domingo, 27 de setembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Audiogift


Hoje, do nada, me peguei pensando em  aniversários, encontros, e presentes. Estes existem  de suas mais diversas formas, alguns excelentes, outros medíocres. Lembro sempre de talvez um dos melhores presentes que ganhei de natal, um singelo nintendinho, comprado, pelo que me lembro, pela minha tia Alessandra. Naquela época, eu sofria de asma alérgica afetada pela emoção ("asma curiosa", meu irmão costumava dizer), então a visão deste videogame foi algo que, não preciso dizer, tirou meu fôlego em mais de um sentido. Isso, em um momento que já haviam Playstations e afins, mas o que valia era ter o meu próprio aparelho de jogos, e passar os dias jogando Mario e afins. Não sei se ela sabe, mas esse foi um presente que ficou em minha mente até hoje, tantos anos passados. 

Em contrapartida, lembro-me muito bem também do dia que vi minha mãe ganhar uma toalha num amigo invisível da vida. Isso deve ser enquadrado de maneira correta: Ela buscou para seu amigo invisível um presente em particular que lhe custou não dinheiro, mas tempo, algo ainda mais valioso, se pensarmos bem. Lembro dela buscando pela cidade o presente especifico , e lembro também da decepção que ela teve ao receber um presente, francamente, medíocre de seu amigo invisível. Não raiva: decepção mesmo, tristeza, pois o Natal deveria ser o momento que damos presentes com vontade, com o coração, e não por uma reles imposição cultural. 

Eu falo de presentes, porque eu creio que na verdade ( e apesar de ser um homem que tem aprendido a curtir bastante o Natal), é possível ganharmos algo todos os dias, da maneira mais inusitada possível, e  talvez até sem o planejamento da pessoa para isso. Quantos dias já foram ganhos, porque uma determinada pessoa elogiou, digamos, o seu cabelo? Evidentemente, há também os presentes ruins: quantos dias não foram arruinados por uma frase que em nada melhorou o silêncio? Estes são pacotes que recebemos e jogamos fora, rumo ao infinito, longe do nosso caminhar. 

Mas falando de coisas positivas, eu tenho para mim que o melhor mimo é o musical. No caminhar desta estrada da vida, turbulenta e emocionante, já tive o prazer de receber muitos regalos musicais de amigos, colegas, e mesmo conhecidos simpáticos da rua. Não esqueço, por exemplo, quando minha eterna chefa e grande amiga Kélem me deu de presente a banda Cake, tocando uma música deles no rádio de seu carro e, sem saber, apresentando para mim a trilha sonora de muitos pontos altos e baixos da minha vida. Ou como esquecer os bregas rasgados de meu vizinho Zilomar, que acabaram por se tornar o cenário musical de minha infância e adolescência? Isso tudo sem saber, claro: mas ainda assim, impactantes igualmente. 

Quantas pessoas não marcamos assim também, desta forma discreta e forte, e nem percebemos? 



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: The Suffering


Confissão: apesar de ser amazônida, eu odeio o calor com uma paixão reservada somente aos piores inimigos que se tem nessa vida. Se bem que, se pensarmos com carinho, ele É um grande inimigo na minha vida, visto que basta ele chegar que os sintomas característicos de coceira pelo corpo, espirros aleatórios em horas inconvenientes, e uma certa falta de ar proveniente de uma asma que rejeita firmemente mudanças bruscas de temperatura. Com todos esses pontos positivos, não é de se admirar que este seu razoável escriba esteja um pouco mal-humorado com estes dias tão quentes. 

Mas é algo interessante de se pensar, que a própria sensação de calor já me deixa em um estado de irritação tamanho que é necessário um controle intenso já na hora de acordar - se não houver um ventilador forte em cima de mim, garantindo um frescor básico. E como eu disse, muitos se surpreendem com isso, pois venho de uma cidade quente - a boa terrinha de Belém do Pará - e entende-se que esta sensação é uma coisa que eu já deveria ter, pelo menos, acostumado minha pele à sofrer. No entanto, nada pode ser mais longe da verdade. 

Penso nisso, não só porque aparentemente os dias cálidos chegaram em São Paulo (ontem tivemos a duvidosa honra de ter sofrido o dia mais quente do ano), como também porque estas ideias que as pessoas tem a respeito do se acostumar com o sofrimento é algo muito curioso. Dor cria caráter, eles dizem: Mas que tipo de caráter é formado, ninguém fala. 

Posso falar só especificamente do Brasil, mas é fato que há um fascínio com a dor aqui, e em como ela constrói seu caráter. Forjados no fogo, estaríamos prontos para tudo com o que o mundo viesse a nos ameaçar. Uma ideia tola, evidentemente, mas muito forte principalmente entre os homens desse país: quantos "campeonatos de derrota" eu já não fiz com alguns amigos de escola e de trabalho, onde contávamos a desventura de vida daquele momento, e ouvíamos a resposta de uma coisa ainda pior que teria acontecido com o amigo? Eis algo para pensar. 



sábado, 19 de setembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: O que há em um nome?


Nomes curiosos são comuns por este país de Madinusas e Waldisneys, mas e lugares com nomes bizarros? Essas também temos, e em borbotões. Recentemente li um post do grande poeta Juraci Siqueira, onde ele fala de uma localidade da minha terra natal, chamado Mosqueiro. Um nome peculiar, de fato, que tem suas origens um tanto nebulosas: uns dizem ser provindo de nome de uma prática indígena, outros dizem que tem mais a ver com a quantidade de moscas que sobrevoavam as entranhas de peixe jogados ao relento pelos pescadores locais. 

Estou inclinado a acreditar nessa segunda versão, pois já tive a experiência de ir almoçar ao ar livre neste distrito, e é realmente uma luta para não se engolir um inseto. Não que eu esteja reclamando, o peixe estava fenomenal. Ademais, já comi com iguanas montados em árvores defecando no meu chapéu de quase-arqueólogo, então moscas para mim não são tão  danosas quanto se pensaria. 

Isso tudo me fez pensar em tantos lugares pelos quais já passei, tantas coisas que já vivi. Em um dado momento da minha vida, anos atrás, fui membro de uma espécie de comissão para alfabetização de adultos, organizada pela Secretaria de Educação do Pará - SEDUC. Foi uma coisa ímpar de se participar, quanto mais não seja pela absoluta atmosfera de desconfiança e abusos ocorrendo a  olhos vistos; mas isso é uma história para outra crônica. 

O que me fez lembrar deste momento, foi a quantidade de nomes interessantes que vi surgirem em minha frente, alguns com origens decididamente indígenas (Igarapé-Açu, Xinguara, Tucuruí...), outros com um pezinho nas terras lusitanas colonizadoras ( Bragança, Benevides, Santarém...), e até mesmo nomes bastante inusitados (Curralinho, Capitão Poço, Garrafão do Norte...). 

Tantos nomes interessantes, e fico pensando: como eles nasceram? O que levou uma pessoa a pensar estes nomes? Assim como o nome de crianças, o nome dos lugares é carregado de uma história (por pífia que seja), e eu me pego, por vezes, pensando nos rumos de um grupo de desbravadores que resolveram, após uma longa reunião, chamar um lugar de, por exemplo, "Botas de Judas". Ah, ser uma mosquinha viajante no tempo, e ver esta reunião curiosa!




domingo, 13 de setembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Anger

Artista: Luke Ross

 Eu tenho um problema complicado. Chama-se raiva. Creio que talvez muitos de meus tempos e minha geração também tenham esse problema, embora eles não saibam muito bem que o tem. Trata-se, afinal, de uma questão surpreendentemente  discreta, algo que não associamos necessariamente com esta emoção tão aberta, tão crua, em tese. 

Mas a raiva pode ser perfidiosa também, pois na verdade é uma emoção que somos forçados a conter. Exceto em casos considerados "normal" ter raiva, não se tem uma boa visão dos que se deixam cair nessa emoção - ou ao menos não se tem uma boa visão destes como civilizados. E no entanto... o que é civilização? Pela visão de quem? Mas divago, divago. 

A mais explosiva das emoções pode vir das coisas mais simples, e das mais complicadas, mas sempre se pede que você a segure, a reprima, para poder seguir o dia e trabalhar. Como, aliás, se pede para que façamos com todas as emoções...  vivemos em uma era de repressão, exceto quando estas emoções sirvam algo nefasto, como o preconceito, ou a intolerância. O amor (independente de gênero ou raça), a sensibilidade... todas estas coisas, que poderiam nos ajudar a abrir a mente para um mundo mais forte e justo, são ignoradas, esquecidas, desvalorizadas.   

Mas a Ira bíblica, essa coisa nociva no peito, essa é a emoção mais capturada por almas nefastas como algo nobre a se sentir, o que embora seja tentador, também é um erro. Porque entende-se a raiva como poder, como criador de uma espécia de força interna que vai lhe dar a justa libertação, a ira sagrada que tudo perdoa após as transformações. E não é bem assim, não é mesmo? Muitas vezes, a raiva é a abertura de todas suas feridas passadas e presentes, ao mesmo tempo, sangrando no peito incontrolavelmente, e os berros de raiva são, em verdade, gritos de uma dor nunca sentida direito. 

Pois que seja aberta a temporada de sentimentos expostos. Que curemos nossos peitos, sem idealizações, mas com responsabilidade para com os outros. Que não deixemos nossa raiva nos dominar, nem deixemos que outros nos digam que as pessoas merecem o impacto dela. Temos afinal, o direito de estar irritados, mas não de sermos crueis. 



domingo, 6 de setembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Os Bons Corvos da Tempestade


 

O mundo é um lugar muito esquisito, é o que eu sempre digo à minha esposa e também aos espiritinhos que queiram adentrar neste plano. Muito do que é  certo, pode ser considerado errado só pelo  bel-prazer de uma situação política, e o contrário também é verdade; de fato, hoje em dia parece que mais do que nunca o errado é que tem sido considerado o certo, numa reversão perversa de fatos e dados. 

Vejamos por exemplo o caso do COVID-19, a peste que mais assola nosso mundo, depois da estupidez galopante (que parece matar tanto quanto o Corona). Desde o começo, a batalha contra a doença parece envolver tanto a busca da cura, quanto lutar para as pessoas seguirem instruções tão simples quanto usar uma máscara.  Por vezes, parece que se está pedindo para eles lhe darem um dinheiro, ou um rim. A teimosia é galopante, e pior ainda fica com o manto de "luta pela liberdade", pela liberdade de ficar doente e de passar a doença para outros. Pura estupidez. 

Pior ainda as coisas ficam, quando as pessoas passam a perseguir quem lhes dá a situação real que as cerca. Isso, de fato, nem novidade é: a velha tática de se culpar o mensageiro. Ninguém gosta de notícias ruins, é óbvio; assim, as pessoas que se prestam a informar das possibilidades nem tão boas que possam vir a acontecer são xingadas, espezinhadas, vilipendiadas. Hoje em dia, porém, isso ficou mais comum que antes; não se pode considerar, por exemplo, os ricos de uma vacina russa não testada apropriadamente, que já se é considerado um torcedor do COVID. Não se pode querer planejar para o pior buraco econômico possível que pode vir a acontecer, que já se tem um estigma de "agoureiro". 

Sou totalmente a favor de termos otimismo, e buscarmos o que há de melhor nestes tempos tão difíceis. Mas otimismo baseado puramente na vontade de negar o óbvio não é algo bom.  na verdade, é uma bruta estupidez, uma canalhice consigo mesmo, porque você está mentindo para si mesmo ao invés de sentar e se preparar para os desafios que podem vir. Nestes momentos, ao invés de apedrejarmos os corvos que anunciam a tempestade, porque não aceitar a mensagem deles, e nos anteciparmos em buscar um telhado para o cair das águas e o vendaval? Me parece muito mais produtivo que ser um irracional,. e culpar os mensageiros pela mensagem. 






terça-feira, 1 de setembro de 2020

Crônicas da Cidade Pandêmica: Os falsos profetas



Dizem que as pessoas devem buscar sua espiritualidade, para tentar entender melhor esse mundo. Nisso tudo, existem vários caminhos  e estradas para um vivente seguir. Budismo, espiritismo, catolicismo, protestantismo... e eses são apenas os nomes que eu pude lembrar. A quantidade de opções espírituais para as pessoas é enorme, talvez tão grande e variada quanto o próprio tempo histórico. 

Dentro desses, é fatal que hajam favoritos - e que hajam os que forçam sua forma de louvor como a única certa. De fato, é o que mais tem acontecido nesses tempos, e quando digo esses tempos, quero dizer "desde o começo da humanidade". O próprio cristianismo não chegou ao ponto que está hoje somente pela caridade e pela boa propaganda: houve ali muita morte dos "impuros" para ascensão desta religião. 

Evidentemente, é preciso dizer que esta imposição não é a história toda destes caminhos religiosos. Contudo, hoje em dia, ela é a norma, não a exceção. Especialmente no nosso Brasil varonil, pessoas forçam em nós suas crenças, e forçam nas leis ao redor seus pontos de vista, como se fossem eles os úncos certos. Não precisamos nem voltar muito atrás para ver exemplos disso: Alguns dias atrás, havia uma corrente de ditos "cristãos" tentando impedir o aborto de uma menina de 10 anos, chamando médicos de assassinos. As mesmas pessoas, diga-se, que pregariam o perdão para o estuprador desta mesma menina. 

Ou talvez um outro exemplo melhor seja a verdadeira corrente de ódio e perversidade que a pastora Flordelis armou com sua própria família, algo que culminou no assassinato do seu esposo, com a participação de seus filhos. Uma mulher, diga-se, que pregava aos quatro ventos que era a mais moral. Como muitos aliás, que se vestem do manto da cristandade, que é na verdade a coisa mais falsa e hipócrita possível nesses dias. Se me permitem dizer, enquanto católico relapso que sou (e bem mais cristão que esses que por aí expõe), conheço literalmente satanistas que são muito mais dignos do reino dos céus que essa cambada de pastores e padres podres. 

É isso que eu tinha a dizer. Que caiam os pedaços de bosta humanos que se dizem conhecedores dos caminhos de iluminaçãi; que a humanidade encontre sua gnosis sem precisar, nunca mais, de falsos messias e práticas torpes. Que haja a LUZ.