sábado, 28 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Mundo: As canções, as memórias


Numa revelação que pode causar a muitos me chamarem de hipócrita - já que escrevi mais de um texto sobre o perigo de se deixar levar  pela ideia do "antes era tudo melhor" -  eu tenho uma indisfarçável ternura por obras e coisas de antigamente. Hoje mesmo, após o almoço, eu e minha esposa sentamos no sofá, ligamos aquele youtube esperto, e ficamos ouvindo canções românticas famosas dos anos 80. Depois, quando estávamos ajeitando as coisas para trabalhar (a vida de um professor nunca pára), ela comentou "Como é gostoso ouvir essas músicas! Me traz uma paz tão grande!"

Fiquei pensando muito nisso, na calma que as músicas trouxeram à nossa tarde. O leitor pode pensar: mas provavelmente eram canções calmas, que acalentaram vocês. Lhes digo que não necessariamente, a não ser que você considere o tema de Vamp calmo. Qual o mistério então? De onde veio essa calma toda?  da nostalgia apenas de um tempo que nem vivemos? Ou de algo a mais?

Eu creio que a resposta seja mais complexa: acho que as músicas são representantes emocionais, de pessoas, lugares, fatos. Por exemplo: recentemente eu ouvi a banda Dire Straits (acho que pouquíssimos vão reconhecer esse nome), e imediatamente, tal qual aquela cena famosa do filme Ratatouille, me veio á mente a lembrança de meu pai, extremamente empolgado, ouvindo a música Sultans of Swing e me contando do guitarrista, de como ele era o melhor.... em outro momento, minha esposa chorou ao ouvir Benito di Paula, com a música Meu amigo Charlie, e quando perguntei por que, ela me disse que essa canção lembrava muito o avô dela, já partido desse mundo. 

Existe toda uma miríade de exemplos, e acho que fica mais divertido se o prezado leitor pensar nos seus próprios exemplos, e me mandar algo sobre o que pensou. Por hora, eu creio que existem fatos a serem observados, em relação à música:

1) o mundo anda terrível, esmagador, e não há escapatória...

2) ... exceto na arte, exceto no que nos faz criar mundos que nos nutrem, nos dão força interna. 

Então, bota esse disco pra tocar, e sacuda (ou não) o esqueleto: não se salva o mundo com canções, mas com certeza, salvar a alma das pessoas é completamente possível sim. Então salvemos nossas almas, ouçamos nossas playlists (ou cds antigos, por que não?), e tentemos pensar um pouco que seja, nas pessoas que nos fazem querer acreditar num mundo com menos sofrimento. 


domingo, 22 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: Extreme Ways


É um tempo de excessos, o nosso, e não é de hoje. Diferente do que eu mesmo pensava anteriormente, a pandemia não criou um novo mundo, um novo normal, onde as coisas se alteraram de tal forma que não se reconhece mais o mundo anterior: na verdade, a crise simplesmente aumentou alguns padrões que tínhamos antes, talvez guardados, talvez simplesmente disfarçados. 

Mas eu falava dos excessos, e não acho que haja maior exemplo que as coisas que nos cercam neste momento. Recentemente em Goiás, um homem matou um casal e feriu um jovem por suspeitar que eles passarm o Covid que ceifou a vida de seu pai e irmão. Ao longo do Brasil, casos e mais casos de excessos se repetem: Maridos ceifando a vida de esposas por ciúme, infanticídios, agressões em geral.... Como eu disse, nada que não acontecesse antes, mas me parece que as coisas deram uma boa explodida nesses últimos tempos - ou, pelo menos, começaram a aparecer mais nas notícias, o que não deixa de ser uma situação igualmente aterradora.

De qualquer forma, eu tenho pensando muito nisso, nos extremos que alcançamos em nossas vidas, e que nos alcança também. Penso na origem dessas violências: Pais traumatizados quando crianças, passando a dor adiante como se fosse uma herança maldita; formas de viver antiquadas que se mantém em voga usando o velho véu da "tradição" para poder causar dor e sofrimento a outrem; vinganças estabelecidas contra quem tirou a vida de um membro da família, ou um amigo, ou quem quer que fosse o ser amado.

E chegamos talvez à uma conclusão aqui, por imparcial que seja: talvez os excessos venham da nossa dor. Pois veja, vivemos em um mundo brutal, quanto a isso não creio haver nenhuma dúvida. E quando o mundo nos bate com toda a força, é natural ficarmos tristes. Mas não foi essa a maneira que fomos criados: quem chora, morre, é fraco. Então reagimos com toda força, a ira impotente de uma pessoa que nunca poderá alcançar seu algoz. E acabamos por descontar esta ira nos que estão ao nosso redor, sejam eles conhecidos ou desconhecidos. 

O ciclo perdura por muito tempo, até alguém decidir ser o último nessa roda da dor. Tenho olhado ao redor e torcido para que muitos de nós, nessa geração, consigamos parar de passar essa batata quente para frente.... mas acho que talvez seja pedir demais, em um mundo onde sofrimento acaba acontecendo tanto, que muitos até normalizam a dor. E talvez, sendo animais, consigamos por algum momento sufocar a grande dor, o grande vazio que temos dentro de nós. 

Este com certeza é o pensamento mor de muitos. Dentro de mim, eu quero crer que vou conseguir escapar disso. Mas será que é o que os meus semelhantes ao meu redor também desejam? 


segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: São Paulo, cidade desamada.


Esses dias, eu estava vendo com minha esposa esses vídeos que surgem do youtube, e apareceu um falando sobre "por que as pessoas estão abandonado São Paulo", de um canal chamado Elementar.  Não era o único do tipo: na verdade, haviam mais dois muito parecidos, sobre o Rio de Janeiro e Nova York. Agora, longe de mim dizer que São Paulo é a Nova York do Brasil (algo que, ademais, nem faz muito sentido: São Paulo é a São Paulo do Brasil e ponto), nem que ela é igual ao Rio de Janeiro (falta, para isso, a cidade ter um aplicativo que mostre onde está rolando tiroteios, que é algo que realmente existe). Contudo, acho que um dos pontos principais que ele fala se ressalta nessas três: a ideia de querer sair o quanto antes do lugar, de preferência para alguma cidade do interior do estado. 

Isso me chamou muito a atenção, porque casa bastante com minha experiência nesta cidade. Não posso falar de Nova Iorque ou Rio de Janeiro, é claro, mas aqui em São Paulo me parece que quase todas as pessoas , em algum momento, decidiram que seu objetivo de futuro sempre envolve sair daqui, de uma maneira ou de outra. Você conversava com uma pessoa, ela falava de seus projetos de vida... pams, do nada, ela soltava o já conhecido "Pois é, e um dia eu saio daqui de sampa, assim que der..."

Isso me deixou bastante pensativo, essa posição extrema de querer sair daqui, o quanto antes. O que havia em São Paulo que expulsava seus habitantes?  Seria fácil pensar em poluição, segurança, falta de natureza; outras cidades sofrem da mesma coisa, e não parecem ter essa mesma tradição de impulsionar os seus cidadãos para fora. Aqui na Pauliceia Desvairada, menos que um desgosto com a cidade, parece haver uma ideia genuína que as coisas nunca foram boas, que aquele passado glorioso nunca existiu, e que o futuro que chegou não serviu para convencer ninguém a ficar. 

Hoje, eu me vejo como a pessoa pensando em sair daqui. Não por nada, sou muito feliz aqui, e creio que as minhas maiores alegrias eu consegui morando aqui em sampa. Mas em breve, eu e minha esposa queremos ter filhos, e São Paulo para mim não parece um lugar extremamente amigável  para crianças. De fato, muitas vezes parece o equivalente à uma rede bandeirantes em forma de cidade: cinza, meio chato, e com coisas legais só em horários bem quebrados. 

E de repente , me surge uma hipótese, que eu deixo ao estimado leitor: talvez seja essa a questão. Menos que poluição, sujeira, violência, as pessoas saem de São Paulo( e de outras cidades), porque lhes falta aqui a coisa mais preciosa para um coração: esperança num futuro melhor.  Espero que isso mude em breve, mas por enquanto.... alguém sabe quanto tá o aluguel em Jundiaí? 


terça-feira, 10 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: Porque Domingo foi dia dos pais


No Brasil, a terra das gambiarras, seria fácil pensar que o dia dos pais, assim como o dia das mães, foi uma invenção aleatória para aquecer o mercado. E de fato até foi mesmo, mas com uma base em algo mais concreto pelo menos; trata-se do dia de São Joaquim, o patrono dos pais na Igreja Católica. Se você vai basear um feriado em alguma coisa, por que não seguir a tradição e usar um argumento de Igreja para isso, não é mesmo?

Mas começo falando assim, e parece que estou zombando do dia em questão. Não é verdade, em absoluto: Até mesmo do dia das mães, eu penso que trata-se tão somente de um dia para você lembrar de alguém especial em sua vida, comprar uma lembrancinha, ligar e dizer que ama. Não que não se deva fazer isso todos os dias, mas o fato de ter um dia específico para isso simboliza o peso, a importância de um pai na nossa vida. O meu pai, por exemplo, foi e é um exemplo para mim, até de ordem literária: trata-se simplesmente de um escritor com décadas de experiência, e dezenas de livros publicados. Quisera eu chegar no nível dele um dia: por hora, sou apenas um reles cronista de blogs.

É claro que nem todos tem lembranças boas nestes dias, pois há aqueles homens odiosos que não deveriam jamais ter tido esse privilégio, de ter um filho ou filha, de trazer uma vida ao mundo. Homens que dizem que preferiam que a criança não tivesse nascido; homens que machucam seus filhos. Casos extremos, é claro, mas há também o caso mais comum, mais tristemente cotidiano: o do pai que simplesmente some. Que pode estar morando na rua do lado, mas poderia estar vivendo na lua que não faria a menor diferença, tamanho o desprezo que sente pela sua (não) cria. E aí toca as mães se esfalfarem para cuidar da criança, e a sociedade a achar isso lindo e chamá-las de "guerreiras", "independentes", etc. O que elas são, mas não é esse o caso, e sim o fato dos pais serem covardes e fugirem de sua responsabilidade. 

Mas não quero falar de coisas tristes ao fim destes escritos, e sim de coisas bonitas, de legados. Quero falar dos pais, e avôs, que partiram cedo demais e não viram as pessoas lindas que criaram, as coisas boas que deixaram para trás. Homens que sem saber, criaram almas iluminadas, pessoas que mudam o mundo ao seu redor, com ações, palavras, ou puramente existência. Todo mundo conhece uma pessoa assim, e pensa, poxa, eu queria muito ter visto esse pai que ela fala tanto, que até hoje essa pessoa ama tão forte. Um amor tão forte, que é como se a gente já soubesse como era  pessoa, mesmo sem ter conhecido.

Assim, esta crônica é dedicada a todos os pais que partiram antes de verem os frutos das árvores que plantaram, em especial a meu avô paterno Alfredo Jorge Hesse Garcia , e meu sogro Givaldo Francisco da Silva.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Crônicas do Novo Normal: Canção do Não-Retorno

Fonte: Aldeia News

Já falei aqui, mais de uma vez, sobre a minha saída de Belém do Pará para São Paulo; em resumo, eu vim aqui fazer um mestrado e acabei ficando, me casando, e cá estou. Acredito que seja uma narrativa relativamente comum por aqui: migrantes de todo o Brasil saindo, buscando um futuro, e por aqui mesmo ficando. Pelo menos é uma história recorrente com as pessoas que conheço que vieram de fora. 

Sobre a minha vinda é isso, mas eu não sei se falei muito sobre o porquê de eu ainda ficar aqui, e não ter voltado para minha cidade natal. Seria muito fácil,. suponho, dizer que fiquei aqui porque conheci minha esposa e me casei. Também seria errado: Mesmo antes de Aline, eu já havia me decidido a não retornar. De fato, no exato momento que eu pisei em São Paulo, minha cabeça já estava feita sobre não voltar. 

Uma outra explicação muito óbvia, seria que eu "me apaixonei" pela cidade. Posso garantir que não é verdade. São Paulo é uma grande metrópole, com muito acontecendo, e a maior quantidade de eventos e outras coisas legais. Nunca me senti tão ao centro de tantas ações, cercado pelas coisas que o frete no brasil inteiro menos Norte e Nordeste me privava. Mas não, essas coisas todas não foram o motivo que me fizeram permanecer aqui. 

Talvez o conceito que mais explique eu não ter voltado para Belém é simples: tenho medo de fantasmas. E a cidade (talvez o estado inteiro) tem demasiadas assombrações para mim, de minha vida anterior, das coisas que não fiz, das coisas que poderia ter feito. Cada rua na cidade é uma lembrança boa, contra mil ruins de angústia por um amanhã que não chegava nunca, e da decepção de estar limitado em minhas escolhas pelo ambiente que eu estava. 

Obviamente, boa parte da minha limitação estava em mim mesmo: frequentemente as amarras que nos prendem vem de nós mesmos. Uma corrente de dentro pra fora, por assim dizer. Mas é fato que existiram fatos diversos, pessoais e sociais, que me aconteceram e me fazem olhar para minha cidade natal com um misto de tristeza e alívio, por ter saído dali, por ter conseguido seguir no rumo que eu queria. 

Suspeito que todos nós temos isso, esses lugares assombrados que juramos nunca mais voltar. Às vezes é uma escola, às vezes a casa de algum parente, às vezes mesmo a própria casa onde nasceu e cresceu. Eu por mim, tive a façanha de assombrar uma cidade inteira em meu desfavor - e agora, escondo-me aqui, na selva de concreto, na esperança de que estas aparições não venham atormentar-me nas madrugadas frias que tem acontecido. 

Mas, às vezes, ainda que de longe, elas me assombram mesmo assim.