domingo, 13 de setembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Anger

Artista: Luke Ross

 Eu tenho um problema complicado. Chama-se raiva. Creio que talvez muitos de meus tempos e minha geração também tenham esse problema, embora eles não saibam muito bem que o tem. Trata-se, afinal, de uma questão surpreendentemente  discreta, algo que não associamos necessariamente com esta emoção tão aberta, tão crua, em tese. 

Mas a raiva pode ser perfidiosa também, pois na verdade é uma emoção que somos forçados a conter. Exceto em casos considerados "normal" ter raiva, não se tem uma boa visão dos que se deixam cair nessa emoção - ou ao menos não se tem uma boa visão destes como civilizados. E no entanto... o que é civilização? Pela visão de quem? Mas divago, divago. 

A mais explosiva das emoções pode vir das coisas mais simples, e das mais complicadas, mas sempre se pede que você a segure, a reprima, para poder seguir o dia e trabalhar. Como, aliás, se pede para que façamos com todas as emoções...  vivemos em uma era de repressão, exceto quando estas emoções sirvam algo nefasto, como o preconceito, ou a intolerância. O amor (independente de gênero ou raça), a sensibilidade... todas estas coisas, que poderiam nos ajudar a abrir a mente para um mundo mais forte e justo, são ignoradas, esquecidas, desvalorizadas.   

Mas a Ira bíblica, essa coisa nociva no peito, essa é a emoção mais capturada por almas nefastas como algo nobre a se sentir, o que embora seja tentador, também é um erro. Porque entende-se a raiva como poder, como criador de uma espécia de força interna que vai lhe dar a justa libertação, a ira sagrada que tudo perdoa após as transformações. E não é bem assim, não é mesmo? Muitas vezes, a raiva é a abertura de todas suas feridas passadas e presentes, ao mesmo tempo, sangrando no peito incontrolavelmente, e os berros de raiva são, em verdade, gritos de uma dor nunca sentida direito. 

Pois que seja aberta a temporada de sentimentos expostos. Que curemos nossos peitos, sem idealizações, mas com responsabilidade para com os outros. Que não deixemos nossa raiva nos dominar, nem deixemos que outros nos digam que as pessoas merecem o impacto dela. Temos afinal, o direito de estar irritados, mas não de sermos crueis. 



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