sinto saudade do futuro que eu tinha visto, esse de segurança, e domínio de mim mesmo. 

Às vezes, sentimos saudade do futuro que nem veio, e nem poderia vir. 


quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Crônicas do Ano do Tigre: (Im)Previsões


Escrevo à noite. Pela tarde, choveu muito, então o ar está um pouco frio por agora, embora não tanto quanto eu gostaria; de qualquer forma é um tempo incomum para o verão paulista, me disseram. Aparentemente, antigamente era bem mais quente, mesmo pela noite; e as chuvas que vinham era rápidas e intensas, mas não tão repetidas como tem sido, desde dezembro passado. 

Não saberia dizer se essa visão, do tempo estar diferente, está certa ou errada, eterno neófito que sou em Sampa; mas é verdade que o tempo anda esquisito no mundo, e não falo só de chuva ou sol. Já fazem alguns anos que as coisas não andam as mesmas, não lhes parece? Há cheiro de mudança no ar, e antes que os mais otimistas pulem de alegria e pensem o melhor, deixe-me dizer que mudanças podem ser boas ou ruins: depende muito do que se está mudando, para que lado se está seguindo exatamente.

Dizem que essa mudança toda foi o que atraiu o velho fedor dos extremismos e (neo?)fascismos que assombram o mundo hoje em dia. Não é uma ideia de todo estranha: quando forçado a observar algo novo surgindo em sua vida, o ser humano tem uma tendência notável a se apegar com crenças e costumes do passado, quanto mais não seja para sentir-se mais seguro, como quando da época que essas crenças existiam. Não importa o quão odiosa ou retrógrada uma crença seja, desde que ela dê ao indivíduo o que ele mais deseja: segurança contra o mundo que ele sente lhe ofender. 

Também dizem que as coisas vão melhorar, com absoluta certeza; que não se tem mais espaço para velhas crenças, que isso que passamos agora é um respiro final desses velhos tempos. Que o futuro será iluminado pelas liberdades de ser e estar. 

Eu sou historiador de formação. Não acredito muito nesse último argumento; O que vejo na história são espirais de repetição, a velha coisa da tragédia e farsa sempre se repetindo ao longo de nossa triste saga na Terra. Mas algo em mim quer crer no fim de tanta desilusão, tanta tragédia desnecessária. Algo em mim quer crer que iremos ficar melhor depois disso. 

Talvez eu esteja só ficando velho mesmo.